“Futuros apoios da PAC incapazes de travar despovoamento, destruição da economia rural e perda de biodiversidade”, alerta ZERO
No momento em que, a nível Europeu, se entra na última fase das discussões em torno do Política Agrícola Comum (PAC) para o período 2023-27, a ZERO (Associação Sistema Terrestre Sustentável) lembra, em comunicado, que se pronunciou recentemente sobre o Plano Estratégico para Portugal no âmbito da consulta pública que esteve em curso.
Neste contexto, e ainda que os diagnósticos apresentados possuam “insuficiências e omissões importantes”, é já um “dado adquirido” que a “utilização das verbas” da PAC provenientes da União Europeia (UE) e de investimento nacional, resultou num “enorme fracasso em matéria de desenvolvimento rural e ao nível do autoaprovisionamento em alguns produtos agroalimentares adequados às condições de solo e clima existentes em Portugal”, reclama a associação ambiental.
D acordo com dados recentes da Comissão Europeia, a ZERO considera ser claro que a aplicação dos apoios da PAC nas últimas décadas tem sido incapaz de:
- Resolver a crise demográfica do interior do país (o envelhecimento é superior nas áreas rurais; acentuada diminuição da capacidade de substituição de gerações em idade ativa; as áreas rurais constituem 79% do território português em 2016: 31% vivia em áreas rurais em 2019, uma redução de 3% desde 2015);
- Revitalizar as economias do interior rural (número de pessoas empregadas no setor agroflorestal tem caído todos os anos desde 2008; apenas 35% das microempresas estão situadas em zonas rurais, 51,9 % dos agricultores portugueses têm mais de 65 anos; no período entre 1999 e 2016 houve um decréscimo de 40% no número de agricultores, mais acentuado entre jovens agricultores (70%); em 2016 os jovens agricultores representavam 1,9% do total dos gestores de explorações agrícolas em Portugal, significativamente abaixo da média da UE, sendo que o acesso à terra é o principal obstáculo para à fixação de jovens agricultores, e é mais acentuado que no resto da UE; o número total de explorações agrícolas diminuiu de 324 000 para 259 000, no período entre 2005 e 2016 (uma queda de 20%);
- Combater a desertificação de forma sustentada (na década de 2000 – 2010 64% da área de Portugal Continental era suscetível à desertificação, um aumento em relação às décadas anteriores; o conteúdo de carbono orgânico nas terras aráveis é dos mais baixos da UE e está em decrescimento, 15,6g/kg de solo em 2015, uma diminuição em relação a 2009);
- Preservar a biodiversidade e os ecossistemas (o estado de conservação dos habitats agrícolas e florestais e das espécies dependentes das atividades agrícolas é largamente classificado como “desfavorável-inadequado”; a agricultura está no grupo das três maiores pressões e ameaças à conservação dos habitats e espécies protegidos pela Diretiva Habitats);
- Contribuir positivamente para a mitigação e adaptação às alterações climáticas e preservar os recursos hídricos (entre 2013 e 2018 as emissões de GEE originadas pela agricultura, excetuando o CO2, aumentaram mais do dobro da média da UE, com as emissões de amónia a aumentarem desde 2013, com os contributos mais acentuados da pecuária e do uso de fertilizantes azotados; entre 2013-2018 aumentaram as emissões provenientes da fermentação entérica (8,2%) e da gestão de estrumes (6,7%), valores bem acima da média da UE;
- Apoiar uma política florestal que gere rendimento adequado aos proprietários rurais e previna os fogos rurais (a capacidade de sequestro de carbono da floresta portuguesa tem diminuído drasticamente desde 2008, ainda não está implementada uma política de apoio à gestão colaborativa no minifúndio e o pagamento de serviços de ecossistemas).
Para além deste cenário “nada animador”, a ZERO recorre novamente aos dados da Comissão Europeia, para dizer que acrescem outros factos relevantes, como Portugal estar entre os países da UE com “menor eficiência no uso de fertilizantes”; de “existirem fragilidades nos sistemas de controlo da Proteção Integrada (por exemplo, uso de pesticidas em áreas protegidas e cursos de água)”; de “39% da superfície agrícola utilizável ser gerida de forma intensiva, acima da média da UE (36,3%)”; de “continuar a aumentar a área irrigada (era de 15,1% da SAU em 2016, um aumento desde 2010 (14,7%)”, sendo o “sétimo país da UE com a maior fração de área irrigada)”.
Acresce ainda que a “Produção Integrada em Portugal infelizmente não constitui um conjunto de práticas diferenciadoras do que é a agricultura convencional, as exigências do modo de produção foram diluídas face ao que são os seus princípios, o que na prática não assegura uma transição para uma agricultura sustentável”, refere a ZERO. Um outro dado é que “20% dos beneficiários dos pagamentos diretos receberam 85% dos apoios em 2018, o que demonstra uma profunda desigualdade no acesso aos apoios por parte da agricultura familiar e dos pequenos e médios agricultores nas áreas de minifúndio (metade norte e centro do país)”.
