“Estamos relativamente longe de alcançar um verdadeiro compromisso e investimento direto na descarbonização das indústrias”

Numa conversa com a Ambiente Magazine, Nuno Matos, diretor-geral da Eco-Oil, abordou a importância do investimento português em soluções inovadoras e amigas do ambiente, que sejam igualmente capazes de posicionar o país numa lógica de economia sustentável.

 

De que forma a Eco-Oil tem atuado para o uso de energias alternativas e mais sustentáveis?

A Eco-Oil tem como principal missão o tratamento e recuperação dos resíduos perigosos recebidos dos navios-tanque, com o objetivo de produzir o primeiro fuel sustentável do mundo certificado pelo International Sustainability and Carbon Certification (ISCC). Esta iniciativa visa ajudar as empresas do setor industrial a acelerar a sua transição energética, oferecendo-lhes um combustível sustentável alternativo ao combustível fóssil tradicional, mais rentável e com menor impacto ambiental. A nossa empresa, 100% portuguesa, desenvolveu um combustível sustentável destinado à indústria, produzido totalmente a partir de resíduos de hidrocarbonetos recolhidos e recuperados das águas utilizadas na lavagem dos navios-tanque.

Os navios-tanque que recebemos no porto de Setúbal transportam combustíveis fósseis que, após descarregados nos terminais petrolíferos, deixam pequenas quantidades desses produtos (perigosos, tóxicos e explosivos) que necessitam de ser lavados por motivos de segurança, antes da entrada na Lisnave. Na Eco-Oil, o nosso trabalho passa por retirar estas águas contaminadas provenientes das lavagens e tratá-las para que possam ser devolvidas ao mar livres de quaisquer elementos tóxicos e poluentes.

Com os resíduos recuperados dessas águas, conseguimos fabricar um novo fuel, comercializado com a marca EcoGreen Power. Esta operação valoriza os resíduos como matéria-prima, reintroduzindo-os na cadeia de valor como um novo produto. Assim, conseguimos reciclar 99% da matéria proveniente dos navios, tratando a água para retorno ao ecossistema marinho e recuperando os hidrocarbonetos como fonte de energia sustentável.

O nosso fuel apresenta uma potência 4% superior a um combustível fóssil, de acordo com o estudo realizado por um dos nossos clientes. Os resultados apresentados na utilização deste fuel sustentável são bastante positivos e animadores no sentido de manter um bom desempenho na indústria, mas reduzindo exponencialmente o impacte carbónico no processo industrial. O EcoGreen Power é um combustível de marca registada que conta até hoje com utilização na indústria alimentar (produção de lacticínios e outras), da construção (fábricas de cimento e outras indústrias do setor), do papel e na produção de biocombustíveis.

Como está Portugal em matéria de investimento nestas soluções mais amigas do ambiente?

É verdade que Portugal tem vindo a aumentar os seus esforços de investimento em soluções de sustentabilidade, principalmente ao longo dos últimos anos. Além de programas de eficiência energética e incentivos de forma a promover a adoção de práticas mais sustentáveis em diversos setores, também o investimento em tecnologias verdes, como a produção de energia renovável, mobilidade elétrica e eficiência energética em edifícios, tem vindo a ser incentivado através de fundos públicos e privados. Além disso, o governo português tem estabelecido metas ambiciosas para reduzir as emissões de carbono e promover a transição para uma economia mais verde e sustentável.

No entanto, é importante notar que há sempre espaço para melhorias e que ainda existem desafios a enfrentar. Diria que ainda estamos relativamente longe de alcançar um verdadeiro compromisso e investimento direto na descarbonização das indústrias e na redução efetiva das emissões de gases de efeito estufa. Deste modo, considero que efetivamente as ações tomadas ainda não são suficientes nem coordenadas num conjunto eficaz na luta contra as alterações climáticas.

Que mudanças são urgentes?

É fundamental que todos os resíduos com potencial para serem reciclados sejam tratados para serem reintroduzidos na economia como novos produtos, que possam, por um lado, beneficiar de incentivos à economia circular e que, por outro, os seus produtos sejam incluídos na contabilização das emissões evitadas de gases de efeito estufa. No caso particular da indústria, que me é bastante próximo, esta valorização material e económica de resíduos que podem ser novamente introduzidos no mercado acaba por criar valor para a economia nacional e impactar o ambiente de forma positiva.

Perante os tempos atribulados pelos quais estamos a passar é fundamental tratar de forma diferente o que é verdadeiramente distinto, de modo a criar um ambiente favorável à inovação e à sustentabilidade. Diria que qualquer estratégia com vista à sustentabilidade ambiental fará a diferença, mas está na altura de pensar mais além e adotar novas abordagens que beneficiem não só a economia, mas também o ambiente. Há ainda muito a fazer no que diz respeito à abordagem da sustentabilidade como um todo – desde o investimento em energias mais sustentáveis até à mitigação do carbono na origem e nos processos.

No caso particular do EcoGreen Power, o tratamento fiscal e a contabilização das suas emissões é exatamente o mesmo do combustível fóssil alternativo produzido a partir de recursos naturais. Esta prática não incentiva a economia circular, nem diferencia o combustível sustentável que comprovadamente reduz as emissões em 99% quando comparado com o combustível fóssil alternativo. Assim, assistimos a um tratamento de forma igual àquilo que é diferente, o que não ajuda a indústria de reciclagem.

Que exemplos internacionais podia seguir o nosso país?

No que toca à sustentabilidade ambiental e à preocupação face às alterações climáticas, a Europa tem sido célere no estabelecimento de metas e adoção de medidas. Por exemplo, o Environmental Performance Index, uma iniciativa das universidades de Yale e Columbia (EUA), demonstra que são países da Europa que dominam os 10 primeiros lugares no que diz respeito a estas matérias.

De forma mais particular, diria que podemos destacar – e utilizar como inspiração – casos de países como a Dinamarca e a Suécia, que apresentam um desempenho particularmente positivo em diversos fatores importantes no que à valorização do meio ambiente diz respeito, com destaque para a proteção de áreas marinhas e de espécies, a redução de emissões poluentes e o tratamento de águas residuais – aspetos profundamente relevantes para o trabalho que desenvolvemos na Eco-Oil.

Que aproveitamentos e vantagens pode ter Portugal nestas matérias de energias alternativas?

Tal como anteriormente referido, em tempos como os que estamos a viver, a procura por opções mais ambientalmente responsáveis não deveria ser uma opção; deveria ser a única escolha possível. Energias alternativas e focadas na sustentabilidade – como a que produzimos na nossa fábrica – são criadas com vista a responder às metas de descarbonização na indústria, tão necessárias para preservar o ambiente.

Quando comparamos um combustível fóssil proveniente de uma refinaria tradicional com o nosso combustível sustentável, as provas estão à vista. O processo de produção do nosso fuel emite menos 99% de gases poluentes numa análise completa de ciclo de vida, sendo, portanto, um combustível mais sustentável que gera energia equivalente, mas com um impacto ambiental significativamente inferior.

Além disso, através da recuperação e processamento de resíduos, estamos a contribuir para o reforço da economia circular em Portugal, pela valorização material de um resíduo que substitui na integra o produto fóssil original.

Leia aqui outra conversa com Nuno Matos, diretor-geral da Eco-Oil…

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