O FRISCO – Gestão dos riscos de contaminação da qualidade de água induzidos pelo fogo – foi apresentado no webinar “Vulnerabilidade do recurso água em eventos extremos”, promovido pela APDA (Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas)através da sua Comissão Especializada de Qualidade da Água (CEQA).
Financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e liderado pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), o projeto começou há um ano e tem como objetivo fornecer aos gestores nacionais da água e floresta informação baseada em ciência e em tempo útil sobre o risco de contaminação para as massas de água a jusante de fogos rurais e sobre metodologias para minimizar o risco e mitigar as consequências. Quem o diz é João Pedro Nunes, investigador da FCUL, dando nota que “uma parte importante” dos recursos hídricos é “captada em bacias hidrográficas florestais” que estão sujeitas a fogos recorrentes que podem “potenciar a mobilização de cinzas e sedimentos, contaminando os recursos hídricos a jusante”. Assim, é objetivo do projeto “tentar quantificar o risco e avaliar possíveis medidas de mitigação” para, depois, auxiliar os “gestores da água nas suas intervenções”, acrescenta.
Para além de “perturbar a vegetação” e “alteram os solos”, os fogos produzem uma “camada de cinzas” que é “altamente móvel” e, em “situações de precipitação intensa”, “muito facilmente” mobilizadas: “Os solos estão mais expostos, as áreas ardidas estão mais ligadas às massas de água e que podem levar a situações de contaminação, nomeadamente através de um aumento da turbidez”. Além disso, as cinzas são também fáceis de “ficar suspensas na água”, bem como os “elementos tóxicos” como “metais” e “materiais orgânicos” e, também, a “profetização” induzida pelos nutrientes que as cinzas contêm. E este período acontece durante uma “janela de perturbação” e, por isso, “as massas de água a jusante estão vulneráveis” a estes processos “durante pelo menos dois anos”. Já a “recuperação normal de vegetação” será de cinco a seis anos: “É um problema que pode não acontecer no ano a seguir aos fogos mas pode acontecer logo a seguir”, alerta.
[blockquote style=”2″]Olhar para as características e efeitos dos fogos e para os processos hidrológicos[/blockquote]
O investigador chamou a atenção para o facto de se tratar de uma análise que não é linear: “As diferentes massas de água e os diferentes alvos desta contaminação por fogos florestais têm sensibilidades diferentes”, havendo “linhas de água” que serão mais “sensíveis” a “picos de concentração elevada” porque “não conseguem diluir toda a carga de cinzas”, enquanto que “uma albufeira pode ser mais sensível a cinzas” que se “depositem no fundo” e que “tenham uma libertação prolongada no tempo”, produzindo um “problema crónico”. Depois, as “diferentes infraestruturas de abastecimento” têm diferentes sensibilidades, “diferentes capacidades de tratamento e resiliência”. A situação complica-se quando são ecossistemas aquáticos, refere.
Relativamente ao esquema do projeto, é objetivo dos investigadores “olhar para as características” e “efeitos dos fogos” e para os “processos hidrológicos” que acontecem nas áreas ardidas. Para avaliar os riscos, a avaliação é estruturada em vários pontos, permitindo, por exemplo, a “caracterização da geração de contaminantes”, isto é “onde é mais provável ocorrerem os fogos, com que severidade e perceber como é que eles são mobilizados e transportados até às linhas de água”. Ao mesmo tempo, é também possível relacionar “estes processos” e “estas características do fogo”, devolvendo dados como a “percentagem da bacia hidrográfica que ardeu, com que severidade e em que locais”, sendo depois levado à “lista das opções de mitigação”.
O FRISCO é também o “resultado direto” dos incêndios de Pedrógão Grande em 2017 e os “efeitos observados na qualidade da água”. Estes fogos conduziram a “um workshop com vários investigadores” para se discutir a estrutura de análise de risco, onde foram também convidados gestores da água: “O documento publicado (resultado deste encontro) apresenta recomendações para os gestores de forma a ajudá-los a informar sobre os projetos do Horizonte 2020 e a tentar integrar a temática da qualidade da água”, refere.
[blockquote style=”2″]Será construído um “modelo combinado de fogos[/blockquote]
Já sobre a abordagem, João Pedro Nunes refere que esta se centrou em “olhar para os pontos” onde se pode analisar o risco, permitindo “mapear a severidade dos incêndios, os caminhos de exportação de contaminantes e tentar ligar através da análise de dados os fogos à contaminação da água”. Com isto, o objetivo dos investigadores é “construir um índice de risco de contaminação para os incêndios florestais” que se possa “traduzir numa ferramenta operacional” e que “diga a cada gestor de massa de água”, após “determinado fogo, se a sua massa de água ou captação está em risco ou não” e, ao mesmo tempo, um “manual de medidas de mitigação de risco” que apresente várias “opções, custos e benefícios”.
Neste momento, o investigador refere que a equipa está a fazer a parte científica, isto é, o “desenvolvimento das ferramentas” que vão “alimentar” o resto do trabalho e a “mapear a severidade” de incêndio a partir de satélite: “Queríamos ver até este verão até que ponto estes índices de satélite correspondem ao terreno”. Para mapear o caminho de transportes de cinzas, baseia-se numa “análise telegráfica cruzada” com o “mapa de severidade” dos fogos que diz “quais é que são os caminhos mais prováveis para transportes de sedimentos e cinzas”.
João Pedro Nunes destaca que, nos próximos três anos, o FRISCO vai contar com uma “base de dados geográfica de 2001 a 2020” dos “efeitos dos fogos na contaminação da água”, usando esses dados para “fazer uma análise estatística para um índice de risco” que permita “alimentar uma ferramenta operacional” de cálculo rápido e que esteja “disponível online para os gestores”. Além disso, será construído um “modelo combinado de fogos” que permitirá “fazer um teste virtual de medidas de gestão das águas florestais e dos seus impactos na produção de cinzas”. Comparando com as “opções de tratamento de água”, vai ser possível, “alimentar um manual de medidas de mitigação de risco” onde será possível “ter uma análise comparativa de custo eficácia de medidas que podemos fazer numa bacia hidrográfica antes do fogo” com “medidas de emergência depois do fogo” e com “medidas de fim de linha que possam ser feitas numa estação de tratamento de água”.