A Ambiente Magazine esteve à conversa com Marta Neves, Presidente da Comissão Executiva da Valorsul, entidade que completa este ano, a 16 de setembro, os 30 anos de existência na gestão, tratamento e valorização de resíduos urbanos na zona de Lisboa e região Oeste de Portugal. Depois de nos fazer um balanço dos 30 anos de vida da entidade em Portugal, numa primeira parte da entrevista já publicada, a gestora defende um plano mais realista para que as metas de 2030 sejam alcançadas, e lembra que é impossível cumprir metas sem fazer investimentos. Leia agora a 2.ª parte desta Grande Entrevista.
O novo Governo diz querer inverter o ciclo de incumprimento das metas de recolha, aumentar o tempo de vida dos produtos e transformar os resíduos em matérias-primas. Que comentários faz a estas intenções?
Acho que as intenções fazem todo o sentido, fazem parte da lógica da economia circular e é isso que está presente a nível europeu. O tema é “como lá chegamos”.
Para aumentar o tempo de vida dos produtos a sociedade e as empresas têm um importante caminho a percorrer na área da sustentabilidade, que implica, em muitos casos, repensar completamente o design dos produtos e serviços com vista à sua reutilização ou reciclagem. Relativamente à recolha seletiva, o mais determinante vai ser passarmos a separar em nossas casas os resíduos alimentares. Representam cerca de 40% dos resíduos urbanos e farão toda a diferença no cumprimento das metas quando estes resíduos começarem a ser enviados de forma massiva para reciclagem. Além de ser muito importante, do ponto de vista ambiental, não ter estes biorresíduos depositados em aterro. Mas estamos, ainda, a iniciar estas recolhas em muitos municípios e isto determina que exista um plano mais realista sobre a forma e como vamos alcançar as metas de 2030.
Se o Governo quer dizer, com estas declarações, que vai revisitar este tema, acho que é importante fazê-lo no sentido de tornar o plano realista, partindo do ponto em que atualmente nos encontramos e definir o que vamos alcançar e quando.
Estamos em 2024 e ainda estamos em processo de aprovação dos planos de ação. A título de exemplo, nos dias de hoje, após a respetiva compra, não conseguimos receber uma viatura em menos de um ano. No pós-pandemia e face às guerras em curso, os prazos de fornecimento estão muito mais alargados e os preços são mais elevados e implicam fortes investimentos. Tudo isto leva a que seja necessário revisitarmos o PERSU 2030, cientes que tal terá de ser efetuado também a nível comunitário. Mas concordo no ponto em que não devemos tirar o pé do acelerador. Temos de ser ambiciosos nas metas a alcançar e isso implica responder a “como”, “com que meios” e “de que forma conseguimos cumprir”.
Temos de ser ambiciosos nas metas a alcançar e isso implica responder a “como”, “com que meios” e “de que forma conseguimos cumprir”
Muitas entidades concordam com as metas, mas reclamam dos elevados custos de investimento que estas acarretam.
Não é possível cumprir metas sem investimento. Desse ponto de vista, entender que este futuro investimento será apenas suportado pelos municípios e pela tarifa municipal, é algo que merece reflexão por parte do Governo. O tema financiamento foi sempre uma matéria muito difícil no setor dos resíduos. Este forte investimento tem de ser financiado tanto a nível privado como com financiamento público, e é preciso este equilibro sobre quais vão ser as fontes de receita. Depois há a questão do opex subjacente, pois a infraestrutura tem de ter pessoas, tem de ter manutenção, a recolha, combustível, viaturas, e tudo isto tem um valor. Este talvez seja o maior desafio de todos: como se vai financiar o valor global proposto nos planos de ação.
Mas tem de se começar por algum lado. A título de exemplo, os atuais valores de contrapartida pagos pelas entidades gestoras do SIGRE (Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens) às empresas que, como a Valorsul, procedem à recolha e triagem dos resíduos de embalagem de origem urbana, não cumprem a lei. A responsabilidade alargada do produtor quer dizer que o produtor de um determinado produto, quando o coloca no mercado, se responsabiliza pela recolha e tratamento da respetiva embalagem. Isto implica que os valores de contrapartida devem refletir, pelo menos, os custos da recolha e do tratamento das embalagens, situação que hoje não acontece.
Nestes planos, temos de assumir que todas as entidades estão em pé de igualdade para cumprir as metas. Não há aqui uma certa injustiça para empresas mais recentes, ou de menor ou maior dimensão?
As metas são diferentes em função da população que o sistema (entidade) abrange. De certa forma, o PERSU 2030 viu isso e a avaliação acaba por ser pensada a nível regional. Mantêm-se as metas individualizadas, mas também a ideia de que a região tem um contributo.
Há efetivamente sistemas em que os municípios lutam para comprar um carro de recolha indiferenciada. No fundo, exigir o mesmo modus operandi a todos os municípios traz desafios. Por exemplo, sistemas que têm muito menor população, acabam por ter um custo por tonelada mais elevado, comparativamente ao custo por tonelada nas áreas de Lisboa e do Porto.
Desde 1 de janeiro de 2024 que é obrigatória a recolha de biorresíduos em todos os municípios portugueses, mas o novo Governo falou que iria atualizar esta estratégia. O que devia ser aqui priorizado?
A recolha seletiva de biorresíduos é absolutamente essencial para que Portugal possa cumprir as metas futuras. Isto é um novo fluxo e tem de ser interiorizado, pois traz desafios de gestão que o papel, o vidro e o plástico não traziam, nomeadamente em termos de odores e em termos de necessidade de recolha. É uma gestão operacional completamente diferente. Do ponto de vista dos municípios, este fluxo tem um peso de investimento significativo e depois, do nosso lado, o seu tratamento. Como tal, é imperativo o financiamento público desta atividade.
Sensibilizar e depois não haver capacidade para recolher e tratar, no fundo, não tem impacto.
Por outro lado, é importante a sensibilização do cidadão, que, contudo, deve ser sempre acompanhada pelos investimentos. Sensibilizar e depois não haver capacidade para recolher e tratar, no fundo, não tem impacto.
Mas não podemos esquecer que ainda há um longo caminho a fazer no trifluxo (vidro – verde, papel/cartão – azul e plástico/metal – amarelo). O trifluxo, em termos de sensibilização, ainda tem um potencial de crescimento importante.
Por Diana Fonseca. Fotos de Raquel Wise.