“Estamos ao nível dos melhores nos resíduos e nas águas”
O novo presidente da Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente, Eduardo Marques, esteve à conversa com a Ambiente Magazine, e não hesitou em afirmar que a principal missão da AEPSA é contribuir para a sustentabilidade das empresas associadas, mas também para o desenvolvimento sustentável, ambiental e económico do nosso País. Na área das Águas, Eduardo Marques assume que a eficácia é possível com uma boa gestão. Já nos Resíduos, reconhece que Portugal tem a capacidade técnica instalada e as infraestruturas necessárias para um excelente desempenho nas várias áreas dos resíduos: recolha, tratamento e reciclagem.
Qual o enquadramento e objetivos da AEPSA hoje? Mantém as linhas mestras aquando da sua criação?
A AEPSA é uma associação que nasceu de empresas privadas do setor da água e, desde 2012, congrega também as empresas privadas do setor dos resíduos. Tem havido uma evolução na abrangência da associação, com um aumento significativo de associados e com uma visão mais integrada e abrangente na área do ambiente. Todos os nossos associados são empresas do setor do ambiente.
Qual a missão da AEPSA e evolução nas suas várias áreas de atividade?
O setor ambiente é fundamental para o futuro e para o presente, mas cada vez mais para o presente. Sentimos que as alterações climáticas já estão cá (no presente) e tudo o que tem a ver com o ambiente e com a sua sustentabilidade é fundamental para as gerações presentes e vindouras. A nossa principal missão é obviamente contribuir para a sustentabilidade das nossas empresas, mas também contribuir para o desenvolvimento sustentável ambiental e económico do nosso país.
Qual deve ser então o papel da AEPSA na sociedade?
A AEPSA tem estado sempre na linha da frente ao contribuir para a legislação ser adequadamente revista para os desafios constantes e exigentes do setor. Até porque somos um país em que há muita legislação na área do ambiente. Felizmente, a AEPSA tem sido normalmente chamada para contribuir ativa e proativamente para a evolução desta legislação.
Que desafios/oportunidades existem para esse desígnio?
Diria que há muitos desafios e oportunidades. E quanto maior são as ameaças, maiores os desafios. É preciso ter capacidade para saber lidar com eles. A economia não pode ser apenas o fator preponderante, mas temos que ter a consciência de que, se as empresas não forem sustentáveis, não pode haver negócio. Quando se trata de uma empresa privada, não é errado procurar ter lucro justo, porque se não tiver o lucro mínimo, fecha porque entrou em insolvência. Mas, quando uma empresa pública está a dar prejuízo, não é sustentável ou é ineficiente, somos nós todos que pagamos. É por isso que achamos que deveria haver mais oportunidade para os privados poderem mostrar aquilo que efetivamente têm a capacidade de implementar, conforme inequivocamente demonstrado nas muitas provas dadas.
A AEPSA conta com um novo Conselho Diretivo. O que o levou o liderar este projeto?
Por gosto pessoal, eu gosto de desafios desde sempre. Por outro lado, já estava na direção da AEPSA no anterior mandato e já tinha conhecimento dos problemas. A associação não é constituída por pessoas mas sim por empresas. Eu represento uma empresa e todos nós na direção representamos empresas. No meu caso, é a Indaqua, que sempre esteve na direção da AEPSA e já tinha tido dois presidentes.
Quais as metas e objetivos deste mandato?
Queremos contribuir para o desenvolvimento das nossas empresas. Há um conjunto de preocupações quer da água, quer dos resíduos em legislação muito específica. Por exemplo, na água, há certos tipos de situações que podem bloquear o crescimento das nossas empresas. Nós, enquanto AEPSA, esperamos contribuir para que essa legislação, por um lado, contribua para o desenvolvimento das empresas e, por outro lado, para o desenvolvimento ambiental e sustentável do País. Queremos uma legislação harmoniosa e concertada até porque as nossas empresas têm muito know how adquirido e muita capacitação para poder contribuir para o desenvolvimento do país, bem como grande capacidade de investimento, logo que sejam criadas as condições para isso.
