A falta de planeamento e gestão na bacia do rio Tejo, entre Portugal e Espanha, é justificada por razões “diplomáticas” e não por questões técnicas: “O recurso é limitado e, felizmente, Portugal e Espanha são realmente países amigos e a ideia (que passa) é que os decisores políticos tentam a todo o custo evitar qualquer tipo de confrontação”. Mas trata-se de confrontações técnicas, como seja, “solicitar ou garantir” que Espanha solte das suas albufeiras os caudais ecológicos: “Nunca se chegou a um acordo mais próximo do que deveriam ser esses caudais e a falta de vontade política é a grande causadora”.
Em entrevista à Ambiente Magazine, Afonso do Ó, especialista em água e clima da ANP|WWF, admite que Portugal, estando a jusante da bacia do rio Tejo, é o mais penalizado: “No final do verão, em 2019, dois afluentes junto à fronteira do Tejo ficaram completamente secos”. Esta é umas das “consequências” da planificação pouco articulada entres os dois países: “Espanha tem de soltar x hectométricos cúbicos durante aquele trimestre, mas se, para a produção hidrelétrica, der jeito soltar todos de uma vez, fazem-no e (Portugal), no restante tempo, fica sem nada”, exemplifica.
Neste cenário, tanto a ANP|WWF e a WWF Espanha procuram alertar para a necessidade de se ir mais além na “amizade” entre os países irmãos que, não só dependem do mesmo recurso – água- , como também, em situações de seca, a mesma ocorre de um lado e do outro da fronteira. Por isso, as associações defendem o “estabelecimento” dos caudais ecológicos “que sejam mínimos, mas também permanentes, e que assegurem o mínimo de vida e dos serviços que o rio presta às comunidades lá e cá”. Outro alerta é que seja “sempre garantido, mais ainda em períodos de seca, a oferta e a procura”, ou seja, olhar sempre para os “dois lados da moeda”: “Não podemos permitir que a procura continue a aumentar nos diversos setores, porque ela não vai dar para tudo”. E os primeiros a serem prejudicados nesta equação serão os agricultores: “Se utilizarmos o regadio até ao infinito, vamos ter sempre este problema”, atenta.
Numa altura em que se inicia um novo ciclo de Planos de Bacia, que devem garantir que todas as águas europeias atinjam um bom estado até 2027, o especialista lamenta o facto de Portugal já estar a desperdiçar uma oportunidade “de se articular o plano de bacia que cada país tem para a sua parte da bacia, mas que já está dessincronizado”. Isto significa que, enquanto Espanha já acabou a consulta pública dos planos da bacia do Douro, Tejo e Guadiana, Portugal ainda está a iniciar: “Não temos documentos disponíveis para consulta”. Ainda assim, o facto de ambos os países estarem dentro da União Europeia é uma vantagem, pois tem dado avanços significativos na direção ao Acordo Verde Europeu e que integra a Estratégia de Biodiversidade para 2030: “Há um contexto político comum aos dois países, com muitas oportunidades para, por exemplo, remover barreiras obsoletas, restaurar o troço de rios, entre outros”.
No âmbito da Convenção de Albufeira que foi assinada para melhor gerir estas águas partilhadas, o especialista deixa uma crítica à atuação de ambos os Governos: “É a falta de coragem dos dois lados em se sentar à mesma mesa e darem um avanço significativo em direção ao Acordo Verde Europeu”. E isso implica a “definição de caudais ecológicos reais para toda a bacia e comunicar mais frequentemente: falta um secretariado técnico a discutir diariamente”, remata.