Portugal tem o pior desempenho na Gestão de Resíduos e Conservação da Natureza, ocupando a 27.ª e 25.ª posições, respetivamente, no Índice de Transição Verde (Green Transition Index). Este Índice realizado pela Oliver Wyman demonstra que o nosso país em matéria de Conservação da Natureza está muito aquém do que era esperado. A Ambiente Magazine quis saber, junto da FAPAS – Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade, qual o verdadeiro impacto desta fraca performance do país nesta área.
Apesar de “não dar muita valorização a este tipo de índices”, Nuno Gomes Oliveira, presidente da FAPAS, considera que a fraca posição de Portugal deve-se, essencialmente a “razões culturais”, com o país, nas últimas décadas, particularmente depois dos anos 80 do século anterior, a “não dar importância quase nenhuma, à Conservação da Natureza”. Por exemplo, “o quase abandono das áreas protegidas, e a não criação de novos parques e reservas, foram uma das causas da má pontuação”, aponta.
No que toca aos impactos deste fraco empenho, o biólogo destaca, desde logo, a “perda da biodiversidade e de habitats naturais únicos”. Por exemplo, “uma espécie até há pouco tão comum como o vulgar pardal-dos-telhados, em breve estará extinta devido à continuação do uso de herbicidas, ao fim da pequena agricultura em torno das localidades e às modernas técnicas de construção, que não lhe deixam locais para nidificação; e o pardal é importantíssimo para o controlo de algumas espécies de insetos prejudiciais à saúde humana e às culturas”, aponta. Aliás, devido aos “agroquímicos” já quase não há insetos: “Há umas décadas, quando se ia de carro do Porto ao Algarve, tinha que se parar algumas vezes para limpar o para brisas dos insetos que com ele colidiam, hoje podemos fazer a viagem seguida, com o vidro limpinho”, atenta. Outro impacto desta fraca performance do país na Conservação da Natureza assenta, também, na “desvalorização de um segmento do turismo em rápido crescimento em todo o Mundo, o turismo de natureza”, resultando em “perdas de receita externas: um turista nórdico vem a Portugal para observar as aves da Reserva Natural do Estuário do Douro, mas não virá para ver o aeroporto do Montijo”.
“Um país desertificado, quer de vegetação, quer de fauna”
Como ações urgentes, o presidente da FAPAS defende que se deva “anular a transferência de competências na área da Conservação da Natureza para as CCDRs”, bem como “acabar com a estapafúrdia lei da cogestão da áreas protegidas”. Apesar de reconhecer o papel preponderante do ICNF, Nuno Gomes Oliveira considera que o “F” deveria ser retirado, voltando a separar a Conservação da Natureza das florestas de produção e dos animais domésticos: “As florestas de produção devem voltar aos Serviços Florestais e os animais de companhia à Direção Geral de Veterinária e Alimentação, de onde nunca deviam ter saído, e só saíram por razões políticas”. A isto soma-se ainda a necessidade de se criar um “verdadeiro corpo de vigilantes da natureza e outro de guardas florestais”, estando fora da GNR, e “aumentar muito o seu número e distribuição territorial”, defende.
Se tudo se mantiver como está e se não forem tomadas ações, o presidente da FAPAS não tem dúvidas de que Portugal vai ser “um país desertificado, quer de vegetação, quer de fauna”, apenas com “eucaliptais e milhares de hectares de parques fotovoltaicos e minas”. Já o Interior ficará, ainda mais, “despovoado” e, logo, sem “atividade agrícola, que perde interesse paisagístico, etnográfico e económico”.
Sobre se Portugal vai a tempo de melhorar esta realidade, o biólogo é defensor da premissa “mais vale tarde do que nunca” e, por isso, “chega-se mais tarde, chega-se com muita coisa definitivamente perdida, mas chega-se”. O problema é, mesmo, a “falta de preparação cívica, cultural e política dos nossos dirigentes que, aos pouco, vão tendo de prestar contas à justiça, valendo-lhe o facto de esta ser lenta, e com poucos meios”, lamenta.
Os próximos 10 anos são vistos como muito pessimismo. Nuno Gomes Oliveira acredita que as alterações climáticas vão causar ainda “mais problemas” com implicações acrescidas, como por exemplo, “maiores consumos e custos energéticos”. Nestas previsões, o presidente da FAPAS considera ainda que haverão “falhanços nos processo da transição energética”, bem como “muito dinheiro gasto na conservação de espécies emblemáticas, como o lince-ibérico e a águia-imperial, para impressionar a Europa” e a “perda acelerada das comunidades das pequenas aves e das plantas autóctones”. Em matéria de eventos extremos, o biólogo alerta para situações como o “galgamento oceânico em muitos pontos da costa arenosa”, com “obrigatoriedade de recuo de habitações e outras instalações”, a “extinção do salmão, da lampreia e do sável nos rios”, bem como a “escassez de bacalhau e da sardinha no mar” e, ainda, “perda das frutas e legumes tradicionais”. O “aumento do número de pragas exóticas, como o recente mosquito do dengue e o coronavírus”, são outros exemplos de problemas que, no entender do responsável, irão aumentar nos próximos 10 anos.