GEOTA reclama pela existência de “apoios do Estado mais robustos e contínuos” à gestão da floresta
O Renature Monchique, criado em 2019 e coordenado pelo GEOTA (Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente), é um projeto que pretende “restaurar parte dos principais habitats” da Rede Natura 2000 afetados pelo incêndio de Monchique de 2018.
À Ambiente Magazine, Miguel Jerónimo, coordenador do Renature Monchique e membro da direção do GEOTA, refere que a iniciativa tem como foco apoiar o “bem-estar local”, mitigar os “impactos futuros das alterações climáticas” e, ao mesmo tempo, “ajudar a comunidade local a recuperar do desastre causado pelo incêndio”. Todas as intervenções têm por base o “conhecimento do terreno” e são “planeadas” e “executadas” por uma “equipa especializada de 14 elementos”, coordenada pelo GEOTA, em “estreita colaboração com os proprietários”, afirma. Para já, adianta o coordenador, as áreas englobadas são Fóia/Portela das Eiras, Perna da Negra, Corchas e Alferce/Picota. Como parte da iniciativa de “compensação das emissões de carbono da Ryanair”, este projeto “não apoia apenas a compensação de toneladas de carbono” através da “plantação de milhares de árvores”, mas também, “ajuda a revitalizar a ecologia da região” de Monchique. Resulta, assim, de uma parceria com a Ryanair, a Região de Turismo do Algarve, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e o município de Monchique.
Para além da recuperação de parte dos principais habitats Rede Natura 2000, o Renature Monchique tem como grande objetivo ser um “catalisador” para uma “floresta mais resiliente” aos incêndios, suportada, sobretudo, através de “espécies autóctones” e no “combate ao abandono da paisagem”. Desta forma: “Acreditamos que não fazer nada não é uma opção. O que não é rentável é ter incêndios catastróficos que consomem a floresta a cada 10 ou 15 anos e o consequente abandono”. Miguel Jerónimo acredita que um “mosaico agroflorestal mais diverso” pode contribuir para que esses eventos não se concretizem: “Têm que existir apoios do Estado mais robustos e contínuos à gestão da floresta, porque uma grande parte dos proprietários rurais não tem capacidade técnica e financeira para o fazer”. E estes “apoios” não se centram apenas a Monchique, mas a “qualquer outra região portuguesa” que seja “ciclicamente” afetada pelos incêndios, atenta.
Relativamente a balanços, o coordenador do projeto revelou que, até ao final de 2020, foram plantadas cerca de “95 mil árvores”, esperando chegar às “130 mil árvores plantadas” em abril de 2021. Carvalhos-de-Monchique, sobreiros, azinheiras, medronheiros, castanheiros, carvalhos-cerquinhos, freixos e amieiros são as espécies que este grupo de trabalho tem plantado: “Dependendo das condições biogeográficas dos terrenos e dos desejos dos proprietários, escolhemos as espécies que melhor se adaptam dentro da lista com que trabalhamos”. Até ao momento, conseguiram envolver cerca de “90 proprietários” sendo que na “maioria das propriedades” lidam com “duas ou três pessoas”, refere. Após um ano de intervenções, Miguel Jerónimo não tem dúvidas de que a “aceitação” foi bastante positiva: “A grande maioria dos proprietários envolvidos quis continuar a colaborar com o projeto”.
[blockquote style=”2″]Aldeias envelhecidas ou em vias de extinção pela migração para as vilas e cidades[/blockquote]
Avaliando o setor florestal em Portugal, o responsável começa por lembrar que a floresta representa “um terço da área” do país e está associada a “atividades económicas importantes” como a “madeira” e seus derivados, “mobiliário, pasta de celulose, pastorícia, apicultura, caça e pesca”. Para além do “aprovisionamento” dessas matérias-primas, os “espaços florestais” fornecem “serviços essenciais de regulação ecológica”, como a “biodiversidade”, a “proteção de solos e controlo da erosão”, a “regulação do ciclo da água”, a “polinização”, a “prevenção de incêndios”, o “sequestro de carbono” e os “serviços culturais” como o “lazer, turismo, identidade cultural, educação e interesse científico”, afirma. Ainda assim, o membro do GEOTA dá conta que o “elevado interesse a todos os níveis” não tem sido acompanhado de “mecanismos de gestão” adequados: “Grande parte da área florestal em Portugal, a maioria propriedade privada, tem sido votada ao abandono ou a uma gestão incipiente focada no curto prazo, com o consequente desperdício de oportunidades e criação de vulnerabilidades”.
