O interesse pela energia nuclear está a aumentar a nível mundial. A prova mais evidente desse interesse é o compromisso com a triplicação da capacidade mundial de produção de energia nuclear até 2050, assumido por 22 países na COP28. Porém, conforme questiona a Bain & Company na análise “What Will It Take to Triple Nuclear Energy by 2050?”, o que é necessário para cumprir um objetivo tão ambicioso?
“Desde logo, um investimento sem precedentes. Seriam necessários biliões de dólares em financiamento para atingir cerca de 1.200 gigawatts de capacidade nuclear global. Isso triplicaria praticamente a atual capacidade instalada das mais de 400 centrais nucleares em todo o mundo e implicaria a substituição e a desativação dos reatores existentes. Além do investimento massivo, este é um desafio ousado com alguns pré-requisitos: a competitividade dos custos da energia nuclear, o apoio público e, claro, a garantia e a perceção de segurança”, adianta Eduardo Ferreira de Lemos, responsável pela prática de energia na Bain & Company.
Os defensores da energia nuclear veem-na como essencial à resolução da crise energética global e ao alcance das zero emissões líquidas, e à substituição de frotas de transporte antiquadas e de fontes de energia com despacho, como o carvão, o gás e tecnologia obsoleta. As centrais nucleares geram cerca de 10% da electricidade e um quarto da electricidade de baixo carbono a nível mundial. Contudo, muitas dessas centrais estão envelhecidas, especialmente nas economias mais avançadas – tendo, em média, cerca de 39 anos.
O problema é que a indústria tem um historial limitado no que respeita à entrega de novos projetos capitais dentro do prazo e do orçamento, em especial nas economias mais avançadas.
Nesse sentido, a Bain & Company antecipa três prioridades para permitir a rápida expansão do nuclear: primeiro será elaborar modelos de negócio e regulamentos com uma visão de futuro, segundo será desenvolver cadeias de abastecimento e uma força laboral mais robustas e, por fim, adotar abordagens de curto e longo prazo para escalar as tecnologias.
A escala, a complexidade e as normas e os regulamentos envolvidos na construção de centrais nucleares não têm paralelo entre os investimentos em infraestruturas. Exigindo milhares de milhões de dólares ao longo de décadas e mais de um milhão de horas de engenharia, a criação e a implementação destes projetos assemelha-se à que encontramos em megaempreendimentos de infraestruturas públicas.
Os líderes da indústria estão cientes de que, mesmo depois do financiamento estar assegurado, a obtenção das autorizações e licenças necessárias das várias autoridades governamentais pode ser um processo complexo e demorado. A maioria das normas e regulamentos sobre a energia nuclear foram elaboradas há décadas e sofreram atualizações mínimas. Os governos mais eficazes vão simplificar os quadros regulamentares, procurar inovações processuais (ex.: uma abordagem de “start small, scale fast” para novas centrais nucleares) e trabalhar com outros governos para harmonizar o quadro regulatório além-fronteiras.
Nos EUA, por exemplo, as utilities (empresas de serviços públicos essenciais) regulamentadas estão bem posicionadas para liderar uma nova vaga de mais de 60 novos projetos de reatores nucleares. A sua capacidade para ajudar a moldar o quadro regulatório e as estratégias de planeamento a longo prazo, mas também gerir os riscos e financiar novos projetos, poderá limitar os custos e mobilizar parceiros em toda a cadeia de valor.
Cadeias de abastecimento e uma força laboral mais robustas
Após concluírem menos de 20 novos projetos de reatores nos últimos 20 anos, os países da OCDE têm o trabalho dificultado para tornar as suas cadeias de abastecimento nuclear mais robustas e fiáveis. Os projetos mais recentes sofreram atrasos, altas taxas de reestruturação e preços elevados em parte devido ao número limitado de fornecedores qualificados. Os investimentos em fornecedores e nas suas competências vão ser essenciais e poderão exigir iniciativas proativas de financiamento público-privado.
Os líderes da indústria reconhecem que a cadeia de abastecimento do nuclear também deve demonstrar uma capacidade para licenciar, assegurar e gerir os componentes de combustível em larga escala. Os investimentos em curso respondem às capacidades de conversão e enriquecimento, e esperamos que a indústria mitigue o risco da escassez de urânio a longo prazo através de investimentos na mineração de urânio natural.
Paralelamente, para conseguir triplicar a capacidade instalada de energia nuclear até 2050, vai ter de acelerar o desenvolvimento da força laboral, que poderá resultar em mais de 5 milhões novos empregos. Será necessária uma gama diversificada de empregos, muitos deles não específicos da energia nuclear, incluindo os profissionais da construção e da gestão de projetos. Os trabalhadores qualificados, como soldadores, serão muito procurados. Ainda mais desafiante, o setor terá de competir com outros por este talento no meio de uma escassez mundial.
Uma abordagem em duas etapas para escalar as tecnologias
A curto prazo, os impulsionadores da energia nuclear deverão concentrar-se na estabilização de tecnologias maduras o mais rapidamente possível, para que possam aplicar as lições aprendidas e colher os benefícios operacionais de forma sistemática. Os principais impulsionadores estão a considerar novas abordagens, como a padronização de componentes e de processos para reduzir os custos. Isto é vital para os pequenos reactores modulares (SMR), que dependem das “economias de volume” em vez das “economias de escala”.
A longo prazo, o mundo não vai conseguir triplicar a capacidade nuclear sem ampliar as tecnologias inovadoras dos reatores, que podem melhorar o uso do combustível e desbloquear novas oportunidades de mercado, como a geração de calor ou hidrogénio, a dessalinização e o combustível marítimo. A fusão também parece no caminho certo para assumir um papel, à medida que os esforços para introduzi-la no mercado ganham impulso.
Segundo a Agência Internacional de Energia Atómica, estão em desenvolvimento mais de 80 novos projetos em grandes reatores, pequenos reatores modulares, reatores modulares avançados, como os microrreatores, e fusão. E parece-nos que os pioneiros vão conseguir uma vantagem considerável, enquanto os campeões nacionais poderão surgir em países onde os governos optem por apoiar os seus ecossistemas nacionais.
Em última análise, triplicar a capacidade nuclear até 2050 pode ser um objetivo ambicioso. Mas, se não for por mais nada, pode galvanizar os stakeholders públicos e privados, acelerando significativamente o crescimento desta indústria. Para os executivos das empresas e os governos, o momento de agir é agora.