Por: Paulo Praça, Presidente da Direção da ESGRA – Associação para a Gestão de Resíduos
Em Portugal, a gestão e tratamento de resíduos urbanos encontra-se a cargo dos Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU). Estes sistemas, empresas de âmbito plurimunicipal, tal como nos outros países da União Europeia, asseguram a prestação de um serviço que é classificado legalmente de natureza pública essencial, precisamente pelo papel que desempenham na promoção do direito ambiental, como um direito de todos os cidadãos a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado.
Assim, dados os fins a que esta tarefa se destina – serviços de interesse geral que visam a prossecução do interesse público e por isso, sujeitos a obrigações específicas de serviço público – o seu exercício encontra-se estrita e rigorosamente vinculado ao cumprimento dos princípios de universalidade, garantia de igualdade e qualidade do serviço, transparência, proteção da saúde pública e do ambiente, bem como de eficiência e melhoria contínua na utilização dos recursos afetos.
Atualmente, a produção de resíduos urbanos por parte da população é muito superior às metas a que Portugal se obrigou a cumprir, entre outras metas a que estes sistemas se encontram obrigados a atingir, quer de valorização dos resíduos produzidos quer da diminuição da quantidade que é depositada em aterro.
Tratam-se de metas muito exigentes cujo grau de ambição tem vindo sempre a aumentar. A título de exemplo, para vermos a distância a que nos encontramos: em 2020 Portugal depositou em aterro aproximadamente 60% do total dos resíduos produzidos pela população, quase o dobro do que era o objetivo fixado para este ano, e em 2035 terá de limitar-se a 10% da produção total de resíduos urbanos.
Com efeito, nos últimos anos, este setor tem tido muitas dificuldades em atingir as metas a que Portugal se comprometeu a nível europeu, para prosseguir os objetivos que lhe foram atribuídos, por um conjunto de circunstâncias e motivos que, na sua grande maioria, lhe são alheios.
Ainda recentemente , a pandemia constituiu um desafio exigentíssimo, a que o setor conseguiu dar resposta, na medida em que continuou a assegurar a prestação de serviço de garante da salubridade pública, com um aumento de custos financeiros inesperados e sacrifícios de todo o setor, sendo que do ponto de vista de medidas de apoio, pouco ou nada mais contou do que com recomendações e orientações de cariz operacional, para continuar a assegurar os deveres a que está vinculado, o que cremos ser unânime, ter alcançado.
Mas pior do que não ter contado com apoios financeiros para compensar os custos inesperados com que se viram confrontados para continuar a assegurar a gestão e o tratamento de resíduos urbanos – agora especialmente perigosos e contaminados – foi ainda ter que suportar o pagamento de uma “taxa”, denominada Taxa de Gestão de Resíduos Urbanos Não Repercutível (TGR-NR), a favor dos cofres do Estado, por não ter cumprido as metas de 2020. Ano este, reconhecidamente, crítico para todos os setores, mas em particular para o setor da gestão de resíduos urbanos, na medida em que não só não beneficiou de medidas de apoio, como ainda foi penalizado por não ter cumprido as metas de 2020. Metas estas que o Governo negociou com Bruxelas derrogar a sua monitorização para 2022, defendendo que o seu incumprimento se deveu a motivos imprevistos e alheios à sua responsabilidade, como foi a suspensão durante mais de dois anos dos apoios comunitários destinados a este setor para o dotar dos meios necessários para alcançar o desempenho exigido. Mesmo com a derrogação concedida, a penalização não deixou de ser aplicada aos SGRU num valor global superior a um milhão de euros.
Acrescente-se que as receitas das taxas pagas pelos Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos revertem a favor do Fundo Ambiental, supostamente destinadas a investir neste mesmo setor, de modo a corrigir os motivos que levam ao desvio do seu desempenho face às metas.
Porém, tal como se verificou com a pandemia, também as medidas que estão a ser adotadas para mitigar a escalada de preços dos combustíveis, muitas delas financiadas pelo mesmo Fundo Ambiental – para o qual o setor contribui por não conseguir cumprir as metas que o próprio Governo reconhece pública e externamente que se deve a motivos alheios ao próprio setor – não abrangem as atividades de natureza pública e essencial de recolha e tratamento de resíduos urbanos que, como se pode facilmente perceber, também precisam de combustíveis para a sua realização.
Esta ausência de interesse generalizado por parte das políticas públicas, com particular responsabilidade dos responsáveis da área do ambiente, pelo tratamento de resíduos urbanos, não é nova nem recente, mas é absolutamente incompreensível. A menos que haja uma consciencialização pública da sua importância e da prioridade que é evidente, desde logo pelo seu papel em todas as políticas ambientais, desde o combate à poluição e às alterações climáticas à suficiência energética de fontes renováveis, Portugal permanecerá como um país que a par de um dos melhores desempenhos de políticas energéticas, a nível europeu, obtém um dos piores resultados no desempenho de tarefas que até contribuem para o sucesso da política energética, mas que não beneficiam nem do investimento nem do mesmo entusiasmo.
Este artigo foi publicado na edição 93 da Ambiente Magazine