Basicamente, reforça o coordenador, a parte do território português com “vocação florestal” é hoje dominada pela “monocultura de pinheiro e eucalipto” e por “matos”. E a “evolução da estrutura florestal” ocorre em paralelo com um “processo acelerado” de “despovoamento do interior do país”, refere, indicando que as “aldeias estão envelhecidas” ou em “vias de extinção” pela “migração para as vilas e cidades”. Assim, os “espaços agro-silvo-pastoris perderam valor” e, portanto, capacidade de gestão: “Muitos terrenos agrícolas e pastagens deram lugar a manchas contínuas de matos ou floresta, os matos deixaram de ser usados para lenha e cama de gados, muitos proprietários abandonam os terrenos ou optam por rentabilidades a curto prazo com o mínimo esforço de gestão”. O “pinheiro” e o “eucalipto” são facilmente “combustíveis” e na “ausência de uma gestão adequada”, o responsável precisa que este tipo de povoamento é “bastante mais vulnerável aos incêndios” do que as “matas dominadas pelas espécies autóctones”, agravado, também, pelo “desaparecimento das populações das aldeias” e pelo “processo de alterações climáticas”. É certo que o “grande problema de fundo” não é a “espécie A ou B”, mas sim a “generalizada ausência” de gestão coerente: “Não há informação de base suficiente, nem de cadastro predial, nem de ocupação do território”. Além disso, acrescenta Miguel Jerónimo, a “organização da gestão é incipiente”, nomeadamente em “grandes áreas de micro propriedade” e os “PROF (Programas Regionais de Ordenamento Florestal) foram uma oportunidade perdida”. Depois, “continua a não haver coerência de políticas”, como é o caso das “políticas agrícola, florestal, climática, energética, de biodiversidade e de gestão da água”, atenta.
[blockquote style=”2″]Justa remuneração dos serviços dos ecossistemas prestados pela floresta[/blockquote]
Do ponto de vista do responsável do GEOTA, o setor florestal pode ter uma “grande importância” para o futuro se for entendido pelo seu valor real: “Um ativo para o longo-prazo”. Tal como as “políticas ambientais”, também, as “políticas florestais” medem-se em “décadas”, não em anos: “O setor tem potencial para gerar grande número de empregos e elevado valor acrescentado em múltiplas atividades económicas”. São exemplo disso, as “atividades tradicionais”, como a “silvicultura”, a “apicultura”, a “pastorícia” e a “caça”, mais as “atividades de suporte e sua fiscalização”, as “atividades emergentes”, como a “recuperação de solos” e de “ecossistemas” ou o “ecoturismo” uma “atividade em pleno crescimento” e, ao contrário de outras, “compatível” com as “modernas exigências de proteção ambiental”, da “solicitação dos mercados nacionais e internacionais”, precisa. E para que tal aconteça, Miguel Jerónimo reitera pela importância de “coerência de políticas”, da “aposta no associativismo florestal”, em “novos modelos de negócio” que “valorizem o território” e da “disponibilidade do Estado” para “investimentos a longo-prazo na floresta”.
Já no combate à mitigação dos efeitos das alterações climáticas, o coordenador defende que as “espécies autóctones” como os “carvalhos, sobreiros, azinheiras, castanheiros, nogueiras, cerejeiras”, estão “ecologicamente” bem adaptadas ao território: “São claramente a melhor opção para conservação do solo, biodiversidade, regulação do ciclo hídrico, reservatório de carbono, resiliência às alterações climáticas e redução do risco de incêndio”. Além disso, podem também ser “interessantes” em termos de “rendimento económico a prazo”, refere, alertando, contudo, que a dificuldade está no “período de retorno dos investimentos”, exigindo “incentivos a longo-prazo”. Assim, são necessários “incentivos em larga escala” para promover tais mudanças de paradigma: “Não será possível alcançar resultados eficazes apenas por via regulamentar, proibitiva ou gestão direta do Estado”. O GEOTA defende uma “abordagem” assente no princípio da “justa remuneração dos serviços dos ecossistemas” prestados pela floresta: “Sabemos que este é um domínio ainda não completamente maduro, mas o suficiente para aplicar o princípio desde já a decisões sobre a distribuição de incentivos agro-florestais, finanças locais e benefícios fiscais relacionados com o uso do território”. Como prioridade, o coordenador defende que a “mudança de uso do território” deverá ser feita em “espaços atualmente improdutivos”, prosseguindo depois para a “substituição de povoamentos florestais inadequados”.
