Na União Europeia, a indústria florestal gera um valor acrescentado bruto na ordem dos 138 mil milhões de euros. A silvicultura, a exploração e a indústria florestal são responsáveis pelo emprego direto de mais de 2,5 milhões de pessoas em toda a Europa. Em Portugal, a indústria de base florestal gera um volume de negócio na ordem dos 9 mil milhões de euros. Os dados que dizem respeito a 2018 são do Eurostat e foram referidos por Teresa Silveira, jornalista e moderadora do debate “Valor Económico como pilar da proteção da Floresta”, promovido no 12.º Fórum de Sustentabilidade. A iniciativa, que se realiza desde 2015, é promovida pela The Navigator Company. Este ano, Torres Vedras foi o palco do evento.
Quando se fala em floresta, implica também falar de gestão florestal dirigida para objetivos que podem ser diversos: “Para termos uma floresta, há de facto uma intervenção (gestão) sobre esses povoamentos e, se essa gestão tiver como objetivo alcançar determinado tipo de valores ambientais e económicos, está compatibilizado na sua essência”. Quem o diz é Francisco Gomes da Silva, diretor geral da CELPA (Associação da Indústria Papeleira), que avalia os “problemas florestais” como “problemas económicos”, tal como a maioria dos que existem. Mas, debruçando-se da Nova Estratégia Europa para as Florestas, o responsável alerta para a sua perigosidade: “É fácil estar de acordo com o que lá diz – “coisas positivas” -, mas o que é problemático (na estratégia) é que ignora a floresta à qual irá ser aplicada (teoricamente)”. Apesar de ser “desconhecida” a posição do Governo português relativa à estratégia, o diretor-geral da CELPA indica que a mesma aponta metas para as florestas ditas de conservação que não se sabe por que motivo são aquelas: “Ignora-se, por completo, qual o caminho que deve ser seguido pela floresta que temos”. Outro problema é que a estratégia faz “tábua rasa” do trabalho feito ao longo de muitos anos por todos governos europeus, onde é possível constatar que quando há uma visão de longo-prazo os resultados são positivos: “A floresta, nos últimos 30 anos, cresceu em todos os sentidos, inclusive na extração da madeira”. Por isso, “é possível termos uma floresta de produção e plantá-la com o objetivo de a cortar de forma bem gerida sem, com isso, pôr em perigo todos os restantes valores que são caros a qualquer sociedade evoluída e interessada no equilíbrio das coisas”. Nestas matérias, a estratégia é “completamente desequilibrada”, faltando-lhe “pegar na realidade que temos e perceber como queremos que ela vá evoluir”, afirma. Na prática, além da “estratégia não se aplicar”, Francisco Gomes da Silva diz ainda que se a mesma fosse aplicada não só prejudicaria as indústrias, como também a possibilidade de se ter uma economia de base circular minimamente sustentável: “É nos materiais florestais (senso lato) onde conseguimos ter uma base de matéria-prima que nos consegue fazer a substituição dos produtos de origem fóssil. Seria mau para a sociedade europeia”, sucinta.
[blockquote style=”2″]Assumir a questão florestal como prioridade de desígnio nacional[/blockquote]
Por seu turno, Carlos Lobo, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e sócio da sociedade de advogados Lobo, Vasques & Associados, avalia a floresta nacional como sendo um “problema de conjugação de falhas de mercado com falhas administrativas histórias: a política de florestas não está sequer contemplada nos instrumentos legislativos básicos da administração do território”. E isto significa que, “se passamos a legislação central do ordenamento territorial em Portugal, verificamos que há uma total ausência da vertente florestal”, afirma. Outra questão tem que ver com o “valor económico”, quando se fala em sustentabilidade, e na necessidade de passar para uma política pública de “criação de valor”. Desta forma, quando se fala de sustentabilidade nas floresta há, desde logo, um problema: “Toda a política pública é assente numa ótica de caixa e a criação de valor é uma ótica de criação de capital”, Em suma, “A criação de capital na vertente orçamental vale zero e quando tenho um modelo em que a destruição de valor é totalmente ausente do conceito de finança pública, é totalmente irrelevante qualquer modelo de política florestal que tenha, porque não há esse interesse nem essa motivação”. Outro problema tem que ver com a política de “longo-prazo”, quando o assunto é a floresta: “Todo o modelo de política pública é uma política de curto-prazo que tem que ver com ciclo eleitoral democrático”. Logo, “não é possível ter uma política de 30 a 50 anos no modelo que existe hoje”, refere, destacando que “quem vai recolher os louros é a próxima geração, aquela que ainda nem vota”. Tratando-se de “problemas dos modelos demográficos de base”, Carlos Lobo reitera pela importância de se ter uma “proteção quase constitucional supralegal” que permita ter “opções corretas” na perspetiva do longo e muito longo prazo.
