As ONG’s marinhas apelam aos países da União Europeia e à Comissão Europeia para que apliquem plenamente a Política Comum das Pescas da UE, a fim de combater as consequências indesejadas e assegurar uma transição equitativa para uma pesca justa e de baixo impacto.
Um novo estudo lançou luz sobre a economia política do setor das pescas na Europa, revelando um sistema que favorece a industrialização e a concentração económica em detrimento de práticas mais respeitadoras do ambiente e de uma distribuição mais justa dos recursos. O estudo, publicado pela Seas At Risk e pelos seus membros BUND, Ecologistas en Acción e Sciaena, e em cooperação com Only One, conclui que a atual utilização das regras e a falta de aplicação de algumas delas beneficiam um grupo privilegiado de pescadores da pesca de grande escala em detrimento dos pescadores da pesca de pequena escala e das práticas de pesca de baixo impacto.
Apesar da sua elevada eficiência e produtividade e do seu contributo em termos de mão de obra, os pescadores artesanais auferem frequentemente salários baixos, trabalham a tempo parcial e são excluídos das decisões. O seu papel vital na sustentação das economias locais e na promoção da pesca de baixo impacto é ignorado pelas autoridades públicas. Esta negligência é exacerbada pelos subsídios que, devido à complexidade da burocracia, ao baixo nível de fluxo de caixa e às exigências de tempo, favorecem uma vez mais as frotas da pesca de grande escala, sustentando frequentemente grandes empresas dependentes de subsídios e práticas de pesca destrutivas.
Os desafios salientados no estudo não se devem a falhas inerentes à legislação, mas sim à sua implementação inconsistente. Embora a lei ofereça várias oportunidades de transição para a pesca de baixo impacto e de apoio aos pescadores da pesca pequena escala, os decisores políticos não só não utilizam estas opções, como muitas vezes nem sequer cumprem os requisitos mínimos obrigatórios da lei.
Consequentemente, o número de embarcações de pesca diminuiu, mas os restantes são, em média, maiores e mais potentes, o que revela uma tendência para a industrialização. Do mesmo modo, a concentração de poder através da propriedade de frotas múltiplas e maiores de navios, da aquisição de partes significativas de quotas e do controlo de várias fases do processo de transformação e distribuição, deixou o sector das pescas nas mãos de um número reduzido de grandes operadores.
Monica Verbeek, Diretora Executiva da Seas At Risk, afirmou: “o Pacto para os Oceanos, que será brevemente publicado pela Comissão Europeia, deve abordar o cumprimento inadequado das actuais políticas de pesca e estabelecer um plano forte e significativo para apoiar a transição para pescarias de baixo impacto (principalmente de pequena escala). É o primeiro passo muito necessário na transição para pescarias de baixo impacto”.
Já Bruno Nicostrate, responsável sénior de política das pescas da Seas At Risk, disse: “ embora os regulamentos da UE em matéria de pescas sejam abrangentes, a sua implementação e controlo insuficientes prejudicam a sua eficácia, conduzindo a consequências não intencionais. Os decisores políticos devem aproveitar todas as oportunidades para tornar as pescas europeias mais justas e mais sustentáveis. Isto é essencial para garantir que os pescadores ganhem um meio de subsistência decente, para se proteger as comunidades costeiras do declínio e salvaguardar a saúde a longo prazo dos nossos ecossistemas marinhos”.
Embora o estudo abranja a realidade global da UE, inclui vários estudos de casos, incluindo Portugal. A análise mostra que a pesca costeira de pequena escala desempenha um papel social, económico e cultural significativo no país, especialmente em comunidades com alternativas económicas limitadas, onde a pesca é simultaneamente um meio de subsistência fundamental e uma tradição profundamente enraizada. O peixe capturado pela frota da pequena pesca costeira é conhecido pela sua elevada qualidade e é vendido fresco nos mercados nacionais ou exportado.
Apesar disso, o setor enfrenta numerosos desafios, incluindo a competição das indústrias emergentes pelo espaço marítimo, a pressão da pesca industrial e da aquicultura, estruturas de governação complexas, mudanças frequentes de política e práticas de gestão insuficientes. Historicamente, a pequena pesca costeira tem recebido um apoio mínimo, o que contribuiu e reforçou a fraca organização e representação dos pescadores artesanais e de pequena escala. Como resultado, estes são frequentemente excluídos dos processos de tomada de decisão a nível local, regional e nacional. As suas organizações de produtores não têm a influência necessária para participar efetivamente nas discussões políticas.
Nicolas Blanc, Coordenador das Pescas e da Biodiversidade na Sciaena, explicou que “este estudo mostra claramente que os decisores da UE não agiram de forma a proteger e apoiar a pequena pesca e as comunidades que dela dependem. A boa notícia é que não é demasiado tarde e que a atual Política Comum das Pescas fornece ferramentas e orientações para que comecem a fazer o que têm a fazer e não apenas a falar. Isto é particularmente evidente e importante para Portugal, um país onde a pesca local, de pequena escala e de baixo impacto ainda é muito relevante e pode desempenhar um papel crucial no futuro das zonas costeiras e do país como um todo”.
Apesar de estarem previstas na lei, continuam a não ser aplicadas medidas fundamentais. Por exemplo, o estabelecimento de quotas específicas para a pequena pesca e a sua distribuição com base em critérios sociais e ambientais e não apenas no princípio da estabilidade relativa e em critérios históricos de captura representariam um avanço significativo para os pescadores de pequena escala e de baixo impacto. Do mesmo modo, a garantir uma repartição transparente dos direitos de pesca contribuiria para pôr a descoberto a concentração excessiva de poder e abriria caminho a um acesso mais justo e equitativo aos recursos.
A Política Comum da Pesca está atualmente a ser objeto de uma avaliação exaustiva. No âmbito deste processo, uma consulta pública está a recolher os contributos das partes interessadas para avaliar a eficácia da política. Prevê-se que os resultados desta avaliação sejam publicados em 2026. Com base nesses resultados, a Comissão Europeia decidirá se mantém a legislação atual, se altera regulamentos de pesca específicos ou se procede a uma reforma mais ampla da política.
As ONG consideram que, embora a legislação seja fundamentalmente sólida, a sua implementação e execução permitirão enfrentar os desafios existentes e conduzir à transição para uma pesca de baixo impacto e à proteção dos ecossistemas marinhos da UE.