O diretor-geral de Elétricos e Pilhas do Electrão, Ricardo Furtado, traça a estratégia da entidade gestora para a próxima década. Leia aqui a segunda e última parte desta grande entrevista.
A recolha de equipamentos elétricos porta a porta, que o Electrão está a dinamizar em vários municípios da Área Metropolitana de Lisboa está a dar frutos? Que balanço fazem da experiência?
O balanço é extremamente positivo. Ao nível da recolha das pilhas e equipamentos elétricos temos dois desafios: travar a acumulação em casa e combater o mercado paralelo, que perceciona estes equipamentos como tendo valor e os desvia para o setor ilegal sem acautelar a proteção da saúde pública e do ambiente.
Face a este cenário tínhamos duas possibilidades: ou esperávamos que a recolha camarária em todo o país fosse alterada e deixássemos de ter equipamentos elétricos na via pública ou avançávamos para a recolha por meios próprios. Optámos pela segunda opção. O sucesso alcançado demonstra o potencial da abertura do mercado a estas iniciativas mais operacionais das entidades gestoras, a que chamamos redes próprias, e que nos estão dificultadas em outras áreas.
Queremos alargar este serviço a mais municípios. De qualquer forma, neste momento, 25% da população nacional já tem acesso a este serviço, o que é muito significativo. A campanha porta a porta é apenas uma das iniciativas do Electrão que impulsiona a recolha. Desenvolvemos outras campanhas, com grande expressão nos resultados globais alcançados, como é o caso do Quartel Electrão e Escola Electrão.
O Electrão lançou em novembro o concurso para seleção dos Operadores de Tratamento de Resíduos de equipamentos elétricos para os próximos três anos, com possibilidade de prorrogação por mais dois anos. Quais as principais diferenças face ao último concurso lançado?
Este é um instrumento crítico para o SIGREEE [Sistema Integrado de Gestão de Equipamentos Elétricos e Eletrónicos] e estamos apostados em tornar este concurso o mais participado e transparente possível. Considerámos que seria importante ouvir as várias partes interessadas e lançámos um período de consulta prévia, não só aos operadores de tratamento de resíduos, mas também às associações representativas do setor, apesar de não existir essa obrigatoriedade.
Tivemos que cumprir um calendário apertado tendo em conta que as licenças foram publicadas a meio do ano. Este concurso foi lançado numa altura em que havia ainda muitas incógnitas já que não temos ainda modelo financeiro aprovado.
Há alguma novidade?
Todo o processo concursal, incluindo a avaliação das propostas, está a ser executado pela empresa de auditoria e consultadoria KPMG Portugal, de forma totalmente independente. Outra inovação é a constituição de uma comissão de acompanhamento, que seguirá todo o processo. É constituída por representantes do Electrão, da ZERO – Associação Sistema Terreste Sustentável e Marques Bom & Associados. No momento em que gravamos esta entrevista não temos ainda resposta da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e da Direção Geral de Atividades Económicas (DGAE), que também foram convidadas. Neste concurso as candidaturas serão ponderadas com base em critérios ambientais, que terão um peso significativo de 52%, face aos critérios económicos que representarão 48%. Estamos a privilegiar ainda a proximidade do destino de reciclagem face ao local de produção.
Elevaram a fasquia das exigências ambientais?
Sim, sem dúvida. Neste procedimento concursal o Electrão pretende garantir que são cumpridas as melhores práticas. Será obrigatória a certificação CENELEC, uma das mais exigentes a nível internacional para o tratamento de equipamentos elétricos, para todos os lotes classificados como resíduos perigosos, como frigoríficos, televisões e lâmpadas. Para as outras tipologias não será obrigatório, mas essa certificação irá majorar a candidatura. Outro facto novo é que estamos a assumir a retoma de algumas frações consideradas críticas, como os plásticos com Poluentes Orgânicos Persistentes (POP), pilhas e baterias, cartuchos de toner/tinteiros e lâmpadas, o que não era até agora prática das entidades gestoras. Estamos a exigir quantidades mínimas por tonelada tratada de forma a encaminhar esses materiais para os locais mais adequados. Estamos a ponderar vir a retomar outras frações no futuro para controlar melhor a eficiência do tratamento.
O Electrão está a equacionar reforçar a componente operacional particularmente para a gestão destes dois fluxos específicos: pilhas e elétricos?
O Electrão considera que a verticalização da sua atividade é fundamental para a gestão mais eficiente dos seus resíduos. Avançámos com um armazém na zona de Lisboa que nos permitiu lançar projetos, como o porta a porta e a reutilização, com meios próprios. Este ano ultrapassaremos as 1000 toneladas de recolha de equipamentos elétricos e pilhas, mas o objetivo é alargar esta pegada a outras zonas do país tendo armazéns próprios e meios de recolha próprios geridos internamente. Esta estratégia permite-nos ter uma ideia bastante definida de quais são os desafios que estas recolhas impõem no dia a dia e possibilita a identificação de áreas críticas suscetíveis de melhorias. Pretendemos identificar determinadas áreas que ainda não cobertas pelos operadores tradicionais e oferecer uma solução eficiente.
Em termos gerais quais são os maiores desafios a superar?
O Electrão tem a expectativa de cumprir as metas estabelecidas para este horizonte de 10 anos definido pelas novas licenças. É esse o nosso compromisso com o Estado, com o país e com o ambiente, independentemente de considerarmos que poderão ser injustas em alguns pontos e apesar de todas as dificuldades e especificidades do nosso país.
Temos muitos desafios a superar, nomeadamente a melhoria da eficiência dos canais instituídos de recolha. Estamos muito empenhados em olhar para a recolha indiferenciada porque sabemos que por mais esforços e resultados que tenhamos na recolha seletiva continuaremos a encontrar, infelizmente, pilhas e equipamentos elétricos no caixote do lixo indiferenciado ou misturados nas sucatas. Estamos apostados em estabelecer parcerias com os municípios e Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos, bem como com os operadores de sucatas, para conseguir segregar do indiferenciado estas frações.
Gostaria de realçar mais algum aspeto?
É cada vez mais importante o papel do distribuidor e esta questão vai ser uma pedra de toque no futuro. É o distribuidor que tem o contato com o consumidor e pode passar as mensagens certas no sentido da retoma de pilhas e equipamentos elétricos usados. Estamos focados em desenvolver projetos que permitam a recolha em loja destes resíduos e também a retoma de equipamentos usados em contexto de vendas online. De cada vez que se vende um determinado equipamento online tem que oferecer-se ao consumidor a possibilidade de entregar o antigo. Isto tem passado fora do radar. Por isso a recolha via postal destes equipamentos elétricos, de forma gratuita para o cidadão, como se de o envio de uma encomenda se tratasse, é a nova aposta do Electrão.
*Esta entrevista foi publicada na edição 108 da Ambiente Magazine