Escassez de oportunidades ou desigualdades de género são alguns dos entraves que as mulheres rurais enfrentam
No âmbito do Dia Internacional da Mulher, assinalado esta terça-feira, 8 de março, a Ambiente Magazine dá a conhecer, através de uma entrevista com Clara Serrano, vice-presidente da Corteva Agriscience, um programa que visa distinguir o papel que as mulheres rurais desempenham no setor, apoiando-as no desenvolvimento dos seus projetos e tornando-os realidade. Lançado em 2021, o TalentA, que nasce de uma parceria entre a Corteva e a CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal), afirma-se como um projeto pioneiro de formação e financiamento para mulheres empresárias rurais que trabalham em projetos no setor agrícola ou agroalimentar.
Ao programa podem concorrer todas as mulheres com projetos nas áreas agrícolas e agroalimentares desenvolvidos em meios rurais até 20 mil habitantes, exceto ilhas, localidades rurais ou distritos com maior dispersão geográfica, e com projetos em fase inicial, de planeamento ou já implementados em ambientes rurais, que pretendem dar início uma nova linha de negócio ou melhorar a que já têm.
De acordo com a vice-presidente da Corteva Agriscience, os projetos finalistas são avaliados por um júri composto por representantes peritos da Corteva e da CAP, que se concentram em critérios como a “inovação”, a “luta contra o despovoamento”, o “impacto e a sustentabilidade”, a “instabilidade económica” e a “possibilidade de replicar o negócio”. De todas as candidaturas recebidas, são selecionados três projetos finalistas. A distinção é feita através de dois prémios distintos: um primeiro que inclui um “apoio financeiro de cinco mil euros”, o “acesso a um programa de formação” e, é acompanhado por uma “campanha de divulgação e visibilidade entre parceiros, instituições, meios de comunicação social e redes sociais”. O segundo é entregue aos restantes dois projetos finalistas que, além da “campanha de divulgação e visibilidade”, vão receber “formação durante o ano de 2022”, acrescenta a responsável.
Apesar da iniciativa estar na ainda segunda edição, Clara Serrano faz um balanço muito positivo, onde já se contabilizam “140 inscrições” de empreendedoras rurais portuguesas: “É a prova de que as mulheres são muito necessárias à sobrevivência do meio rural”. Da primeira edição, Sónia Brito, foi a grande vencedora com a “SR Berry”, um projeto que nasceu no Algarve e que tem como objetivo alargar a capacidade de produção de diospiros. Os dois restantes prémios foram atribuídos a Gilda Preto, com o projeto de biotecnologia para a propagação de plantas in vitro; e Aline Domingues, com o projeto “Menina d´uva”, que recupera vinhas velhas que têm entre 30 e 65 anos, localizadas na região de Vimioso, para produção de vinho biológico.
A CAP, enquanto parceira deste projeto, tem a missão de “defender os interesses da agricultura portuguesa no país e no estrangeiro”, salvaguardando sempre a “defesa de uma vida digna e de qualidade para todos os agricultores” que desejam continuar a sua atividade: “O papel da CAP, além da ajuda na seleção dos projetos vencedores, é dotar as finalistas de formação na área da agricultura para que possam levar os seus projetos mais além”, refere.
[blockquote style=”2″]Há ainda grandes desigualdades e muito trabalho a ser feito[/blockquote]
Questionada sobre os maiores entraves que o meio rural enfrenta, Clara Serrano aponta como principais, o “despovoamento”, as “desigualdades de acesso e de mobilidade”, a “falta de meios técnicos e especializados”, as “alterações climáticas”, a “instabilidade económica” e ainda os “impactos da pandemia”. Face a estes desafios, a Corteva acredita que a “formação e o apoio financeiro” são a “chave de sucesso” para que a cadeia agrícola e pecuária sobreviva aos desafios.
E porque o tema principal é a mulher, Clara Serrano não tem dúvidas do “papel indiscutível” que todas desempenham na “agricultura familiar e no mundo rural português”, onde asseguram “parte significativa do trabalho nas explorações”. Ainda assim, são muitos os desafios que enfrentam: “Por um lado, a escassez de oportunidades de emprego, a falta de acesso a formação e tecnologias para desenvolver a sua atividade produtiva, e por outro, a desigualdade de género que resulta em salários mais baixos”, lamenta. Citando os dados da edição de 2019 das Estatísticas da Agricultura, Floresta e Pescas, divulgadas pelo Eurostat, a vice-presidente da Corteva constata que o setor continua dominado por homens: “as mulheres representam apenas 28,4% dos trabalhadores rurais”. Estes números são um “contributo negativo”, no sentido em que “as mulheres continuam a deslocar-se para as áreas urbanas”, resultando no “aumento da desertificação rural: um problema social a combater em Portugal”, sustenta. Um outro estudo de 2019 do Centro de Competências de Luta Contra a Desertificação, citado pela responsável, indica que “60% do território português apresenta suscetibilidade moderada à desertificação” e “11% uma suscetibilidade alta”, o que dita ainda mais a necessidade de se combaterem estas desigualdades nos próximos anos e continuar a criar oportunidades para as mulheres se fixarem no meio rural: “O apoio, o empoderamento económico e as políticas rurais são essenciais para que as mulheres possam decidir a sua trajetória profissional”, atenta. É precisamente no reconhecimento do papel das mulheres e no seu contributo para garantir a sobrevivência das “áreas agrícola e pecuária” e das “áreas rurais” que a Corteva se tem centrado: “Trabalhamos para promover e defender uma agricultura mais sustentável, equilibrada e que fomenta a inclusão das mulheres em todos os eixos da cadeia produtiva”.
Apesar dos progressos registados em Portugal, Clara Serrano admite que há ainda grandes desigualdades e muito trabalho a ser feito: “É por isso que na Corteva estamos empenhados na causa e damos prioridade à criação deste tipo de iniciativas reais que realmente dêem um impulso não só às mulheres que são selecionadas, mas também para dar visibilidade ao problema, ao sector e à sociedade em geral”.
A vice-presidente da Corteva não quis deixar de recordar que, o setor agrícola português, só ganha em ter as mulheres ligadas ao meio rural que o compõem: “São de extrema importância para contribuir para a riqueza do país, representando importantes exportações de produtos de valor, bem como para alcançar objetivos como a fixação da população rural e o cuidado e manutenção do ambiente”.
Mesmo com a situação atual da agricultura na União Europeia obrigar os agricultores a “modernizarem-se”, a “profissionalizarem-se” e a “cumprirem as mais rigorosas normas ambientais e de sustentabilidade”, Clara Serrano atenta que estes avanços devem também ser acompanhados por “políticas sociais” que tragam realmente mudanças a fim de “eliminar todas as barreiras que ainda hoje existem”, tanto a nível europeu como em Portugal.
Quais as perspetivas para o futuro?
“Apesar das dificuldades do momento atual em que o mundo se encontra e do mercado português ser relativamente pequeno, vamos continuar a elevar as mulheres num compromisso com o futuro do mundo rural e esperamos lançar em breve a 3ª edição do programa TalentA, com o objetivo de amenizar desigualdades e apoiar mulheres que se dedicam incondicionalmente à agricultura”.
A Corteva e a CAP escolheram o Dia Internacional da Mulher para anunciarem as vencedoras da segunda edição Programa TalentA Portugal.