A Europa transforma diariamente 10 mil toneladas de trigo – o equivalente a 15 milhões de pães – em etanol para utilização em automóveis a gasolina. Esta é a conclusão de um novo estudo da Federação Europeia dos Transportes e Ambiente (T&E), da qual a ZERO faz parte. A Transport & Environment, citada num comunicado divulgado pela ZERO, apela a uma “suspensão na queima de culturas alimentares como o trigo em biocombustíveis” e rotulou como “imoral” a pressão do lobby dos biocombustíveis para o aumento da produção de biocombustíveis numa época de aguda escassez alimentar global.
“Todos os anos queimamos nos nossos carros milhões de toneladas de trigo e outras culturas para alimentar os nossos automóveis. Isto é inaceitável face a uma crise alimentar global. Os governos têm de parar urgentemente a queima de culturas alimentares nos automóveis para reduzir a pressão sobre os fornecimentos críticos”, alerta Maik Marahrens da T&E.
De acordo com o estudo, a remoção do trigo dos biocombustíveis europeus compensaria em mais de 20% o fornecimento de trigo ucraniano em colapso para o mercado global. Em países como o Egipto, que importa mais de 60% do seu trigo, principalmente da Rússia e da Ucrânia, estes abastecimentos adicionais ao mercado resultariam na poupança de vidas.
Esta quinta-feira, 24 de março, um grupo de Organizações Não Governamentais (ONG) europeias apelou aos governos dos vários Estados-Membros para que “suspendessem imediatamente a utilização de culturas alimentares” para produção de biocombustíveis. “Assegurar o fornecimento estável de energia às pessoas e à economia não deve ser feito à custa da segurança alimentar ou levar à inflação do preço dos alimentos numa espiral fora de controlo”, apelaram as ONG, de acordo com o comunicado da ZERO.
Segundo a associação ambientalista de Portugal, existem apelos crescentes, particularmente entre o lobby europeu dos biocombustíveis (ePure e European Biodiesel Board), para que o “petróleo russo seja substituído por biocombustíveis produzidos a partir de culturas como trigo, milho, cevada, girassol, colza e outros óleos vegetais”. Isto apesar da subida dos preços dos alimentos na sequência da invasão de Putin na Ucrânia, que dizimou o celeiro da Europa. “A Ucrânia e a Rússia fornecem em conjunto cerca de um quarto do trigo e da cevada comercializados globalmente, 15% do milho e mais de 60% do óleo de girassol”, refere a ZERO.
Mesmo que a Europa duplicasse a área de terras agrícolas que dedica aos biocombustíveis – equivalente a pelo menos 10% das terras agrícolas da UE (União Europeia) para culturas – isto substituiria apenas 7% das importações de petróleo da UE da Rússia. “Para substituir todas as importações russas de petróleo por biocombustíveis produzidos internamente, seriam necessários utilizar pelo menos dois terços das terras agrícolas do bloco europeu para a produção de culturas para biocombustíveis”, lê-se no comunicado. Em Portugal, em 2021, lê-se no comunicado da ZERO, cerca de “27% do biodiesel produzido no país resultou da utilização de culturas alimentares, principalmente Colza, Soja e Óleo de palma, e no caso do biocombustível para incorporar na gasolina, que é importado, 91% foi produzido a partir de milho”.
“A indústria dos biocombustíveis está a intensificar os seus esforços de lobby para pressionar a utilização de mais cereais como o trigo e o milho na produção de biocombustíveis como forma de substituir o petróleo russo”, alerta Francisco Ferreira, Presidente da ZERO, acrescentando que “ao fazê-lo, de forma cínica está a tirar partido das preocupações das pessoas relativamente ao preço dos combustíveis, colocando o lucro acima da segurança alimentar. Isto é algo imoral, num cenário em que se assiste a milhões de pessoas em todo o mundo que não podem sequer pagar um pão”.
Em conjunto com as associações ambientalistas FAPAS (Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade), GEOTA (Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente) e Oikos – Cooperação e Desenvolvimento, a ZERO enviou também, esta quinta-feira, uma carta ao Ministro do Ambiente e da Ação Climática a pedir a “suspensão imediata da utilização de alimentos para consumo humano e animal na produção de biocombustíveis em Portugal”.