Entrevista II: “Há mais de duas décadas que Portugal investe na reciclagem, mas os resultados continuam aquém do esperado”
O CEO do Electrão, Pedro Nazareth, em entrevista à Ambiente Magazine, traça as grandes prioridades da organização para os próximos anos e faz um balanço dos 20 anos de existência do sistema, sublinhando que a missão do Electrão é “recolher, reutilizar e reciclar mais e melhor”. Não perca a 2ª parte desta Grande Entrevista.
Qual o ponto de situação da transposição da diretiva dos plásticos de uso único?
A transposição da Diretiva 2019/904 relativa aos plásticos de uso único foi completa e está publicada no Decreto-lei n.º 83/2022 de 9 de Dezembro. As empresas produtoras de produtos de tabaco, abrangidas pelo primeiro sistema de responsabilidade alargada do produtor, previsto nestes diplomas, entregaram o respetivo Caderno de Encargos três meses depois, em março de 2023. Aguarda-se, a todo o momento, a atribuição de licença para a gestão deste sistema integrado e o início da atividade.
As empresas produtoras já estão preparadas para as novas responsabilidades que esta diretiva traz? De que forma tiveram de se preparar?
Pouco tempo decorrido depois da publicação da Diretiva as empresas produtoras iniciaram um processo de aprendizagem e aprofundamento do conhecimento relativamente ao sistema de gestão fim de vida dos plásticos de uso único dos seus produtos. Foram acompanhando e participando no desenvolvimento de diferentes abordagens metodológicas relativas à caracterização deste sistema, com particular incidência nos comportamentos de descarte destes resíduos e nas atividades da limpeza urbana.
Este processo de aprendizagem permitiu às empresas produtoras nacionais conduzirem posteriormente um estudo análogo, adequado à realidade nacional, cujos resultados já foram apresentados publicamente no ano passado no encontro anual da Associação de Limpeza Urbana, que foi um parceiro central em todo este processo. Estamos em crer que foi o estudo técnico e económico mais aprofundado sobre estas matérias até à data realizado em Portugal. Estes resultados foram também partilhados com a Administração, com a Associação Nacional de Municípios Portugueses e Associação Nacional de Freguesias e constituem, como é lógico, a base do Caderno de Encargos entregue.
Como habitual na implementação da responsabilidade alargada do produtor, o sistema de fim de vida dos respetivos produtos adquiriu uma relevância recente mas, pelo caminho percorrido descrito, diria que as empresas produtoras nacionais estão bastante bem preparadas para assumir as suas responsabilidades.
O que tem feito o Electrão para apoiar estas empresas?
O Electrão foi, desde logo, a plataforma que promoveu a reunião das principais empresas produtoras nacionais, na grande maioria clientes do Electrão, noutros sistemas integrados, que as ajudou a compreender as suas obrigações e que as introduziu ao setor da gestão de resíduos e da gestão de fim vida dos plásticos de uso único.
O Electrão foi também o gestor de projeto que permitiu caracterizar os comportamentos de descarte, das atividades da limpeza urbana e dos respetivos fluxos de resíduos com particular destaque para os plásticos de uso único.
Assumimos a nossa vocação de especialista da gestão de resíduos, de gestão multifluxo de resíduos e de aplicação do princípio da responsabilidade alargada do produtor para propor às empresas produtoras o sistema de gestão de fim de vida para os plásticos de uso único que assegura um maior equilíbrio, um maior compromisso entre os objetivos ambientais e o respetivo impacto económico. Proposta esta que é discutida e ajustada com as empresas em articulação com os seus “headquarters” e que acaba por ser a matriz do Caderno de Encargos.
O que vai ganhar o país com esta nova diretiva e quando poderá começar a obter os frutos da mesma?
O sentido da Diretiva é o de prevenir o impacto de produtos de plástico de utilização única em fim de vida no meio ambiente e em particular no meio marinho, desafio este, que agora convoca as empresas produtoras para fazer parte.
A nova entidade gestora irá ter como principais parceiros os municípios portugueses com quem irá colaborar no sentido de promover a adequação de meios para o bom desempenho das atividades de limpeza urbana. É também expectável um reforço das componentes de educação e sensibilização ambiental para prevenir e alterar os comportamentos de descarte inadequados de resíduos na via pública ou no meio natural pela população. Estas duas atividades vão ser centrais para esta nova entidade e para que o nosso país tenha cidades e praias mais limpas e um meio natural preservado do impacto do descarte inadequado destes plásticos.
Temos a forte expectativa de ter a licença atribuída até ao final de 2023 e que o início de 2024 possa corresponder ao início da atividade desta entidade gestora.
Com esta diretiva Portugal está mais próximo da realidade a nível europeu nesta área?
