Antes de se falar em “vantagens competitivas” sobre as empresas estarem comprometidas com os critérios ESG (Environmental, Social and Corporate Governance), é importante referir que se trata de uma “questão de sobrevivência”. É desta forma que Filipa Saldanha, diretora de Sustentabilidade do Crédito Agrícola, se refere à importância das empresas estarem comprometidas com estes desígnios. E parece não ter dúvidas: “Será a única via possível no futuro”.
Para justificar tal certeza, Filipa Saldanha começou por recorrer à letra “E” de ESG par achamar a atenção para a importância de se perceber que existe uma “ligação muito óbvia e forte” entre os recursos naturais e a produtividade de empresas de inúmeros setores económicos: “Mais de metade (55%) do PIB a nível global depende diretamente da biodiversidade e do bom funcionamento dos ecossistemas naturais. E os setores que mais dependem são cruciais para o desenvolvimento das nossas sociedades como a construção, a agricultura ou a alimentação e bebidas”. Por isso, “no futuro, vamos ter de garantir que os recursos naturais estão disponíveis em igual quantidade e qualidade. Senão, o que vamos a fazer é afetar a produtividade de empresas que são cruciais para o nosso desenvolvimento sustentável”, precisa. Enquanto “tópico quente da dimensão ambiental”, a responsável trouxe ainda o “clima” para cima da mesa, reiterando que “as empresas que não estejam adequadamente preparadas para gerir e antecipar tudo que seja riscos e impactos climáticos extremos (ondas de calor, incêndios, inundações ou secas extremas) podem vir a ter quebras abruptas na sua atividade económica e perder grande parte do seu valor”. Partindo para a letra “S”, a especialista em Sustentabilidade destaca a importância das pessoas, sejam funcionários, clientes ou comunidades envolventes: “Tudo o que sejam empresas que estejam adequadamente alinhadas com o respeito pelos direitos humanos na cadeia de fornecimento, bem-estar das comunidades envolventes e diversidade da inclusão nas suas equipas, serão empresas que terão mais capacidade para reter talento jovem , [terão] equipas mais motivadas e darão resposta às alterações dos consumidores e dos clientes, que estão mais alinhados com as preocupações ambientais e sociais”. Nesta dimensão, as questões regulatórias também têm peso: “As exigências e os requisitos em ESG são mais apertados e é uma questão de compliance, um fator que nenhuma empresa pode ignorar”, atenta.
Quanto à obtenção de financiamento, Filipa Saldanha parece não ter dúvidas que investidores e financiadores têm cada vez mais “apetite” por empresas que estão alinhadas com as preocupações de proteção ambiental, de boas práticas sociais e de governance: “Alguns investidores ou financiadores têm, por uma questão de pressão de mercado ou de regulatória reputacional, um propósito e alinhamento genuínos com os ODS”. Mas, independentemente da razão, a responsável acredita que se trata de “uma tendência muito marcada no mercado e que não voltará para trás”. O significado da letra “E” da sigla ESG fica mais uma vez patente nesta tendência, com “as instituições financeiras ou os bancos a estarem cada vez mais pressionados”, querendo fazer planos de neutralidade carbónica ou NetZero, exigindo que o foco se centre muito na descarbonização das atividades: “Visto que 90% das nossas emissões estão na cadeia de valor, naturalmente que vamos ter que descarbonizar a carteira de crédito e, por isso, vamos ter que ajudar os nossos clientes atuais a acelerar a transição para a sustentabilidade e, ao mesmo tempo, vamos priorizar tudo o que sejam investimentos novos em empresas que já estejam alinhadas como este critérios de descarbonização”.
No entender de Filipa Saldanha, é possível o capitalismo conviver com o ambientalismo, desde que nenhum destes seja radicalizado: “Se, por um lado, tivermos um capitalismo mais radical, em que o objetivo único é maximizar o lucro e responder a um único stakeholder e, por outro lado, se tivermos um ambientalismo radical, que defende a todo o custo políticas de crescimento que, muitas vezes, põem em causa o próprio progresso socioeconómico das comunidades e sociedades, isso não é possível”. Contudo, existem formas e modelos de capitalismos “mais responsáveis, equilibrados e conscientes”, como é o caso do conceito de “stakeholders capitals”, algo que remonta aos anos 50 do século XX e que já é aplicado por muitas empresas: “É um modelo que procura conjugar os objetivos lucrativos com o interesse de todas as partes interessadas, sejam as comunidades, o planeta ou os clientes”. Para Filipa Saldanha, “se os líderes do mercado ou instituições financeiras conseguirem fazer este exercício, em que conjugam retorno financeiro com os anseios e perspetivas dos seus principais stakeholders, conseguimos chegar a um modelo de desenvolvimento responsável e sustentável”.
Algo que parece ter levado à despreocupação da inevitabilidade da crise climática, da biodiversidade e, mesmo, das pandemias, foi a visão de curto-prazo: “Tudo isto eram riscos societais, que já estavam há muito a ser alertados pela comunidade científica. E não falo só pelos agentes económicos, mas o próprio Estado ou os ciclos eleitorais, que também não ajudam a integrar o valor a longo prazo na sociedade”. Tratando-se, contudo, de um problema da “humanidade”, Filipa Saldanha atenta na necessidade de um “esforço coletivo” para dar resposta ao problema. Focando-se nas empresas, a responsável acredita que “muitos constrangimentos a curto-prazo” vão agudizar-se em contexto de crise: “Em Portugal, estamos numa situação de custo alto de nível de vida e, obviamente, que as empresas vão ter problemas de tesouraria e de liquidez, sendo, por isso, muitas vezes difícil fazê-las perceber que têm de integrar o valor a longo prazo da sociedade no topo das suas prioridades”. Por isso, os líderes do mercado (bancos, instituições financeiras ou CEO) têm aqui uma responsabilidade acrescida de se antecipar, pois, ao fazê-lo, vão criar “externalidades positivas” em toda a cadeia de valor: “Toda a sua cadeia de valor, que inclui PMEs e pequenos negócios ou fornecedores, também terão de começar a integrar esta perceção na sua estratégia de crescimento”. Aqui, os bancos podem ter um papel muito importante no sentido de assegurar não só incentivos financeiros, como também ajudar os seus clientes a transitar para a sustentabilidade: “Muitas PME não têm o conhecimento e a capacidade para começar e os bancos devem adotar uma postura mais pedagógica e consultiva em contexto de proximidade, para ajudá-las a ter ferramentas e a estar mais aptas a acelerar a sua transição para sustentabilidade”.
Filipa Saldanha foi convidada do primeiro episódio da segunda temporada das Welectric Talks.