Quais as questões críticas que a AEPSA pretende continuar?
É muito importante dinamizar o setor privado. Tem-se assistido a uma certa estagnação, em algumas áreas de negócios direcionadas para o setor privado. Continua a haver demasiada intervenção do setor público. O que sentimos é que todos somos poucos para contribuir para o que é necessário para o país. É preciso criar condições para que as empresas privadas, que têm capacitação e capacidade de investimento, possam, de uma forma transparente em concursos públicos, atuar de uma forma ativa nas várias áreas, quer das águas, quer dos resíduos. O que está a acontecer é que, muitas vezes, por preconceitos ou legislação menos adequada, há falta de concursos e não um progresso da atividade dos privados. As políticas têm estado sistematicamente mais direcionadas para o público do que para o privado.
Águas: A eficiência hídrica é prioritária
O setor das águas, nos anos mais recentes, tem assistido a um discurso político/ técnico que incide em abordagens integradas. O que isto significa e como se podem operacionalizar?
O anterior Governo optou por uma integração das empresas gestoras em alta das Águas de Portugal e este Governo, quando iniciou funções, optou por desagregar esses sistemas. Tem sido um desiderato deste Governo, a integração de sistemas municipais em baixa. Eu diria que é, do ponto de vista conceptual, algo que faz sentido, por princípio a escala permite mais eficiência. Mas a integração, por si só, não é necessária nem suficiente. O que fará sentido é que, depois da integração, se veja qual o sistema de gestão mais adequado para aquele conjunto de municípios.
O que tem sido potenciado, pelo próprio Governo, é fazer parcerias entre os municípios agregados com as Águas de Portugal. A legislação portuguesa permite fazer uma PPP (parceria público-pública). Nós somos totalmente contra essa solução porque não promove a concorrência. É por decreto que aqueles municípios vão começar a ser geridos por uma entidade que é maioritariamente detida pelas Águas de Portugal. Os municípios deixam de ter qualquer capacidade de intervenção na gestão dessas PPP’s. Integração nada contra, o que entendemos é que depois deve ser promovida a concorrência.
Eficiência é sinónimo de eficácia no setor da água?
Eficiência e eficácia são por vezes sinónimos mas diferentes. Gostaria de falar, por exemplo, na eficiência hídrica, porque é um dos aspetos transversais relacionados com as próprias alterações climáticas. A eficiência hídrica das entidades gestoras, isto é procurar ter sistemas com reduzidas perdas de água, atendendo às alterações climáticas, é prioritária e deve preocupar todos os decisores e stakeholders do setor. Normalmente há uma tendência natural, que é apelar à poupança. Obviamente que se há falta de água temos que poupar, mas não é seguramente o meio mais eficaz.
O sistema em alta injeta nos reservatórios um volume de água, que é comprada pela entidade em baixa, que depois vai distribuir aos consumidores finais. Há um indicador do regulador que diz que, em média, em Portugal, 30% da água que entra nos sistemas em baixa não é vendida aos utilizadores, quer dizer que é perdida pelos ramais, condutas e reservatórios. O conjunto de empresas privadas concessionárias de serviços de água tem perdas de água em média da ordem dos 15%,de acordo com os dados publicados pelo regulador. Quer dizer que têm uma eficiência muito superior à média nacional. Chega-se à conclusão que se conseguirmos, e é possível, passar a média nacional as perdas de água de 30% para os 15%, que o setor privado já conseguiu, conseguimos ter uma poupança direta de mais de 100 milhões de euros por ano.
Havendo um esforço de eficiência nas várias entidades gestoras a nível do país, eu diria que entre três a cinco anos é possível, se houver vontade para isso, ter essa poupança anual. Com 100 milhões de euros podemos, por exemplo, reduzir em média cerca de 20% as tarifas. Mas mais importante que isso, permite ter capacidade financeira para se fazer muito daquilo que queremos fazer no setor e que neste momento não há apetência para isso por não haver capacidade financeira.
