“As medidas adequadas no combate à crise climática exigiam uma resposta satisfatória em todos as frentes: mitigação, adaptação, financiamento e justiça climática. Em nenhuma delas esta COP cumpriu inteiramente. Ficámos bem aquém de assegurar uma trajetória que garantisse um aquecimento não superior a 1,5°C em relação à era pré-industrial. Trata-se de um status quo iníquo, para a resolução do qual a 26ª Cimeira do Clima não deu os contributos necessários”. Esta é uma das conclusões das associações ZERO, Oikos e Fundação Fé e Cooperação (FEC)
As associações que estiveram presentes na 26ª Cimeira do Clima, a COP26, começam por lamentar, num comunicado partilhado à imprensa, o conjunto de metas apresentadas pela Índia, tal como a neutralidade climática apenas em 2070″ ou a “incorporação de mais energias renováveis até 2030”.
Por outro lado, o acordo alcançado de redução até 2030 das emissões de metano, o segundo gás mais importante em termos de emissões e responsável por cerca de 30% do aquecimento global, foi um passo muito significativo, pois este gás é uma peça chave para reduzir as emissões até 2030: “O metano é um gás com um potencial de aquecimento mais de 80 vezes superior ao do dióxido de carbono a 20 anos, mas com um tempo de vida média na atmosfera muito mais curto que o dióxido de carbono”. Ainda assim, apesar do acordo do metano ser um bom passo, a verdade é que houve importantes países que ficaram de fora, como a China, a Índia e a Rússia, além de a redução anunciada, de 30%, ser pequena: “Entendemos que deveria ser de pelo menos 50%, pois o metano é gás natural, e tem portanto um valor económico, pelo que reduzir as suas emissões, por exemplo evitando fugas, é fácil e custo eficaz”, precisam as associações no comunicado.
Um acordo a merecer especial atenção, por parte destas associações, é o das florestas, em que mais de 100 países, incluindo o Brasil, se comprometem a acabar com a desflorestação até 2030: “O conjunto destes países representa cerca de 85% das florestas mundiais”. O acordo contempla um financiamento importante, público e privado, de cerca de 20 mil milhões de dólares para pagar a proteção das florestas: “Trata-se de um acordo relevante, embora um anterior, também no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, alcançado em 2014, tenha falhado nos seus objetivos”.
Houve também nesta COP o anúncio da primeira iniciativa diplomática mundial focada na eliminação da exploração de combustíveis fósseis. Chamada “Beyond Oil & Gas Alliance” (“BOGA”) o esforço reúne países e jurisdições subnacionais que se comprometeram a encerrar novos licenciamentos para exploração e produção de petróleo e gás, tomando medidas para a prossecução desse objetivo, reconhecendo que a eliminação dos combustíveis fósseis é urgente e crucial para enfrentar a crise climática. Nesta aliança estão a Costa Rica, a Dinamarca, a França, a Gronelândia, a Irlanda, o Quebec, a Suécia e o País de Gales como membros plenos. A Califórnia, Portugal e a Nova Zelândia também farão parte da aliança como membros associados, e a Itália expressou seu apoio.
O texto final inicial, de acordo com as associações, contemplava o “fim do carvão na produção de energia elétrica sem medidas para redução de emissões (captura e sequestro de carbono)”, algo que constituía uma “novidade positiva nestes textos,” mas sem “indicação de metas ou da forma de operacionalização”. Outra novidade importante no mesmo ponto foi a “anunciada aceleração do fim dos subsídios” aos combustíveis fósseis: “No final, a emenda proposta pela Índia de considerar a redução do uso de carvão ao contrário da sua eliminação é lamentável e mostra a enorme dependência de muitos países deste combustível fóssil em particular que é um elemento fundamental da descarbonização global”, alerta.
No final da COP, depois de contabilizadas todas as medidas, é provável que o aquecimento global no final do século se mantenha em cerca de 2.0°C, com uma amplitude possível de 1,4 a 2,6°C: “Estes números preliminares ainda terão de ser validados através de estudos e simulações por parte dos climatologistas, e é de realçar um grande ‘se’: eles só se materializarão se os compromissos forem cumpridos, sendo que historicamente não têm sido. Esses compromissos têm a ver com a ação climática de curto prazo, até 2030, e com a de longo-prazo, nomeadamente a concretização da neutralidade carbónica nos prazos que os países indicaram”, lê-se no comunicado.
Este desfecho, o mais importante da cimeira, pode ser entendido, de acordo com as associações, como um copo meio cheio ou meio vazio: “meio vazio porque o objetivo de 1,5°C não foi atingido – um aquecimento para além disto, de acordo com o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), significa a ultrapassagem dos limites de segurança do clima, levando a um aumento catastrófico de fenómenos extremos”; “meio cheio porque as expectativas em torno desta cimeira eram baixas, mas ainda assim houve progressos, permitindo uma aproximação do planeta ao limite superior de 2,0°C previsto no Acordo de Paris”.
Dada a incerteza no cumprimento deste objetivo (o SE), as organizações não-governamentais entendem que a cimeira falhou, mas reconhece que no texto final de Glasgow, ao serem introduzidas condições para já no próximo ano haver progressos adicionais, e não apenas em 2025 como o Acordo de Paris antevia, há margem importante de avanço: “Isto porque o texto insta os países a reverem já no final de 2022 as suas Contribuições Nacionalmente Determinadas, ou até noutra qualquer altura se assim o entenderem”. De facto, “sendo preciso cortar as emissões em 50% até ao final da década, uma revisão a cada cinco anos não é suficiente – tem de ser anual”, alertam.
“Esta COP não assegurou 1,5°C, mas deixou uma porta entreaberta para tentarmos lá chegar”, declaram as associações, prevendo que “a COP26 vai assim a prolongamento na Cimeira do Clima no Egito em 2022: tempo extra que temos o dever de usar sabiamente.