GEOTA: Barragens no Douro são um um “contributo para matar os rios em Portugal”

“Estarão as barragens a matar os rios em Portugal?” Este foi o ponto de partida para o GEOTA (Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente) e os restantes parceiros da Rede Douro Vivo terem desenvolvido, ao longo de dois anos, um estudo que tem como objetivo a caracterização atual da bacia hidrográfica do Douro, identificando as barragens presentes e os seus impactes.

A Ambiente Magazine.pt quis saber junto desta entidade quais as principais conclusões e impactes do estudo nos rios portugueses. Ricardo Próspero, coordenador técnico e científico no GEOTA, revela que, a partir dos estudos realizados na bacia do Douro, é possível afirmar que as “barragens são um fator potenciador de má qualidade da água, da quebra do ciclo natural do rio e do desaparecimento evolutivo das espécies nativas” daquela região, sendo assim um contributo para “matar os rios em Portugal”. Só no rio Douro, “cerca de 25% das 152 barreiras selecionadas pelas características representativas não têm qualquer propósito funcional ou estão obsoletas”, diz o investigador, alertando que a longo prazo “trará consequências drásticas e irreversíveis” em toda a região envolvente. Ricardo Próspero declara que “não somos contra a construção de todas as barragens” no entanto, “não apoiamos a construção deste tipo de estruturas quando não exista uma necessidade justificada e estudos que o comprovem”. E sobre alternativas mais sustentáveis, eficientes e com menor impacte ambiental, o responsável dá como exemplo a “energia solar ou eólica”, apostando, acima de tudo, na “eficiência energética”, na “retenção de água no solo” ou na “seleção de modos de produção, culturas e variedades vegetais mais adaptadas às condições ecológicas dos nossos territórios e clima”.

Embora ainda não seja possível traçar um cenário completo do estado das barragens do país, Ricardo Próspero diz que, através do levantamento realizado pelo Conselho Nacional da Água, sabe-se que “existem em Portugal mais de oito mil barreiras: um número bastante elevado e do qual não existe conhecimento acerca do seu estado atual”. E para que no futuro se possam tomar decisões mais consciente, o investigador considera imperativo “caracterizar de forma aprofundada a realidade em todo o país”, sendo que o estudo na bacia hidrográfica do Douro foi “o grande primeiro passo dado nesse sentido”.

Algo que é possível retirar deste estudo é que na região do Douro existem alguns dos “melhores habitats para peixes nativos e outras espécies ribeirinhas”, afirma o investigador, destacando que estas interrupções nos rios estão a ameaçar diretamente “várias espécies em vias de extinção, tais como o mexilhão-de-rio, a lampreia, o salmão ou a enguia” pelo que devem ser tomadas “medidas” que “protejam estes habitats”, que de alguma forma “resistem à perturbação humana e que fazem parte do nosso património nacional”. Os dados agora revelados demonstram ainda que, muitas das consequências já são visíveis, tais como o “comprometimento da qualidade da água”, o “desaparecimento de espécies silvestres” e ainda “a redução de areal das praias que deixaram de ser alimentadas pelos sedimentos que ficam retidos nas barragens”, potenciando “os fenómenos de erosão, agravados pela subida do nível do mar”, refere. Mas, é a longo prazo que tais consequências poderão colocar em risco o bem mais essencial do ser humano: a água.

Qual o papel da bacia hidrográfica do Douro na região? 

Ricardo Próspero não tem dúvidas quanto à importância da bacia hidrográfica na região: “É a maior da Península Ibérica e geomorfologicamente uma das mais biodiversas, sobretudo na margem norte do Douro”. Tais característica levam a crer que se torna ainda mais importante “proteger os rios dos impactes negativos que os ameaçam”, nomeadamente, aqueles que são causados pela “construção de barreiras desnecessárias, e que são imensos”. Por um lado, “a perda da biodiversidade” como é o caso do “lobo-ibérico”, por outro lado, “a erosão das praias e, consequentemente, a possibilidade de desaparecer a longo prazo”, alerta o responsável. 

Para combater estes problemas, o investigador acredita que devem ser definidas um “conjunto de medidas de preservação” que ao nível dos habitats e das espécies ameaçadas e com interesse para a conservação, passará pelo “restauro dos ecossistemas ribeirinhos”, ao remover de modo sistemático “barreiras obsoletas” e estabelecendo um “valor mínimo e máximo de cotas de água capaz de manter os níveis ecológicos da barragem”. E ao nível das praias, através da “promoção de fontes de energia renováveis alternativas, da eficiência energética e de modos de produção agrícola e de retenção de água nos solos que não impeçam o fluxo natural dos rios”, ao invés da construção de mais barreiras, refere.

“Criação de políticas que promovam um modelo de desenvolvimento sustentável”

Um dos objetivos da apresentação do estudo da Rede Douro Vivo é precisamente propor uma série de medidas ao Estado, como por exemplo, “a concretização de uma proposta de lei” que será apresentada em breve como “Iniciativa Legislativa de Cidadãos”. De acordo com o responsável, a proposta visa assim a “criação de um estatuto legal de proteção permanente e efetivo dos rios e ecossistemas ribeirinhos e da biodiversidade”, impedindo “a construção desnecessária de barragens e a recorrente desvalorização dos impactos originados nessa mesma prática”. Ricardo Próspero afirma que “estabelecer um novo enquadramento jurídico dos rios e troços aos quais não deve existir obstáculos à livre circulação da água”, é o objetivo de todos os envolventes no estudo. Para tal, o “papel dos representantes políticos” passará pela “criação de políticas que promovam um modelo de desenvolvimento sustentável”, que assegure não só a “viabilidade económica de futuros empreendimentos”, como a “integridade natural e ecológica dos rios e das suas espécies nativas”.

É notório que em Portugal observa-se um “grande desconhecimento acerca dos nossos rios”, nomeadamente sobre o “impacte cumulativo da existência de tantas barragens”, afirma o responsável, acreditando que este estudo tem um “papel essencial”, dando “início a um processo de levantamento real da situação”, ajudando a “capacitar os órgãos responsáveis a criar soluções face aos problemas encontrados e que tenham em conta uma visão conjunta do território”.