Neste contexto, a ZERO considera que é necessário focar a política agrícola e de desenvolvimento rural na resolução dos problemas de fundo que afetam os territórios rurais, preparando-nos para o futuro que já se manifesta no presente. Para que isso seja possível é necessária uma Transição Ecológica Justa do sistema agroalimentar com base na Agroecologia[ii], resultando numa cadeia alimentar e modelos de desenvolvimento rural caracterizados por:
- Estruturas de governança, de investigação, conhecimento e tecnologia assentes em núcleos locais ligados em rede que colocam as comunidades rurais nos centros de decisão;
- Cadeias curtas agroalimentares e economia circular, adaptadas ao contexto local, concretizando a aproximação entre agricultores e comunidades locais através da organização cooperativa (AMAP e CSA[iii]), a soberania alimentar e a adoção generalizada de soluções de compostagem;
- Um ordenamento adequado do espaço rural e uma gestão efetiva à escala da paisagem, por forma a democratizar o acesso à terra, organizar o minifúndio de forma colaborativa, reverter os padrões de degradação ambiental, nomeadamente a perda de biodiversidade, a desertificação e a suscetibilidade a incêndios, garantindo a gestão sustentável dos recursos naturais, em particular do solo e da água;
- Sistemas agrícolas, florestais, silvopastoris e agroflorestais diversificados e de alto desempenho ambiental, capazes de responder positivamente aos desafios climáticos e às exigências da sociedade, sendo os agricultores e proprietários florestais remunerados adequadamente pelo seu papel ativo na potenciação dos serviços dos ecossistemas;
- Uma monitorização contínua e transparente das metas ambientais e de desenvolvimento, assegurando o acesso público e gratuito a informação georreferenciada e o cruzamento de dados relativos à aplicação de apoios públicos, bem como uma fiscalização eficaz e consequente.
A ZERO considera indispensável contrariar algumas das tendências atuais geradas pelas políticas agrícolas e de desenvolvimento rural. Para se assegurar o rumo certo é necessário:
- Não continuar a expansão da área de regadio, o que irá previsivelmente criar novas necessidades e pressões acrescidas sobre a quantidade e qualidade da água;
- Não apoiar a intensificação pecuária e assegurar uma densidade de animais em regime extensivo que seja compatível com a regeneração dos solos. A pecuária tem a maior contribuição para as emissões de GEE pela agricultura nacional e é imperativo proteger o bem-estar animal. Neste âmbito é necessária a promoção de dietas saudáveis e ecológica e culturalmente adequadas;
- Reforçar o apoio técnico e financeiro aos agricultores para a conversão para a agricultura biológica e outros modos de produção agroecológicos, quando este é o modo de produção regulamentado que tem mais garantias de sustentabilidade;
- Ter eficácia na proteção da biodiversidade e dos ecossistemas uma vez que, dentro e fora das áreas da rede Natura 2000, verificamos uma grave degradação dos habitats e das espécies com estatuto de proteção;
- É preciso assegurar o uso sustentável dos recursos e o ordenamento correto dos espaços rurais, contrariando a artificialização em grande escala dos solos e das linhas e cursos de água, nomeadamente através de monoculturas em regime intensivo nas zonas de regadio, mesmo onde o ordenamento não o permite. É importante travar as estratégias desastrosas para a produção de energia, nomeadamente a produção vegetal para a biomassa e biocombustíveis e a instalação em grande escala de painéis fotovoltaicos em espaços rurais, sem que sejam priorizadas alternativas mais próximas dos locais de consumo.
- Fiscalizar efetivamente as práticas agrícolas, do uso sistemático e profilático de pesticidas e antimicrobianos às más práticas de instalação e gestão dos sistemas agrícolas. Existe uma grande lacuna entre os princípios associados aos modos de produção e proteção agrícola, a regulamentação, os códigos de boas práticas e as práticas efetivas, nomeadamente na Proteção Integrada, no modo de Produção Integrada e no respeito pelas linhas de água e condicionantes naturais abrangidas pela Reserva Ecológica Nacional e outras figuras de ordenamento;
- Investir adequadamente na investigação e inovação, reorientando o desenvolvimento tecnológico para estar em consonância com o que são os recursos e as necessidades das comunidades rurais, num quadro de sustentabilidade, ao invés de incentivar soluções que implicam o aumento do uso de energia e emissões de GEE pela agricultura e da dependência de inputs externos como pesticidas e fertilizantes de síntese;
- Colocar as comunidades rurais no centro de decisão do modelo de desenvolvimento, evitando os desajustes de medidas excessivamente prescritivas que não tomam em conta as necessidades e recursos locais. As medidas da política de desenvolvimento devem incidir em estruturas de empoderamento das comunidades locais;
- Contrariar a financeirização da agricultura e a consolidação de oligopólios e olipsónios, que tem criado as condições para o desaparecimento dos agricultores, precarização laboral e a concentração da riqueza no setor agroalimentar.