O diretor-geral de Elétricos e Pilhas do Electrão, Ricardo Furtado, traça a estratégia da entidade gestora para a próxima década. Leia aqui a primeira parte desta grande entrevista.
O Electrão viu renovadas este ano as novas licenças que passam a vigorar por um período de 10 anos. Quais são as grandes vantagens deste novo figurino?
Permite-nos maior estabilidade e a oportunidade de planear a longo prazo. Há projetos que são estruturantes para os sistemas de reciclagem que o Electrão gere e só faz sentido desenvolvê-los na lógica de uma maior duração. Os resultados não são imediatos e as medidas requerem tempo de concretização e maturação. Por outro lado, é crucial para a nossa relação com os operadores de reciclagem. Estamos perante resíduos que têm uma complexidade cada vez maior ao nível de tratamento, o que exige investimentos que só se justificam quando há uma relação contratual de médio-longo prazo, o que não era possível até agora com as licenças de menor duração.
Quais são as grandes alterações que decorrem deste novo ciclo de licenças, especialmente no que diz respeito à gestão de pilhas e equipamentos elétricos usados?
A mais importante tem que ver com esta questão da duração. Depois, no caso das pilhas e baterias, transitámos de três para cinco categorias, o que irá permitir-nos ter uma atenção mais focada em tipologias emergentes que estão a ganhar grande importância, nomeadamente as baterias para meios de transporte ligeiros, categorias que estavam no âmbito industrial, e as próprias baterias dos veículos elétricos. O Electrão tem ambições significativas no sentido de apresentar soluções muito direcionadas para essas duas categorias. Como aspeto negativo realçamos o facto de não termos ficado com o âmbito completo, na medida em que não nos foi atribuída licença para a gestão das SLI (Starting, Lighting and Ignition). São baterias que surgem misturadas nos restantes fluxos e que hoje em dia já recolhemos nos nossos canais de recolha. Numa lógica de multifluxo e de one stop shop faria sentido que as geríssemos também.
Alguma outra alteração mais relevante?
É interessante focar um aspeto que já temos vindo a ponderar, mas que ainda não tínhamos implementado por falta de suporte legal, que é o desenvolvimento de incentivos para o consumidor. Os métodos de recolha tradicionais têm limitações objetivas, que estão bem patentes nos resultados que registamos. Abre-se uma nova possibilidade de desenvolver incentivos para impulsionar a entrega de equipamentos elétricos para reciclagem. Não são incentivos direcionados para os parceiros, como os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) ou as grandes empresas. A lógica é atribuir um incentivo direto ao cidadão.
Já existe algum modelo estudado?
Consideramos que não é através dos sistemas de depósito que devemos operacionalizar o incentivo ao consumidor porque o sistema de depósito, muito interessante para as embalagens, não é adequado para os elétricos e para as pilhas. Nestes fluxos precisamos de resultados rápidos. O modelo passa por incentivos financeiros diretos a quem entrega os equipamentos nos locais certos para reciclagem. O valor ainda não está decidido.
Os painéis fotovoltaicos, por exemplo, constituem uma preocupação? Isto porque estão a entrar em força no mercado…
Esta é uma questão que estamos a discutir com a tutela. Trata-se de uma tecnologia relativamente nova, que não substitui nenhuma outra, e que está a entrar no mercado em quantidades avassaladoras. Temos aqui uma preocupação: a taxa de recolha que está a ser imposta é virtual. Isto porque as metas são calculadas tendo como referência aquilo que é colocado no mercado. Como estes painéis têm um período de vida útil muito longo, na ordem dos 25 anos, estamos a ser empurrados para uma situação de incumprimento da meta de recolha. Estes painéis estão a ser colocados em grandes quantidades no mercado, mas demorará até que fiquem disponíveis para reciclagem. Pela primeira vez há abertura da tutela para o estabelecimento de metas de recolha, tanto para os equipamentos elétricos, como para as baterias, que tenham em conta aquilo que está efetivamente disponível para recolha e não o que é colocado no mercado, o que é muito importante. Esta alteração dá resposta a situações como a dos painéis fotovoltaicos e outros equipamentos com períodos de vida mais longos do que os três anos que a legislação pressupõe.
