O GEOTA anunciou, em comunicado, que o documento de Visão Estratégica para o Plano de Recuperação de Portugal 2020-2030, apresenta “falhas diversas” ao nível das medidas e orientações concretas e exige um “debate profundo”. Afirma ainda que “a reflexão apresentada oferece a necessidade de priorizar e quantificar medidas e estratégias que, na prática, têm que ser assumidas expressamente pelo Governo, pois só o aprofundamento de um debate público transparente e sério, que envolva a sociedade civil e o mundo empresarial, permite selecionar e otimizar os investimentos a realizar e a sua eficácia na recuperação económica que Portugal carece urgentemente”.
Para o GEOTA, também há aspetos positivos, “a seguir e aprofundar”. Nomeadamente, a valorização do território e do capital natural e cultural, em especial a proteção dos recursos hídricos, dos solos e da biodiversidade, e a resposta à crise climática; e em geral a salvaguarda dos valores únicos, ecológicos e culturais, que são a base da identidade nacional e de uma economia sustentável e diferenciada. Por outro lado, destaca a promoção da resiliência e da eficiência nos sistemas e infra-estruturas nacionais, incluindo água, energia, mobilidade, abastecimento alimentar, tecnologias de informação, economia circular, e produção industrial de bens essenciais, valorizando o know-how e a capacidade de inovação existentes.
Além disso, o documento valoriza a reforma fiscal verde, com transferência da carga fiscal sobre o trabalho para a poluição e o uso intensivo de recursos recorrendo a medidas inovadoras, incluindo remuneração dos serviços dos ecossistemas — garantindo melhor equidade social, promoção do emprego, eficiência ambiental e económica. E aposta em soluções mais sustentáveis, como a promoção da ferrovia urbana e de longa distância, a transição energética, a requalificação urbana, o turismo de qualidade, as cadeias curtas de abastecimento.
O GEOTA diz que são necessárias melhorias profundas na governação, incluindo a capacidade estratégica do Estado, a eficácia e maior independência das entidades reguladoras, o incremento da transparência dos poderes públicos e a reforma do sistema de justiça, tornando este mais ágil, acessível e eficaz, algo que hoje representa desigualdade de armas, morosidade e mais justiça processual que material.
Por outro lado, a nível de aspetos negativos, a associação aponta a falta de perspetiva de sustentabilidade. “Todo o documento é refém dos paradigmas convencionais da tecnocracia e do crescimento económico como vias para o desenvolvimento. Não há preocupação com o consumismo reinante, nem consciência aparente de que já ultrapassámos muitos limiares ambientais críticos. Em particular, as medidas de salvaguarda dos ecossistemas são pouco assertivas e revelam a carência de aprofundamento para se tornarem adequadas e eficazes, algo que o GEOTA tem vindo há anos a abordar junto dos decisores politicos e autoridades administrativas”.
Acrescenta ainda que ao nível das medidas, vê “reduzida atenção à questão chave da eficiência, em especial na gestão da água, energia e fluxos materiais, incluindo gestão de resíduos (cujo Plano Nacional tem sido alterado e adiado desde o PERSU II ao PERSU 2020+ num emaranhado de regulamentação e alterações que prejudicam a eficiência no setor) e matérias-primas. Retórica à parte, o documento subvaloriza grosseiramente esta problemática, assumindo, erradamente, que já se deram passos significativos neste sentido — quando estamos de facto quase na estaca zero face às metas e orientações pretendidas no contexto nacional, europeu e global, para 2023, 2030 e até 2050”.
Outra crítica do GEOTA é o facto de o documento prever “muitas medidas insustentáveis, entre velhas propostas «requentadas» e novas «varinhas mágicas». Exemplos: a aposta cega na construção de infra-estruturas (a velha receita falhada do desenvolvimento medido em betão), a aposta na nova indústria extractiva (um sector inerentemente insustentável), uma nova linha de alta velocidade Lisboa-Porto (quando há melhores soluções para cumprir o mesmo serviço, caso da otimização da linha existente), o aeroporto para a AML (certamente não prioritário no contexto presente e com alterativas susceptíveis de análise), a aposta cega na fileira do hidrogénio (com potencial, mas ainda em estado piloto e apostando elevados montantes num país com inúmeras carências e quando na área da eficiência energética está a solução mais prática e objetiva a considerar)”.
Por fim, o GEOTA atenta que o documento dá “insuficiente atenção à corrupção e ao controlo da despesa do Estado. A palavra «corrupção» não aparece uma só vez. Atirar dinheiro aos problemas não os resolve, resultando em soluções ineficientes e ambientalmente danosas, e no benefício indevido de sectores com ligações promíscuas ao poder político. Não é proposto uma medida quando o país carece de um plano estratégico anti-currupção)”. E que dá ainda “insuficiente atenção à sociedade civil. O documento foca-se apenas no papel do Estado e das empresas. «Sociedade civil» é uma expressão ausente. Os cidadãos são vistos como meros consumidores e administrados; não são respeitados ou envolvidos como os actores sociais fundamentais que devem ser”.