Governo altera gestão das áreas protegidas sem passar pelo Parlamento
O Governo quer mudar a forma como são geridos os territórios protegidos ambientalmente, dando mais poder às câmaras municipais nas decisões, uma alteração que não passará para já pela Assembleia da República onde tem a oposição da esquerda, aponta hoje o Público. O projecto-piloto do novo modelo de gestão das áreas protegidas no Parque Tejo Internacional vai avançar até ao final de março. O Governo quer testar o novo quadro de gestão, dando a liderança a um autarca, mas deixando áreas em que o Instituto de Conservação da Natureza (ICNF) “será soberano”.
O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, explica, em resposta ao Público, que “com este modelo não se pretende retirar poder ao ICNF, mas sim valorizar o papel das autarquias”, sobretudo “no interior do país, em que os territórios protegidos são importantes activos diferenciadores no conjunto do território, que terão de ser geridos e valorizados. Com o modelo vigente, o ICNF não tem conseguido atingir estes objectivos”, diz.
Esta questão é importante, uma vez que nestas zonas protegidas há tensões permanentes entre a conservação da natureza e o desenvolvimento económico. E o problema foi suscitado depois de o ministério responder ao Parlamento, dizendo que a intenção era passar para as câmaras a gestão de tudo o que tem que ver com actividades económicas, culturais e sociais, ficando o ICNF com a parte de conservação da natureza. A esquerda não concorda com esta medida, por considerar que se submetem os interesses da conservação da natureza aos interesses económicos.
O ministro responde ao Público que “desenvolver um território protegido, garantindo a preservação dos valores naturais, não tem que ser um interesse contraditório”. Contudo, admite que “a existência de tensões é normal” e espera que seja o novo modelo de direcção a resolvê-las.
Esse modelo passará por uma direcção composta por três entidades: as câmaras, o ICNF e outras entidades, como organizações não governativas do ambiente e universidades numa “direcção colegial”. Porém, a liderança será de um autarca. Nas áreas protegidas com vários municípios “um só assumirá a direcção do parque e será o seu rosto, sendo normal que a representação municipal se faça num regime de rotatividade”.
O projeto-piloto que vai avançar no Parque Internacional Tejo será uma experiência para avaliar as “competências de direcção, o papel que as autarquias poderão ter na valorização dos territórios” e ainda as medidas em que serão “sempre um prerrogativa do ICNF”, porque, garante o ministro, haverá áreas em que “o ICNF será soberano”.
Mas, para já, esta alteração não precisa de nova legislação, uma vez que se trata de um projecto-piloto e depois da avaliação feita aos resultados do Tejo Internacional será alterado “o decreto-lei que definirá as regras de gestão das áreas protegidas” — ou seja, legislação própria do Governo, que só poderá ser alterada se os partidos a chamarem ao Parlamento.
É neste ponto que o Governo choca com os parceiros de esquerda. Tal como o Público tinha avançado, PCP, BE e PEV são contra este novo modelo, considerando tratar-se de uma “municipalização” da gestão das áreas protegidas.
Mas mais que isso, pelo menos o PEV discorda de como o processo está a ser conduzido. Manuela Cunha, dos Verdes, diz ao Público que discorda à partida da intenção de fazer esta reforma através de um projecto-piloto. “Discordamos do projecto-piloto, porque é uma forma de ir impondo as reformas aos poucos, antes de elas serem debatidas e discutidas; antes de ser apresentada qualquer proposta”, diz.
Para os Verdes, é preciso que o Ministério do Ambiente assegure o papel dos vigilantes da natureza: “Pode ter implicações no estatuto dos vigilantes. O Governo nunca assume como uma municipalização, mas no fim é dos municípios o papel liderante e é preciso saber se os trabalhadores das áreas protegidas serão integrados nas autarquias.”