Que impacto terá esta situação dos painéis fotovoltaicos ao nível financeiro, nomeadamente em termos da Taxa de Gestão de Resíduos?
Já fizemos essas contas. Se a tutela não aceitar a nossa reivindicação de deixar os painéis um pouco à parte da lógica da meta de recolha baseada no que é colocado no mercado, tal como existe atualmente, isto representará uma transferência para o Estado de 35 milhões de euros ao longo do período da licença, mas sem resultado prático para a reciclagem, que é o que interessa. Estaremos a ser puxados para uma meta de recolha que não atingiremos e por essa via seremos obrigados a pagar uma Taxa de Gestão de Resíduos ao Estado pela diferença, sem que a reciclagem aumente porque os painéis não existem para reciclar.
Que iniciativas está o Electrão a promover para apoiar as suas empresas aderentes, de pilhas e equipamentos elétricos, no cumprimento das novas diretrizes europeias, nomeadamente no que diz respeito, por exemplo, à proibição de destruição de produtos?
A proibição de destruição de lotes não vendidos, mais concretamente, está prevista na diretiva do ecodesign. Não se aplica, pelo menos nesta fase, aos equipamentos elétricos e às pilhas e baterias, mas tudo indica que no futuro isso poderá vir a acontecer. De forma proativa já desenvolvemos o site ondedoar.pt, para garantir que existe uma solução prática, segura e gratuita de permitir a reutilização de produtos que ainda se encontram em excelente estado. Tratam-se de artigos que já não são úteis para os produtores, mas que têm ainda muito potencial de utilização. Através do Onde Doar garantimos que esses lotes são encaminhados para beneficiários credíveis que podem utilizá-los na sua atividade. Prevenimos a produção de resíduos, trazemos maior eficiência à gestão dos recursos e apoiamos ao mesmo tempo projetos na área social, educacional e assistencial.
E para garantir o direito à reparação, recentemente consagrado?
O direito à reparação é outro dos temas que se insere nesta lógica de responsabilidade do produtor. Trata-se de dar a possibilidade ao consumidor de solicitar a reparação do seu bem. Para isso é necessário ter acesso a peças de substituição, que podem ser em segunda mão. Também aqui queremos intervir. Podemos ser um parceiro e desempenhar um papel de ligação entre recicladores e produtores, mundos até agora completamente desligados, garantindo a transferência de material de uns para outros. Desta forma o consumidor poderá optar por utilizar peças novas ou peças em segunda mão nas reparações. É preciso ter em conta que necessário acautelar, não só peças usadas para as reparações, mas também a reutilização de materiais que resultam da reciclagem para incorporação de material reciclado nos produtos, tal como está previsto.
No caso das pilhas e equipamentos elétricos o que pode ser feito em termos de ecomodulação de forma a facilitar a reciclagem, por um lado, e garantir desconto nas prestações financeiras? Quais as limitações que existem a este nível?
Já tínhamos um conjunto de incentivos, ao nível da prestação financeira, para impulsionar a diferenciação de produtos. A novidade é que a ecomodulação está agora a ser assumida legalmente. Esta situação retira alguma margem de manobra tendo em conta que as entidades gestoras terão que seguir as novas regras independentemente de terem outras ideias.
O que faria sentido seria que os critérios da ecomodulação fossem harmonizados a nível comunitário ou até mesmo internacional. Os produtores têm uma estratégia global e os incentivos criados isoladamente, por parte de um Estado- Membro, serão insuficientes para alavancar mudanças significativas. Mesmo depois desta harmonização seria importante perceber se esta pequena vantagem será facilmente implementada pelo produtor e se o próprio consumidor verá vantagem nesta diferenciação.
Há um desafio importante a ultrapassar. Temos milhões de produtos declarados, com diferentes particularidades, e teremos que encontrar ferramentas que permitam auxiliar o produtor, não só do ponto de vista da manufatura, da obrigatoriedade de incorporação do material reciclado, mas também no apoio às declarações de colocação no mercado, que têm que ser simples e objetivas. Há uma complexidade tremenda associada a estas alterações. Se queremos ter declarações corretamente preenchidas teremos que colocar à disposição dos aderentes ferramentas que lhes permitam rapidamente declarar os produtos e beneficiar dos incentivos definidos.
*Esta entrevista foi publicada na edição 108 da Ambiente Magazine