Portugal liderou no processo de desenvolvimento e conceção do sistema integrado de gestão de plásticos de uso único e integrava o grupo de países que mais avançado estava nestas matérias. Corre agora o risco das empresas produtoras se verem impossibilitadas do cumprimento das suas obrigações legais se a licença para o início da atividade tardar a ser atribuída.
Portugal está hoje a reciclar mais ou menos do que antes da pandemia?
Portugal ainda não recuperou os valores de reciclagem e preparação para reutilização pré pandemia e que foram os resultados de melhor desempenho nos resíduos urbanos alguma vez verificados. No ano passado, em 2022, esta taxa era de 33%, o que espelha o longo caminho que há a percorrer de forma a dar resposta às metas preconizadas nas diretivas comunitárias que apontam para os ambiciosos objetivos de preparação para reutilização e reciclagem de 55% em 2025, 60% em 2030 e 65% em 2035.
A reciclagem dos resíduos urbanos está muitíssimo dependente da capacidade do país vir a separar para reciclar algumas famílias específicas de resíduos que compõem os resíduos urbanos e a responsabilidade alargada do produtor pode dar um contributo muitíssimo importante. Para além do contributo que necessariamente tem que vir dos bioresíduos, o país só poderá ambicionar cumprir as metas de reciclagem de resíduos urbanos se o fluxo das embalagens aumentar significativamente a taxa de reciclagem.
Há mais de duas décadas que Portugal investe na reciclagem, mas os resultados continuam aquém do esperado e a tecnologia ainda não consegue resolver tudo. Os cidadãos e as empresas têm que ser intervenientes ativos na hora de separar e enviar para reciclagem e o Electrão procura mobilizar os portugueses para o desafio da reciclagem através da promoção de inúmeras campanhas de sensibilização, educação e comunicação ambiental.
Citando alguns exemplos, o Electrão criou uma plataforma especialmente dedicada ao cidadão onde é possível encontrar informação sobre os pontos mais próximos onde entregar os resíduos: o Ondereciclar.pt. Desenvolve também outras campanhas para promover a recolha direta de resíduos, nomeadamente o “Quartel Electrão”, que incentiva a entrega de pilhas e equipamentos elétricos nas associações humanitárias de bombeiros voluntários. Em troca os soldados da paz são recompensados com incentivos financeiros e uma viatura para a associação vencedora. Ou a campanha “Escola Electrão” que envolve toda a comunidade escolar neste desígnio da reciclagem e que também distribui prémios pelas escolas. “Todos pelo IPO” é outro exemplo em que se promove a entrega de pilhas e equipamentos elétricos usados que são transformados num apoio financeiro a atribuir ao Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil.
O Electrão promove ainda outras campanhas específicas, como é o caso do TransforMAR, em parceria com o Lidl, que já permitiu retirar 227 toneladas de resíduos plásticos e de metal das praias portuguesas e do alto mar. Ou o “O Faz Pelo Planeta”, em que trazemos para a ribalta os ativistas ambientais menos conhecidos do grande público, denominados como “big changers”, que diariamente fazem a diferença em prol do ambiente, de forma a influenciar outros a adotar comportamentos mais sustentáveis.
A nível do Electrão, qual tem sido a evolução da atividade ao longo deste ano e como preveem chegar ao final de 2023?
O ano de 2023 foi o último ano do atual ciclo de licenças do Electrão para a gestão dos sistemas integrados de responsabilidade alargada do produtor de embalagens, elétricos e pilhas. A previsão é que seja mais um ano em que as quantidades de resíduos recolhidas e recicladas aumentarão expressivamente nestes sistemas. Isto apesar da continuidade de um contexto muitíssimo adverso de grande instabilidade e pressão financeira, consequência da total ausência de atividade da CAGER e de compensações económicas entre entidades gestoras.
Temos a expectativa de poder continuar o trabalho desenvolvido num novo ciclo de novas licenças, a iniciar a 1 de janeiro de 2024 e cuja atribuição aguardamos brevemente (na data da entrevista). Não podemos, no entanto, deixar de salientar o contexto de imprevisibilidade agravada para a nossa atividade neste final de ano pelas propostas de alteração que estão a ser apresentadas na revisão do RGGR e do UNILEX.
Antevemos por isso, um período próximo muito exigente e em que serão tomadas decisões pressionadas pelo calendário que vão ser fortemente condicionadoras do futuro dos sistemas de reciclagem da responsabilidade alargada do produtor e dos resíduos urbanos. Não estou nada seguro de que seja o melhor enquadramento para precipitar estas decisões que serão determinantes nos resultados da reciclagem do país.
*Esta entrevista foi publicada na edição 103 da Ambiente Magazine.