O novo Regime Unificado dos Fluxos Específicos de Resíduos (Unilex) foi um dos temas analisados por Ana Isabel Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde (SPV), nesta Grande Entrevista. À Ambiente Magazine, a gestora afirma que este é um instrumento fundamental para que o sistema seja mais eficiente e confiável. Alertou ainda para a necessidade de revisão do atual modelo económico de forma a atualizar os valores de contrapartida pagos pelas entidades gestoras aos municípios e sistemas de gestão de resíduos urbanos. Leia aqui a 1.ª parte desta Entrevista, publicada na edição 106 da Ambiente Magazine.
Foi recentemente promulgado o Regime Unificado dos Fluxos Específicos de Resíduos (Unilex). Como vê este decreto-lei que pretende ajudar a atingir as metas de reciclagem? Considera-o um instrumento positivo?
Sim, positivo e essencial. A legislação impacta significativamente a atividade do setor e a existência de mecanismos regulatórios eficazes é necessária para que o país possa avançar e atingir as metas de reciclagem para todos os Resíduos Urbanos. Neste sentido, a entrada em vigor do UNILEX vem contribuir para alinhar e preparar todos os agentes desta cadeia de valor para os enormes desafios relacionados com o cumprimento das metas de preparação para reutilização e reciclagem de todos os resíduos urbanos que temos a muito curto prazo, que nunca é demais relembrar: em 2025 teremos de estar a reciclar 55% de todos os resíduos urbanos, em 2030 serão 60% e em 2035 serão 65%.
O facto de o Unilex vir aumentar o prazo das licenças dos sistemas integrados de gestão de fluxos específicos é uma boa notícia para o setor?
A Sociedade Ponto Verde tem vindo a defender a necessidade de estabilidade do setor enquanto fator essencial para o cumprimento das exigentes metas que o país tem pela frente no que à reciclagem de todos os resíduos urbanos, dos biorresíduos às embalagens, diz respeito. A última revisão deste diploma vem, precisamente ao encontro desta perspetiva. O aumento do prazo de licenciamento de cinco para 10 anos cria condições de maior previsibilidade, estabilidade e transparência no setor, e de operacionalização e supervisão da atividade das entidades gestoras. Contribuirá para um sistema mais eficiente e confiável, e a prestação de um melhor nível de serviço ao cidadão, em qualidade e conveniência, resultando num melhor desempenho do SIGRE.
No que se refere aos valores de contrapartida pagos pelas entidades gestoras aos municípios e sistemas de gestão de resíduos urbanos, também está prevista a revisão deste modelo económico. Qual o seu comentário e de que forma pode ser benéfico?
A revisão do modelo económico para atualizar os valores de contrapartida é uma necessidade para a qual temos vindo a alertar ao longo dos últimos anos. A Sociedade Ponto Verde defende modelos racionais para o custeio das atividades de recolha, triagem e preparação para reciclagem e, para isso, é preciso debater, com transparência os modelos de cálculo de custos e receitas do SIGRE, com a participação de todos.
Consideramos, inclusivamente, que não ter existido atualização destes valores desde 2017 até outubro de 2023, foi altamente prejudicial para o desempenho e eficiência do SIGRE e dos Resíduos Urbanos em geral, o que constitui um dos fatores que mais tem criado constrangimentos e limitações à eficácia dos nossos parceiros operacionais, com quem trabalhamos todos os dias.
Um novo modelo de financiamento e de operação transparente, com base em custos justos e alicerçado em objetivos claros, orientados para o cumprimento das metas, é fundamental para a melhoria do desempenho do setor, clareza do seu funcionamento, e, sobretudo, para a confiança de todos no sistema de reciclagem de embalagens.
Qual é o estado da reciclagem no nosso país? Que balanço é possível fazer a nível dos resultados e das metas impostas a Portugal?
O balanço que fazemos, quando sabemos as metas que o país tem de alcançar, é motivo para deixar todos preocupados. Atualmente Portugal envia para aterro cerca de 57% de todos os resíduos produzidos, quando o compromisso do país a nível europeu é diminuir este valor para 10% até 2035. Isto traduz-se em 31 milhões de euros de embalagens desperdiçados só no fluxo das embalagens. Há muito por fazer.
No que à reciclagem de embalagens diz respeito, embora seja o único fluxo de resíduos urbanos a cumprir a generalidade das suas metas, existem também motivos de preocupação. A taxa de retoma global registada em 2023 foi de 55,3%, quando a meta para 2025 é de o país estar a reciclar, pelo menos, 65% de todas as embalagens colocadas no mercado. Os dados mais recentes do desempenho do Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagem (SIGRE) revelam que a reciclagem cresceu 3% no primeiro semestre de 2024, face ao período homólogo em 2023. Este nível de crescimento é insuficiente para cumprir com as metas.
Ainda que ao nível da globalidade dos materiais de embalagem o desempenho seja positivo, o vidro continua a merecer particular atenção, já que foram recolhidas 100.621 toneladas neste período, o que significa uma estagnação em comparação com igual período em 2023, mantendo-se como o único material de embalagem a não cumprir a taxa de reciclagem nacional.
Quais os principais desafios que se colocam ao setor no futuro?
Os desafios que se colocam estão relacionados com a atuação necessária para que consigamos atingir as metas que temos a muito curto prazo. O país tem de reciclar mais embalagens e para tal é importante apostar na prestação de um serviço mais conveniente e eficaz aos cidadãos, bem como na modernização e digitalização do setor. Para tal, o caminho passa pela inovação. A Sociedade Ponto Verde defende mesmo um “choque tecnológico” no setor. E já temos muitas soluções com projetos-piloto, temos agora que as escalar.
É preciso investir mais nas novas tecnologias e em IA, que assegurem infraestruturas de ecopontos mais modernos e inovadores, possibilitem soluções de incentivos e pay as you throw, recompensando o comportamento dos cidadãos, melhorem a triagem e otimizem toda a logística, incluindo as rotas da recolha destes resíduos, durante toda a operação.
Por Inês Gromicho. Publicado na edição 106 da Ambiente Magazine
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