[blockquote style=”2″]A culpa é das políticas medíocres definidas pelo Estado[/blockquote]
Para Miguel Jerónimo, a floresta é um tema que “carece” de mais “investigação “e de “informação” atualizada para que se possa ter uma “posição mais aprofundada”. No entanto, relativamente a outros países no mundo, “Portugal está melhor que o Brasil ou Moçambique”, onde a “legislação” e as “práticas ambientais”, por diferentes razões, “deixam muito a desejar”. Ainda assim, atenta o coordenador, Portugal está longe de “países escandinavos” como a “Suécia” ou a “Finlândia”, onde se “gere o crescimento e corte de cada árvore” e em que “a gestão da floresta é feita de forma sustentável” para atender não só às “necessidades económicas”, mas também “sociais e ecológicas”.
Afinal, que papel devem ter os líderes políticos nestas matérias? Segundo Miguel Jerónimo, o “Estado detém apenas 2% da floresta” e os “restantes 98%” são “baldios” sem uma “gestão coerente” ou “pertença de meio milhão de proprietários com uma dimensão média da propriedade de cinco hectares”, muitas vezes “dividida em várias parcelas”. Desta forma, precisa o responsável, “não se conhece a titularidade de grande parte das propriedades”, devido às “múltiplas sucessões e partilhas não registadas”. E um “ordenamento adequado destas áreas só é possível mediante o associativismo florestal”, que em Portugal ainda é “incipiente”, refere. Nas últimas décadas, quando o Estado precisava de se “preocupar mais com os espaços florestais em crise e em mudança”, as capacidades que tinha foram desmanteladas: “Os serviços florestais foram desmembrados, a Estação Florestal Nacional e corpo de Guardas Florestais foram extintos e o número de profissionais da floresta, como os sapadores florestais ou vigilantes da natureza, é grosseiramente insuficiente”, alerta. Para o coordenador, os “diversos serviços públicos com intervenção na floresta” sofrem da “falta de meios humanos, materiais, preparação e coordenação”. Esta “incúria sistémica” do Estado é grave: “Perdeu-se conhecimento, memória institucional e capacidade de intervenção”. Por outro lado, atenta o responsável, o “sistema de incentivos” em vigor no setor agroflorestal privilegia a “rentabilidade de curto-prazo”, em detrimento de um “ordenamento que sirva o interesse público a longo-prazo”. Nas últimas décadas, lembra Miguel Jerónimo, o “eucalipto cresceu”, porque é o “uso que dá uma rentabilidade mais rápida” e, no passado, aconteceu o mesmo com o pinheiro bravo: “A culpa não é do pinheiro ou do eucalipto, ou dos proprietários que os instalam, a culpa é das políticas medíocres definidas pelo Estado”. No passado, a “desregulação” parecia “favorecer os setores industriais das fileiras do eucalipto e do pinheiro”, mas, neste momento, isso já não é verdade: “A vulnerabilidade aos incêndios e a subutilização do território reduziram o valor e aumentaram os riscos associados à floresta”, alerta.
Olhando para o setor florestal, que cenário prevê para daqui a 30 anos?
Vejo um setor que apostou no desenvolvimento sustentável da floresta através da aposta em espécies autóctones e numa mudança estrutural do mosaico florestal português com o pagamento dos serviços dos ecossistemas; um setor que se especializou e se atualizou para fazer face às alterações climáticas que afetam Portugal; e um setor que promoveu fortemente o associativismo florestal e contribuiu para melhorar a coesão territorial, social e económica. A floresta é um sistema complexo. Não é possível resolver de um dia para o outro os problemas acumulados por décadas de negligência. O diagnóstico está feito e as soluções essenciais são conhecidas. Haja coragem política para assumir o caminho, e bom senso para ouvir quem tem de ser ouvido. “Devagar se vai ao longe”: as soluções duradouras para a nossa floresta têm de ser construídas de forma cooperativa com as partes interessadas.