FCUL: Morcegos que consomem pragas agrícolas podem ajudar a salvar florestas tropicais
Um novo estudo liderado por investigadores do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa demonstra que várias espécies de morcegos estão a providenciar um serviço vital de controle de pragas aos produtores de arroz de Madagáscar, ao banquetearem-se com as pragas de insetos nefastos para a agricultura deste país. Trata-se da primeira evidência de controlo de pragas por morcegos em Madagáscar e, de acordo com os investigadores, irá permitir aliviar a atual pressão financeira que existe sobre os agricultores para converterem florestas em terrenos agrícolas.
Madagáscar é um dos países do mundo onde a relação entre a agricultura e a conservação é mais tensa. Segundo a nota enviada pela FCUL, as florestas de Madagáscar estão a ser convertidas em terrenos agrícolas a uma taxa de 1% por ano, e grande parte desta destruição é motivada pelo cultivo do arroz, a principal cultura agrícola do país.
Isto acontece, em parte, porque as pragas de insetos estão a destruir grandes quantidades deste cereal, o que leva os agricultores de subsistência a destruir ainda mais florestas para criar novos arrozais, causando uma perda devastadora de habitats e biodiversidade na ilha. Mas nem todas as espécies estão a ser prejudicadas – os morcegos são importantes predadores de insetos, e na verdade algumas espécies de morcegos insetívoros estão a prosperar na ilha, com importantes implicações para agricultores e biólogos da conservação.
“Verificámos que algumas espécies estão a tirar partido da modificação do habitat para caçarem os insetos que se aglomeram sobre os arrozais do país. Várias destas espécies são aves e morcegos insetívoros que, através da supressão de pragas agrícolas, podem fornecer um valioso serviço às populações locais”, explica Adrià López-Baucells, co-autor deste artigo, estudante de doutoramento no Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL).
Para este estudo, publicado na revista científica Agriculture, Ecosystems and Environment, os investigadores utilizaram gravadores ultrassónicos de última geração e técnicas moleculares para analisar a alimentação de morcegos insetívoros nas paisagens agrícolas de Madagáscar, e registaram os ultrassons produzidos pelos morcegos para localizar as suas presas. De seguida, os investigadores aplicaram análises genéticas para analisas amostras fecais de morcegos de várias espécies capturados em arrozais e florestas próximas.
Os resultados demonstraram que as seis espécies de morcegos analisadas se alimentam de pragas de insetos com grande impacto económico: não só pragas que afetam a plantação de arroz como também outras culturas, como macadâmia, cana-de-açúcar e citrinos.
“A eficácia dos morcegos no controle de pragas já foi comprovada nos Estados Unidos e na Catalunha”, explica James Kemp, primeiro autor do artigo e estudante de doutoramento no cE3c-FCUL. “O nosso estudo é o primeiro a demonstrar este resultado em Madagáscar, onde há muito em jogo para os agricultores e para os biólogos da conservação”, acrescenta o investigador.
Os morcegos correspondem a cerca de um quinto de todas as espécies de mamíferos em Madagáscar, e existem trinta e seis espécies de morcegos que só podem ser encontrados nesta ilha. Este facto torna Madagáscar uma das regiões mais importantes do mundo para a conservação deste grupo de animais, que, no entanto, têm uma má reputação no país: para além de serem vistos como um incómodo, por se empoleirarem nos prédios, são também frequentemente associados à disseminação de doenças.
No entanto, a população local pode ter mais um motivo para mudar a sua percepção deste grupo de animais, uma vez que os investigadores encontraram evidências de que os morcegos em Madagáscar não só se alimentam de pragas agrícolas como também de mosquitos – vetores de malária, elefantíase e de outras doenças infecciosas.