Há um aspeto que ainda não é muito abordado, que tem a ver com a reabilitação das condutas. As condutas podem durar, em média, entre 40 a 50 anos, mas é necessário programar a sua reabilitação. Isto é um problema transversal na Europa. Nós tivemos vários quadros comunitários que injetaram no nosso país grandes quantidades de dinheiro e foram investidos cerca de 10 mil milhões de euros no setor. Nos últimos 20 anos, conseguiu-se dar um passo de gigante na infraestruturação geral do país: reservatórios, redes de saneamento e estações de tratamento de esgotos. Mas daqui a 20 anos vai ser preciso renovar essas redes. É preciso pensar na renovação atempada a curto, médio e longo prazo. Claro que este tipo de investimentos para um político normalmente não interessa. É preciso consciencializar todos os stakeholders do setor de que é preciso começar a cativar verbas, pensar bem no futuro para se ir renovando e reabilitando as redes atempadamente.
Acresce, tendo em conta os indicadores publicados pelo regulador, que, de facto, a eficácia é possível com uma boa gestão, como é feita pelas empresas privadas.
Para onde aponta o caminho: mais água ou melhor governança?
A água é a mesma que existia há mil anos atrás. É o chamado ciclo da água. A água é um bem finito e estável. Temos que o tratar bem e estamos a tratá-lo muito mal, a todos os níveis. O essencial é a melhor utilização dos recursos. Tem de haver uma boa gestão dos recursos hídricos.
Quais as prioridades na política da água em Portugal?
É prioritário manter a capacitação das empresas portuguesas, que são reconhecidas lá fora porque ganharam capacitação em projetos no mercado nacional. É preciso que o setor em Portugal não fique estagnado, como está, por exemplo a nível de concessões privadas. É preciso continuar a criar os recursos humanos com conhecimento e know how que permitam fazer cá dentro e exportar para fora.
As empresas privadas do setor da água, essencialmente as concessionárias, investiram em Portugal cerca de 1000 milhões de euros em infraestruturas, fazia parte dos seus planos de investimento constantes nos contratos. E a generalidade não teve recurso a fundos europeus. Acresce que nos últimos anos, grande parte das empresas foram adquiridas por capitais estrangeiros. Estou em condições de dizer que estas empresas têm a total disponibilidade e interesse em investir mais 1000 milhões de euros num futuro próximo, se for preciso. Esses investimentos no setor da água são investimentos intensivos, com retorno em 20 anos. Tem que haver uma previsibilidade legislativa e regulatória que permita, quer aos bancos, quer aos acionistas, fazer esses investimentos.
Para isso há um conjunto de documentos que são extremamente importantes. Um é o Regulamento Tarifário dos Serviços de Água; é uma obrigação do regulador publicar um regulamento tarifário dos serviços de água, da mesma maneira que publicou um Regulamento Tarifário dos Resíduos, e efetivamente não correu, no nosso ponto de vista, da melhor forma. O regulador, através do regulamento tarifário, tem a capacidade de definir tarifas. Para as concessionárias atuais de serviços de águas este tipo de modelo regulatório, que é o estabelecido para o setor dos resíduos (Modelo Regulatório de Proveitos Permitidos) não é aplicável, conforme referido pelo próprio Regulador, porque existe um contrato entre uma Câmara e uma empresa privada, isto é a regulação económica é feita através da verificação do estabelecido contratualmente.
Atualmente está em cima da mesa a discussão do regulamento tarifário dos serviços de águas. Temos procurado, mas sem sucesso, colaborar nesse processo e não sabemos o que aí vem. Entendemos que deverá ser um regulamento adequado ao setor privado das concessões, que é um setor onde tem de ser promovida a concorrência em concursos públicos. Não é possível, conforme está acontecer na setor dos resíduos, vir o regulador, passados alguns anos, definir uma tarifa. É imprescindível haver estabilidade e previsibilidade tarifária, senão não há nenhum banco que financie um negócio, se uma entidade externa ao Contrato (neste caso o Regulador) de uma forma imprevisível e não prevista no Contrato tenha a capacidade de interferir em aspetos tão sensíveis como é a fixação das tarifas e dos investimentos. Não sabemos qual o modelo regulatório que virá a ser proposto para futuras concessões, mas uma coisa é certa, se porventura for um regulamento baseado no Modelo regulatório de Proveitos Permitidos, como o regulamento que está nos resíduos, não há condições para haver futuros concursos de concessão, com evidente prejuízo para o setor.
