O regime experimental será introduzido este ano no Parque do Tejo Internacional, mas o objectivo do Governo é alargar a todas as 25 áreas protegidas – que incluem os parques do litoral alentejano, da Ria Formosa ou da Serra da Estrela, por exemplo – um novo modelo de gestão que atribui novas responsabilidades ao poder local, avança esta quinta-feira o Público. O Governo quer que sejam as câmaras municipais a decidir e a gerir tudo o que tenha a ver com os negócios e com questões culturais e sociais nestas zonas, ficando a defesa do património natural a cargo do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). A esquerda está contra. “Isto é muito grave”, dizem BE, PCP e PEV, os três partidos que sustentam o Governo, alegando que o executivo está a colocar os interesses económicos à frente dos da natureza.
O novo modelo de gestão das áreas protegidas já foi anunciado pelo ministro do Ambiente, mas ainda não avançou. Em resposta a questões dos grupos parlamentares do PCP e do BE, o ministério de Matos Fernandes explicou que quer dar mais poder aos municípios para fomentar uma política de “proximidade”. O ministério considera que “é importante que se promova uma cultura de apropriação das áreas protegidas pelas pessoas, algo que será alcançado se estas reconhecerem nas referidas áreas um factor de desenvolvimento”.
Na mesma resposta, o ministério escreve uma frase que fez soar os alarmes da esquerda: “é opinião do Governo que é necessário refundar o modelo de gestão das áreas protegidas à luz deste contexto, em que os valores da conservação da natureza são muito relevantes mas não são os únicos destes territórios”.
“Isto é gravíssimo”, diz ao Público a dirigente do Partido Ecologista Os Verdes Manuela Cunha. “Em vez de ser a conservação da natureza a liderar, é o contrário. É uma espécie de inversão do ónus da gestão”.
“Por princípio, estamos contra. Tem de ser o Estado a garantir a conservação da Natureza”, diz a deputada do PEV. Mais do que isso, em quase todas as situações, lembram os três partidos, é uma gestão contínua de conflitos entre a pressão das actividades económicas e a conservação da natureza.
Segundo as respostas que têm sido dadas pelo Ministério, as câmaras ficarão com a gestão de tudo o que tem a ver com actividades económicas, culturais e sociais e o ICNF com a parte de conservação da natureza. Para o Bloco de Esquerda, levanta-se também um problema de pressão económica sobre os municípios e a sua “permeabilidade”. Ou seja, “as autarquias são mais susceptíveis de serem permeáveis aos interesses económicos”, diz o deputado Jorge Costa. Além de que, acrescenta, “são parte interessada, porque grande parte da receita das câmaras provém destas actividades económicas”.
Pode assim haver um “um conflito” de interesses entre o que a câmara quer e o que é preciso fazer para a conservação da natureza. O que era até agora travado pelo ICNF poderá deixar de o ser e com isso “os riscos para a natureza aumentam”, diz o bloquista.
Para já, “verdes”, bloquistas e comunistas esperam para ver no que vai resultar a acção do Governo. Querem saber mais e o tema tem sido abordado em algumas reuniões com os responsáveis do ministério. Mas ainda não sabem sequer como será o processo legislativo. PCP, BE e PEV garantem que vão “dialogar” com o Governo, para o demover desta ideia inicial. Se não conseguirem, usarão todos os instrumentos ao seu dispor para travar o processo, garantiu, por exemplo, a deputada do PCP Ana Virgínia Pereira.
Na prática, consideram a medida do Governo “um primeiro passo” para a completa “municipalização” da gestão das áreas protegidas. Os três partidos até defendem que os municípios têm uma palavra a dizer, mas nunca deverão ser eles a liderar o processo. O Governo nega essa “municipalização”, diz que “não se traduz na transferência da gestão das áreas protegidas para os municípios”, mas apenas em deixar a cargo das câmaras “algumas vertentes dessa gestão”.
Para já não se sabe quais serão todas as competências ou sequer quem vai decidir em caso de conflito. Mais, do modelo falado pelo Ministério do Ambiente sabe-se que serão as câmaras a liderar, mas não se sabe, no caso de uma zona abranger dois ou mais municípios, se será apenas um a liderar, se lideram todos ou se cada um decidirá sobre a área do seu concelho. Perante estas dúvidas, o PCP fala em “fragmentação” das áreas protegidas. O BE chama-lhe “manta de retalhos”. O Público tentou contactar o Ministério do Ambiente nos últimos dois dias, mas não obteve resposta.
Em algumas zonas protegidas (seja nos parques nacionais, ou em reservas), há fortes pressões de actividades económicas. Há umas semanas, o Público noticiou, por exemplo, que a alteração do Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional está a fazer com que concelhos do litoral alentejano estejam a reduzir as zonas de exclusão, permitindo a construção mais perto da orla costeira.
No caso do Parque do Tejo Internacional, há um conflito com a empresa de pasta de papel Celtejo, em Vila Velha de Ródão, por causa da poluição, apesar de esta se encontrar fora da área protegida. E o PEV lembra também que, caso haja problemas em Almaraz, será a zona do Parque Tejo Internacional a ser afectada.
Ainda neste parque, houve grande pressão para intensificar a navegação turística apesar dos potenciais impactos que isso teria sobre a cegonha-negra – que é a ave-emblema da área protegida. O projecto avançou, mas não se estudaram esses impactos. São estes casos, e outros, como a pesca, que levantam dúvidas sobre o sucesso – para a conservação da natureza – deste modelo de gestão.