Reduzir as emissões do setor dos transportes requer um “plano objetivo, sistematizado, transversal e ambicioso de profunda mudança da cultura da mobilidade” e que inclua uma “gama abrangente de políticas públicas que conduzam a uma significativa menor utilização do automóvel privado”. Esta posição é defendida, em comunicado, pela MUBi (Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta) que lembra que o setor da mobilidade e dos transportes são a partir de 2020 o setor com maior peso nas emissões nacionais de gases com efeito de estufa.
Em Portugal, este setor é caracterizado por uma “forte dependência da utilização do automóvel” e os “transportes rodoviários são responsáveis por 95.4% das emissões do setor e também pela falta de qualidade do ar nas nossas cidades (a poluição atmosférica mata cada ano cerca de seis mil pessoas em Portugal)”, lê-se no comunicado divulgado à imprensa.
Em resultado de décadas de políticas e investimentos focados no automóvel (Portugal nos últimos 25 anos investiu 33 mil milhões de euros em infraestruturas rodoviárias), Portugal é o “segundo país” da União Europeia que “mais utiliza o carro”, o segundo com “menor utilização de transportes públicos” e um dos países em que “menos se utiliza a bicicleta como meio de transporte”, alerta a MUBi.
Um recente estudo, com dados de cidades em toda a Europa, mostra que “os ciclistas produzem menos 84% de emissões de CO2 relacionadas com a mobilidade do que os não ciclistas”, e que “quem muda do carro para a bicicleta reduz as suas emissões em 3,2 kg de CO2 por dia”. A transferência modal do carro para a bicicleta contribui “dez vezes mais” para a redução de emissões que a electrificação da motorização automóvel, segundo o estudo.
Para MUBi é claro que a “mudança de motorização dos veículos automóveis é largamente insuficiente para dar resposta aos desígnios e compromissos climáticos desta década”. Por isso, “apoiar e estimular a mobilidade activa, e em particular a utilização da bicicleta, é uma maneira simples, rápida e económica de contribuir para os objetivos de acção climática”, gerando simultaneamente “muitos outros benefícios colaterais, nomeadamente ao nível da saúde pública, redução de custos económicos de congestionamentos, eficiência e qualidade do uso do espaço urbano e dinamismo e resiliência das cidades”, destaca a associação.
A MUBi defende que “os investimentos em transportes públicos deverão ser acompanhados pela promoção da multimodalidade”, de forma a que “os modos ativos sejam também a coesão alimentadora de um sistema de transportes públicos bem sucedido”, designadamente através de “áreas de captação de acesso às estações com boas acessibilidades pedonais e infraestrutura ciclável num raio de 5 a 8 km dos interface de transportes públicos”.
A bicicleta tem servido em Portugal essencialmente para “maquilhar de verde discursos políticos”, declara a associação, constatando que “está na altura de passar a ter condições vantajosas relativamente ao transporte motorizado individual, e especialmente em relação aos veículos movidos a combustíveis fósseis, nos diversos instrumentos de planeamento, financeiros, legislativos e fiscais, e ser valorizada pelos seus amplos benefícios ambientais, sociais, económicos e de saúde”.
No contributo submetido recentemente à Assembleia da República, no âmbito da discussão da Lei de Bases do Clima, a MUBi defendeu a “redução de emissões de gases com efeito de estufa em pelo menos 60% até 2030, em relação a 2005 e sem contabilizar sumidouros, e a antecipação do ano de neutralidade climática”.
A associação propõe que pelo menos “10% do capital investido no setor dos transportes em Portugal seja alocado à mobilidade em bicicleta, e também pelo menos 10% à mobilidade pedonal”, lê-se no comunicado. Para a MUBi, estes orçamentos devem ser “dirigidos para a priorização e aceleração da implementação da Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC) 2020-2020” e a “antecipação das suas metas e a implementação da Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Pedonal (ENMAP) 2020-2030”, atentando que, “a Assembleia da República tem vindo nos últimos meses a instar o Governo a fazer”.
No mesmo contributo, a associação sugeriu ainda, entre outras medidas, a criação do enquadramento legislativo e programas de apoio para os municípios elaborarem e implementarem Planos de Mobilidade Urbana Sustentável, implementação de alterações do espaço público no sentido de aumentar a segurança dos modos activos, redução do limite máximo de velocidade nas localidades para 30 km/h, criação de redes de percursos seguros para a utilização da bicicleta, ao nível urbano, periurbano e regional, criação de um programa nacional de incentivos às deslocações casa-trabalho em bicicleta e reforço dos incentivos à aquisição, apoios à implementação e extensão de sistemas de bicicletas partilhadas e a criação de um sistema de bicicletas partilhadas nacional ‘last mile’ integrado com os transportes públicos ferroviários e rodoviários urbanos, regionais e nacionais, a exemplo do programa OVFiets na Holanda.
A promoção da implementação de zonas de emissões reduzidas em centros urbanos e de eco-bairros protegidos de tráfego de atravessamento e velocidades elevadas (“low-traffic neighbourhoods“), também estão dentro das sugestões enviadas pela MUBi. A associação defende o estabelecimento de “metas de redução da quota modal das viagens feitas em automóvel”, bem como a criação de “fortes desincentivos à sua aquisição e utilização”. Também, “os subsídios e benefícios fiscais a combustíveis fósseis ainda existentes deverão ser imediatamente eliminados e proibido todo o tipo de publicidade a veículos automóveis que consumam combustíveis de origem fóssil”, sublinha.