A pandemia da Covid-19 veio despertar o interesse por espaços abertos, flexíveis e sustentáveis. E a verdade é que as casas com espaços exteriores (varandas ou jardins) estão no top of mind das escolhas dos consumidores. É caso para dizer que as tendências mudaram e, consequentemente, os construtores, arquitetos ou designers tiveram que se adaptar às novas exigências. A procura por materiais e produtos mais sustentáveis são um bom exemplo disso. Coloca-se a questão: A construção sustentável e os espaços verdes são vistos como uma necessidade ou como um mero interesse?
A tendência é de, finalmente, criar edifícios mais sustentáveis: “Já todos perceberam que o caminho é a sustentabilidade e que esta é uma necessidade”. Contudo, Aline Guerreiro, CEO do Portal da Construção Sustentável, reconhece que “muitos decisores afetos ao setor da construção” tendem a “aproveitar-se” da palavra sustentabilidade para vender, até porque “sabem que é preciso ser-se sustentável e desatam a chamar sustentabilidade a tudo o que são empreendimentos. O público, mal informado, acredita que está a apostar na sustentabilidade, sem ser isso que está a fazer”. Questionada sobre os desafios e oportunidades desta “nova tendência”, Aline Guerreio defende que o desafio deveria ser, mesmo, o da sustentabilidade: “Todos os envolvidos do setor deveriam consciencializar-se e apostar em edifícios realmente eficientes energeticamente e noutras outras vertentes da sustentabilidade. Não basta termos edifícios eficientes em termos de energia, se os materiais usados forem, por exemplo, derivados de petróleo”. Assim, é necessário haver “muita formação” de “decisores, como também para o público em geral”, para haver uma “verdadeira descarbonização. A necessidade de um “espaço exterior” com vegetação é das necessidades mais procuradas, devido à pandemia: “As pessoas sentiam-se presas e sem um local onde arejar. Há anos que ando a ´gritar` por se incluir vegetação nos projetos; não é só estético, é necessário”. Voltando às tendências e necessidades associadas, a responsável nota que, ao nível local não existe qualquer aplicabilidade: “Não vejo as autarquias a criarem incentivos a construções mais sustentáveis, à reabilitação de edifícios ou à integração de vegetação, como as coberturas verdes ou paredes verdes”. Sendo os espaços verdes já uma condição fundamental no “planeamento e gestão de uma cidade”, assim como “responsáveis por funções necessárias à saúde humana”, a sua existência tem de ser encarada como uma “obrigatoriedade”.
É precisamente no papel das autarquias que Dário Silva, vice-presidente do Conselho Diretivo da ANAFRE (Associação Nacional de Freguesias), constata que existe uma dupla responsabilidade: “Por um lado, são responsáveis pelo licenciamento e fiscalização; por outro, estarão também a breve prazo comprometidas com a construção de habitação pública, pelo que as temáticas da sustentabilidade e dos espaços verdes terão que ser levadas em conta”. Sobre o interesse das autarquias no tema, o responsável é perentório: “É inquestionável que as autarquias têm manifestado um crescente interesse na temática dado que estas preocupações são também cada vez maiores junto da população”, sustenta. Há, por isso, “maior sensibilidade” na “criação de zonas verdes, parques de lazer, zonas de mobilidade suave”, bem como uma “atenção maior” a outras áreas como “aproveitamento de águas e poupança de energia”. Por seu turno, constata-se que as questões da sustentabilidade e das alterações climáticas influenciam as pessoas nos comportamentos e decisões: “A apresentação de propostas imobiliárias que apresentem preocupações na melhoria e construção de espaços verdes podem ser diferenciadoras”. A pandemia trouxe, igualmente, um forte estímulo aos espaços verdes: “A obrigatoriedade da permanência na residência implicou uma valorização dos espaços verdes por parte das populações e, nesse sentido, a procura por espaço e ao livre e de lazer tornaram-se ainda mais importantes”.
[blockquote style=”2″]Valorização do contacto com a natureza[/blockquote]
O conceito “espaços verdes” abrange uma diversidade de áreas e, sendo a pandemia a causadora das “novas necessidades” desses mesmos espaços, é essencial chamar para o debate o interesse cada vez maior pelas hortas e pelos pequenos espaços de agricultura urbana: “Há um crescimento significativo na procura e integração deste tipo de espaços em terrenos urbanos, muitas vezes subaproveitados”. Indira Andrade, fundadora e gestora da empresa Ecocenter, que disponibiliza produtos e serviços na área da agricultura e hortas urbanas em Lisboa, constata que o interesse crescente é demonstrado pelo “consumidor privado”, que começa a interessar-se pelas várias vantagens de “interagir mais proximamente e continuamente com a Natureza”, além de valorizar o “espaço urbano”. A este “boom”, acresce que as questões ligadas ao ambiente e a maior preocupação com a “alimentação” e a “utilização de recursos não sustentáveis nas práticas convencionais da agricultura” abrem outras oportunidades ao nível de instalação de hortas urbanas comunitárias ou institucionais. Exemplo disso são os “projetos ligados a instituições de carácter social”, onde o objetivo é “produzir para quem precisa” ou até, ao nível corporativo, “o desenvolvimento de projetos para hortas em centros comerciais que procuram fechar ciclos e diminuir a quantidade de resíduos desperdiçados”. Tal como em outras áreas, a pandemia veio estimular a tendência de um maior contacto com a natureza, com um “maior interesse das pessoas em trabalhar a sua autossuficiência e controlo sobre as formas de produção de alimentos”, após as “quebras de cadeias de transporte e a revelação da fragilidade do nosso sistema alimentar”. Para Indira Andrade, são inquestionáveis as vantagens da introdução de hortas urbanas, pois “permite trabalhar a circularidade, sendo um complemento fundamental para as políticas de valorização de resíduos e para o equilíbrio ambiental”. Neste processo, o papel das autarquias é indispensável, mas a influência dos moradores é inquestionável e dá o exemplo de Telheiras, onde ocorreram “manifestações” populares “para impossibilitar a destruição de um espaço verde e consequente candidatura ao orçamento participativo para o mesmo local”.
*Este artigo foi publicado na edição 90 da Ambiente Magazine.