Passando para as “falhas de política pública”, o docente destaca, entre várias, a questão do planeamento: “Temos planos a mais e falta um bom plano; temos o conceito do plano como cristalização das questões passadas e não nunca com uma visão prognóstica do futuro e, quando o temos, não o conseguimos adaptar à mudança”. Isto tem que ver com o “excesso de burocracia”, onde “somos incapazes de adaptar um plano às circunstâncias concretas”, afinca.
Como notas conclusivas, o docente atenta na importância de existir mais “educação e cultura”, reforçando a necessidade de se “exorcizar” o modelo atual: “Temos de ultrapassar a esquizofrenia que existe entre a produção industrial florestal, que é crítica para a sustentabilidade do centro do país”. Aliás, em causa está a “liquidação enquanto país”, caso não se saiba aproveitar as oportunidades para criar valor: “Temos de assumir a questão florestal como prioridade de desígnio nacional: é a única forma de termos competitividade em cerca 50% do nosso território”.
[blockquote style=”2″]Excesso de mania, regras, normas e planos[/blockquote]
Por outro lado, numa perspetiva mais institucional, Margarida Tomé, professora Catedrática do ISA (Instituto Superior de Agronomia), começa por dizer que o valor económico da floresta tem que ver com a “gestão” que é feita a um nível mais alargado: “Até os políticos fazem gestão florestal e tudo aquilo que o produtor florestal faz depende dos incentivos e leis que foram feitas pelos Governos”. Esta situação torna o problema ainda mais complexo, nomeadamente com os fogos: “Quando se diz que aquela floresta que não é gerida, temos primeiro que compreender e tentar procurar as soluções”. E uma delas passa, desde logo, pelo desenvolvimento rural: “Não vamos voltar ao mundo rural, mas temos que criar soluções para que as pessoas possam ter atividade rentáveis”. Por isso, “temos de mudar a nossa atitude se queremos resolver os problemas das zonas rurais”, afirma.
Ao nível institucional, a docente assegura que o foco das faculdades tem sido “procurar dar resposta às questões que preocupam” os empresários florestais, não só em termos de “investigação”, mas também através da “implementação de várias ações”. Ao nível do interesse por parte desses mesmos “stakeholders“, Margarida Tomé afirma que as pessoas que trabalham no setor estão “ávidas” de receber informação: “Há bastante contacto e não vejo que haja algum problema por parte dos profissionais do setor em tentar utilizar aquilo que ensinamos”. A verdade é que os problemas de gestão não são falta de conhecimento, mas socioeconómicos: “Têm que ver com a estrutura da propriedade, abandono rural, dificuldade em implementar gestão, entre outros”. E um dos problemas do país tem que ver com o excesso de “mania, regras, normas e planos: não existe uma boa gestão florestal e a dificuldade está em implantar no terreno o conhecimento”, determina.
Um estudo feito na Região Oeste – Torres Vedras e Rio Maior – que envolveu proprietários florestais de eucalipto, mostra, contrariamente ao que era esperado, que floresta não está abandonada: “Os proprietários desenvolvem práticas na sua floresta, inclusive limpeza do mato, mesmo tratando-se de uma ocorrência de incêndio baixa”, diz Pedro Reis, Investigador do INIAV (Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária). Outro aspeto tem que ver com a “ligação e preocupação com o ativo”, onde o estudo demonstra que há visitação por parte das pessoas aos povoamentos eucaliptal: “As pessoas não são alheias àquilo que têm”. Por fim, o estudo evidencia ainda a prática por parte dos próprios florestais de se “aconselharem com agentes diferentes”, ou seja, “há diversidade de agentes que entram na tomada de decisão”, remata.