ESGRA apresenta propostas para um Quadro Legal coerente no setor dos resíduos

Tornar o quadro legal mais coerente, obter uma legislação sem interpretações dúbias e promover normas jurídicas que permitam a todos os agentes do setor dos resíduos construir um sistema adequado e que promova os reais princípios da sustentabilidade ambiental, são os principais objetivos das propostas que a ESGRA (Associação para Gestão de Resíduos) apresentou no quadro da consulta pública sobre a legislação de resíduos.

Esta consulta pública, que decorreu entre 6 e 20 de novembro, visou, segundo a Secretaria de Estado do Ambiente (SEA) e a APA (Agência Portuguesa do Ambiente), aprovar o novo regime geral da gestão de resíduos, o novo regime jurídico da deposição de resíduos em aterro, e proceder à alteração ao Decreto-Lei de 11 de dezembro, que unifica o regime da gestão de fluxos específicos de resíduos sujeitos ao princípio da responsabilidade alargada do produtor, conhecido como Unilex.

As propostas da ESGRA:

A ESGRA participou na consulta pública levada a cabo pela SEA e pela APA, apresentando, em comunicado, propostas em três áreas, a saber:

  • Alteração ao Unilex
  • Novo Regime Geral da gestão de Resíduos
  • Novo Regime da deposição em Aterro

Apesar disso a ESGRA considera “inadequado que o prazo de consulta tivesse apenas a duração de 14 dias e não um mês” como deve ser a prática nestes casos tendo, inclusive, “apresentado vários pedidos de prorrogação do prazo que não foram atendidos”. Isto, tendo em conta a “importância” e a “extensão” do acervo legislativo em causa, que os “prazos para a transposição das várias diretivas já se encontram ultrapassados”, que o “atual contexto, marcado pelos constrangimentos decorrentes da pandemia” e, sobretudo, que o “regime vigente apresenta problemas profundos ao nível da sua falta de clareza, estabilidade, segurança e confiança jurídicas”, lê-se no comunicado.

A atual situação de dificuldades que o setor dos resíduos urbanos vive, a vários níveis, justificaria, segundo a ESGRA, que tivesse sido permitida uma “reflexão mais aprofundada sobre as alterações previstas”, com a “perspetiva e expetativa de se poder alcançar um regime claro e estável” que possa “perdurar e funcionar adequadamente, o que não nos parece possível no prazo fixado”.

Propostas de alteração ao UNILEX

  • Sacos do Lixo

No que respeita às alterações ao regime da responsabilidade alargada do produtor a ESGRA lamenta que ainda não tenha sido apresentada uma proposta de solução para a questão dos sacos do lixo, através da sua integração no fluxo de resíduos de embalagens. Isto, tendo em conta que são exatamente do mesmo material e que o aumento do seu consumo resulta da tributação dos sacos dos supermercados que, apesar de ter trazido o bom hábito de utilização de sacos reutilizáveis para as idas às compras, levou ao aumento do consumo de sacos do lixo em substituição da utilização daqueles sacos para acondicionar os resíduos.

A ESGRA apresentou uma proposta para acomodar estes sacos de plástico, vendidos ao consumidor para acondicionar os resíduos, no SIGRE – Sistema Integrado dos Resíduos de Embalagem.

  • Embalagens reutilizáveis

Também não é claro para a ESGRA como será feita a gestão do resíduo final das embalagens reutilizáveis. Da nossa experiência, verifica-se o aparecimento de muitas destas embalagens nos equipamentos de recolha seletiva. Deveriam de alguma forma integrar também o SIGRE.