A segunda preocupação é a revisão do Decreto-lei 194, que rege as concessões dos serviços de água em Portugal.
Outro aspeto é um novo modelo de contratos de concessão ou de concursos de contratos de concessão. É algo que está para ser publicado, estamos empenhados e vamos contribuir para criar algo que seja sustentável. Um modelo de concessão é aquele que melhor serve os utilizadores. O que defendemos é um modelo de concessão perfeitamente atualizado, com a matriz de risco bem definida para ambas as partes, definição exaustiva dos investimentos, a rentabilidade, os objetivos a atingir e, se não forem atingidos, quais as penalidades. Os privados querem rentabilidades normais no mercado, mas de uma forma sustentada e previsível.
Há uma consciencialização de todos os atores sobre estas matérias?
Não, infelizmente não. Acho que há um desconhecimento muito grande em muitos stakeholders.
Resíduos: “Portugal está bem”
Depois de anos numa aparente evolução neste domínio, como consideram o atual panorama do país ao nível dos resíduos?
Efetivamente, Portugal tem o conhecimento técnico, a capacidade técnica instalada e as infraestruturas necessárias para as várias áreas dos resíduos: da recolha, do tratamento e da reciclagem. Em todos os aspetos, Portugal está bem, com a tecnologia e o conhecimento adquirido. Estamos ao nível dos melhores nos resíduos. Para além deste conhecimento e infraestruturas, temos a capacidade de exportar serviços. Como por exemplo, importar resíduos perigosos e tratá-los cá. Podemos fazer concorrência aos países teoricamente mais desenvolvidos na Europa. Temos as infraestruturas necessárias para transformar os resíduos perigosos em resíduos normais.
O que é preciso é saber criar as condições para que isto não se altere e, muitas vezes, faz-se uma coisa que não se deve fazer: colocar os resíduos urbanos onde devem ser resíduos de outra natureza, ou vice-versa. Se eu, enquanto privado, dimensionei um sistema para tratamento de um determinado tipo de resíduo, com uma perspetiva de quantidades de resíduos que iam ser tratados e se estes resíduos estão a ser canalizados para outros sistemas que não estão preparados, o meu sistema pode deixar de ter capacidade de funcionar, porque não é sustentável.
No panorama atual nacional qual deve ser a estratégia a seguir?
Um dos aspetos que consideramos determinantes para resolver os desafios existentes é a chamada TGR (Taxa Geral de Resíduos). Essa taxa deve corresponder a algo de incentivador para as boas práticas e desincentivador para as más práticas. Temos um documento que recentemente entregámos à secretaria de Estado com a nossa proposta, e estamos confiantes de que vamos ser ouvidos porque isto é uma questão de bem nacional.
Estamos a caminhar para 2020, as metas de reciclagem serão alcançadas?
Infelizmente não. Tem que se pensar em vários aspetos. Um passa pela sensibilização geral das pessoas. Não tenho dúvidas que as gerações mais novas estão mais sensíveis. Agora, tem que haver um esforço muito grande para além da sensibilização para aumentar a reciclagem. Começando mesmo pelo porta-a-porta. É fundamental
que haja um esforço grande na separação dos resíduos: do plástico, do cartão, do vidro e dos indiferenciados, e tem de começar nas nossas casas.
O que esperam do último ano do mandato deste Governo ao nível ambiental?
Como o Ambiente é um setor que, felizmente, cada vez está a ser mais considerado, porque de facto é vital para todos nós, estamos convictos de que vai haver legislação adequada que, em parte ou no todo, possa contribuir para termos um ambiente mais sustentável.