Um dos grandes objetivos do Projeto E+C (Economia Mais Circular), promovido pela CIP (Confederação Empresarial de Portugal), assenta em discutir e identificar as barreiras que existem à implementação da circularidade nas empresas. Um inquérito encomendado, pela CIP, à EY-Parthenon comprova que as empresas enfrentam múltiplos entraves na implementação dos princípios de circularidade nas suas atividades. Foi precisamente nestas barreiras que vários especialistas se debruçaram para debater “Barreiras à Economia Circular – Identificação de oportunidades e soluções” num painel promovido na Conferência Economia Mais Circular.
Apesar de grande parte das barreiras identificadas no inquérito serem já do conhecimento da ZERO (Associação Sistema Terrestre Sustentável), Francisco Ferreira, presidente da associação, considera a questão da economia circular deveria estar de forma mais explícita no trabalho desenvolvido, havendo sempre um “grande ênfase na reciclagem ou na criação de circuito” começando a jusante e não a montante: “Efetivamente, a prioridade de uma economia circular profunda começa no desenho, na conceção, na normalização e nas exigências de circularidade que coloco”.
Voltando às barreiras identificados no inquérito, o presidente da ZERO enfatiza a “falta de conhecimento”, constatando que, na maioria das vezes, está relacionada com a “competitividade entre os vários agentes” para se conseguir otimizar soluções circulares: “Temos de mudar o paradigma de uma economia que é muito circular em vários ciclos para uma economia que é mais um nicho ecológico que tem um conjunto de tramas entre aquilo que são os objetivos e os princípios de colocar à frente as questões de redução, reutilização e reciclagem”.
Analisando o estudo de uma forma geral, o presidente da ZERO mostra-se muito satisfeito, nomeadamente, do diagnóstico que o inquérito faz porque “organiza, sistematiza e valida” algumas das preocupações comuns à indústria, mas também às associações: “Há que avançar e criar os mecanismos de troca de comunicação de trabalho conjunto”.
Luís Delgado, presidente da APQuímica (Associação Portuguesa da Química, Petroquímica e Refinação), considera que o estudo tem uma “grande vantagem” por “abranger e tocar” em quase todas área da atividade economia portuguesa: “Procura de uma forma bastante exaustiva levantar quais as questões que são mais relevantes para que tudo aconteça”.
De todas as barreiras identificadas, também o presidente da APQuímica não parece estar surpreendido com os resultados. Ainda assim, do ponto de vista das recomendações, dá destaque à construção das soluções: “Cada vez mais, as empresas têm que olhar para isto como algo que não é para a economia circular, sustentabilidade do negócio, questões ambientais ou que a legislação impõe, mas sim porque faz parte da sobrevivência e crescimento a prazo de cada uma”. Centrando-se no ponto da economia circular, Luís Delgado considera que o mais pertinente é a “simbiose” entre as empresas: “Não se consegue fazer um mainstream de tornar a economia circular comum a todas as empresas, sem se entender que elas fazem parte de um ecossistema local, regional ou nacional”. É nesta questão que existem muitas barreiras e que o estudo demonstra de forma clara: “Têm de existir capacidade de ter parcerias específicas dos produtos, resíduos e aproveitamento na lógica de negócio que está subjacente: é uma das recomendações mais importantes”.
[blockquote style=”2″]A indústria não é o problema, mas sim a solução[/blockquote]
Reconhecendo os entraves existentes e, consequentemente, o caminho que deve ser feito, Rafael Campos Pereira, vice-presidente da AIMMAP (Associação dos Industriais Metalúrgicos Metalomecânicos e Afins de Portugal), centra-se naquela que é a visão do metalúrgico e metalomecânico: “É um setor muito heterogéneo, onde existe muita coesão num conjunto vasto de questões”. Ainda assim, verificam-se “nuances” de subsetor para subsetor: “Não posso dizer que todos os subsetores estejam no mesmo estado de desenvolvimento”. Mas, o conceito de economia circular é algo que tem vindo a ser difundido de forma muito assertiva pela AIMMAP e por todas as entidades de suporte: “Têm feito um trabalho relevante e não só de sensibilização, mas também de disseminação de boas práticas e de sugestões de estratégias, contribuído para que esta seja uma realidade presente na generalidade das nossas empresas”.
Apesar de concordar com o facto de os cidadãos serem mais exigentes e, consequentemente, o escrutínio da sociedade ser fundamental para as boas práticas serem uma realidade, Rafael Campos Pereira não deixa, contudo, de sublinhar a importância de os consumidores serem “educados” de uma forma que seja “solidária” e que permita que “todos estejamos a caminhar no mesmo sentido”.
Das grandes preocupações existente na indústria metalúrgica e metalomecânica, o responsável defende que a aposta deve passar pela “simplificação dos processos de desclassificação de resíduos”, pela “redução de custos, burocracia, complexidade e investimento” nesse domínio. Isto, atenta o presidente AIMMAP, sem prejuízo de que a questão do “ecodesign, conceção do produto com responsabilidade ambiental” seja também muito importante: “Os investimentos estão a ser feitos e a indústria é o player número um fundamental porque sem ela não é possível tornarmos a economia mais sustentável”. Aliás, “só a indústria é capaz de encontrar, conceber, desenvolver e investigar para esse feito os equipamentos de que todos necessitamos para tornarmos a economia no geral mais sustentável”, afinca. Em matérias de eficiência energética, descarbonização e sustentabilidade, Rafael Campos Pereira reforça que são os investimentos em equipamentos e produtos concebidos pela indústria que vão determinar tal realidade: “A indústria não é o problema, mas sim a solução”.
No que à simplificação e à desclassificação de resíduos diz respeito, Nuno Lacasta, presidente da APA (Agência Portuguesa do Ambiente), considera que tem havido evolução nos últimos anos: “O nosso compromisso é fazer chegar à CIP um documento sobre aquilo que ainda não existe e o que já existe, podendo-se neste último, continuar colaborar para melhorar”. Mas sobre aquilo que ainda não existe, Nuno Lacasta reconhece que falta uma “cultura regulatória” no Estado: “Conseguir licenciar as atividades sem ser em sequência”.
Focando na desclassificação de resíduos, o presidente da APA regista evolução, dando como exemplo a alteração resultada da legislação recente: “Neste momento, o sistema científico e tecnológico pode em nome da administração ajudar a desclassificar”. Para Nuno Lacasta é, precisamente, numa “ abordagem colaborativa” que se tem de saber prosseguir: “É certo que cada um desempenha o seu papel”, sustenta.