  • Embalagens secundárias e terciárias

Atualmente os sistemas de gestão de resíduos urbanos enfrentam um problema financeiro e também operacional decorrente de diversas vicissitudes a que são alheios e que se prende com o âmbito do SIGRE, em que muitas das embalagens e resíduos que vão parar aos ecopontos dos SGRU, apesar de serem exatamente iguais, não estão a ser consideradas no âmbito da responsabilidade das entidades gestoras destes fluxos. Segundo a ESGRA, desde meados de 2019, essas entidades gestoras deixaram de pagar pela sua retoma os valores que, desde a criação do SIGRE e desde a atribuição das respetivas licenças, sempre foram assumidos, sem que tenha havido qualquer alteração legislativa que o justificasse para que naquela data fosse adotado outro entendimento ou prática.

Da apreciação da versão em consulta não parece à ESGRA que esta questão seja cabalmente resolvida, uma vez que as embalagens secundárias e terciárias provenientes do comércio, serviços e indústria deixam de estar abrangidas pela responsabilidade alargada do produtor. Ou seja, teremos embalagens que não se encontram abrangidas pela responsabilidade alargada do produtor, mas que pela experiência sabemos que estas embalagens aparecem nos equipamentos de recolha seletiva sob a responsabilidade dos SGRU.

Propostas de alteração ao novo Regime Geral de Gestão de Resíduos (RGGR)

Quer a produção de resíduos quer a sua prevenção dependem da conjugação de um complexo conjunto de fatores que não dependem da capacidade de atuação do setor dos resíduos, mas antes das políticas de consumo e produção. A ESGRA sugere assim a eliminação das metas de prevenção previstas no RGGR cuja tipologia de medidas não dependa das atribuições e responsabilidade para a sua implementação por parte da Autoridade Nacional de Resíduos. As metas a que se refere são as que “com a finalidade de dissociar o crescimento económico dos impactos na saúde humana e no ambiente associados à produção de resíduos” estão estabelecidas no “calendário de metas relativas à prevenção e à redução da produção de resíduos e da sua perigosidade”, especificamente:

  • Em 2025, reduzir em 10 % a quantidade de resíduos urbanos produzidos por habitante face aos valores de 2018;
  • Em 2030, reduzir em 25 % a quantidade de resíduos urbanos produzidos por habitante face aos valores de 2018;
  • Em 2025, reduzir a quantidade de resíduos alimentares nos estabelecimentos de restauração coletiva e comercial e nas cadeias de produção e de abastecimento, incluindo as indústrias agroalimentares, as empresas de catering, os supermercados e os hipermercados, em 25 % face aos valores de 2015;
  • Em 2035, reduzir a quantidade de resíduos alimentares nos estabelecimentos referidos na alínea anterior em 50 % face aos valores de 2015;
  • Em 2025, reduzir em 5 % a quantidade de resíduos não urbanos por unidade de produto interno bruto (PIB), em particular no setor de construção civil e obras públicas, face aos valores de 2018;
  • Em 2035, reduzir em 10 % a quantidade de resíduos não urbanos por unidade de PIB, em particular no setor de construção civil e obras públicas, face aos valores de 2018.

Estas e todas as metas que decorrem das Diretivas Comunitárias são extremamente ambiciosas para quase todos os países da UE, mas igualmente pouco realistas no contexto nacional.

Propostas de alteração ao Regime da Deposição em Aterro

Quanto à TGR (Taxa de Gestão de Resíduos) a ESGRA apresenta muitas preocupações, para as quais já tem vindo a aler. Para começar, “desconhece-se o racional para o aumento proposto que atinge o valor de 40€ em 2025 e que se traduzirá num encargo excessivo para os municípios e para os cidadãos”, injustificadamente, na medida a que “até agora não se demonstrou que o valor da TGR tenha produzido os resultados pretendidos”.

Por outro lado, acrescenta a ESGRA, a percentagem da TGR que “reverterá para os municípios é apenas de 30% (menos de um terço) o que nos parece claramente desajustado e pouco razoável”, bem como se considera “desajustado que, da percentagem da TGR que reverterá para a APA, só 35% da mesma será alocada ao Fundo Ambiental”.

Acresce que, até agora, a regulamentação nacional tem tratado de modo equitativo as várias formas de valorização energética de resíduos (vertente incineração), nomeadamente, no que diz respeito à fiscalidade aplicável, algo que parece ser justo à ESGRA. “Foi por isso com surpresa e apreensão que vimos essa abordagem quebrada na presente proposta de RGGR”, diz a associação.

De facto, na versão em consulta, são propostas percentagens diferentes da TGR de aterro para a valorização energética dedicada e para a valorização energética de resíduos praticada na indústria, com benefício de 10% da TGR de aterro para esta última. “Não compreendemos em que é que se fundamenta tal dissemelhança e reclamamos que se mantenha o tratamento equitativo que tem vigorado”, lê-se no comunicado.

Adicionalmente, a TGR para a incineração dedicada de resíduos é agravada, e só para esta, quando nesta são utilizados resíduos “adequados para reciclagem ou outra valorização material”. Esta determinação merece-nos dois comentários:

  • “Por um lado, agrava o desequilíbrio acima referido, relativamente a outras formas de valorização energética que não sofrem este agravamento, apesar de estas poderem, igualmente, utilizar resíduos “adequados para reciclagem ou outra valorização material”.
  • “Por outro, esta determinação é fonte de grande injustiça potencial entre os Municípios de um mesmo Sistema de gestão de resíduos”.

De facto, uma vez que as caracterizações da composição dos resíduos são feitas ao nível do Sistema e não do Município, o agravamento da TGR por motivos da composição dos resíduos pode ser “injusto” para alguns Municípios, uma vez que “não se sabe quais os Municípios que estão a enviar para o sistema resíduos com potencial de valorização energética”, a menos que se comece a “praticar a caracterização dos resíduos a nível municipal”, o que parece “impraticável” e um “custo claramente excessivo para o benefício que daí pode decorrer”, declara a ESGRA.

Do ponto de vista da ESGRA “há outros mecanismos muito mais simples e eficazes de levar os Municípios a promover a recolha separativa de resíduos,” como seja a “prática de tarifas diferenciadas para os resíduos entregues para incineração e para reciclagem”, já praticada pelas empresas. Pede-se assim que tal agravamento seja “eliminado em nome da eficácia, simplicidade de aplicação e justiça”, lê-se no comunicado.

Acresce que são “impostas penalizações específicas e exclusivas “aos “aterros para resíduos não perigosos geridos no âmbito dos sistemas multimunicipais ou intermunicipais de gestão de resíduos urbanos”, o que para a ESGRA é igualmente uma “discriminação negativa incompreensível para uma tipologia específica de aterros e para operadores específicos”, quando há, naturalmente, “outras tipologias de aterros e outros operadores, onde são eliminados resíduos adequados para reciclagem ou para valorização material”.

A ESGRA questiona igualmente a “justiça” e a “legalidade” de tal determinação, ao abrigo do princípio da igualdade, e reclama um “tratamento não discriminatório, nem com base na tipologia de instalação nem com base na entidade operadora ou responsável”. Considerando o “agravamento previsto”, em especial para 2025, “não se compreende que não se tenham previsto mecanismos de compensação/dedução em caso de ausência/insuficiência de soluções adequadas para a reciclagem ou a verificação de circunstâncias alheias”, refere a ESGRA em comunicado.

Em relação aos objetivos e metas de prevenção a associação chamou a atenção para o facto de se tratar de matéria de “extrema importância”, mas cujo o “sucesso depende pouco do setor da gestão de resíduos urbanos”, na medida em que “depende essencialmente dos hábitos de consumo e das políticas de produção e de mercado”, dependendo a “alteração do cenário da adoção de políticas e medidas de natureza transversal”. Neste sentido, alerta a ESGRA, seria “mais ajuizado dirigir as metas os consumidores e não aos sistemas, funcionando como uma medida de sensibilização ao cidadão”.

Ainda que ao longo do documento seja referenciada a importância do desenvolvimento de campanhas de comunicação a ESGRA considera esta matéria “pouco desenvolvida” tendo em conta a sua importância para o desempenho desta área.