#ENEG2021: Algarve pode e deve ser um “exemplo inspirador” de sustentabilidade ambiental
“Circularidade, descarbonização e sustentabilidade como instrumentos de criação de valor” serviu de mote para vários especialistas do setor da Água abordarem os entraves e as oportunidades que o país tem pela frente. E a região do Algarve foi apontada com um “bom exemplo” daquilo que de bom se pode fazer. A mesa redonda foi promovida esta terça-feira, 23 de novembro, da edição 2021 do ENEG (Encontro Nacional de Entidades Gestoras de Água e Saneamento).
Começando pela temática circularidade, Alexandra Serra, presidente da Águas do Tejo Atlântico, é perentória: “A Indústria do Saneamento é por excelência uma indústria de circularidade” No entanto, a responsável não deixou de alertar para a importância de um “novo mindset” na indústria do segmento: “Não é possível continuar trabalhar este paradigma linear nos serviços de saneamento: recolher águas residuais, transportá-las até a uma estação de tratamento e depois rejeitar”. Este é um “paradigma do século passado” e, apesar do “desafio enorme”, a mudança é essencial, até porque “é a única forma de encarar uma empresa de saneamento. Vamos olhar para a indústria como qualquer outra indústria”. Aliás, esta é uma indústria que tem uma matéria prima com valor: “A água residual. Temos as nossas fábricas que transformam esses materiais em produtos com valor para a economia e para a sociedade”, além do contributo para o ambiente. “Estamos a falar de produtos diversos: uma grande quantidade de água pode ser reutilizada, bioenergias, nutrientes, fertilizantes ou bioplásticos”, exemplifica.
No caso particular da Águas do Tejo Atlântico, esta mudança de paradigma já está a ser adotada com as chamadas “fábricas de água”, uma designação que advém de “uma comunicação forte” e o “envolvimento de stakeholders”, que contribuem, desta forma, para uma “mudança do paradigma do saneamento tradicional para esta grande transformação que tem de ser a prioridade desta década”, afinca. Exemplos de projetos inovadores que são paradigmáticos desta “nova forma de abordar a indústria do saneamento” é o caso da parceria da Águas do Tejo Atlântico com a Câmara Municipal de Lisboa: “Estamos a trabalhar num projeto inovador de rega em toda a frente Ribeirinha e no Parque das Nações com água reutilizada das fábricas de água”. Também em Mafra e em Loures há um projeto em marcha que utiliza água reutilizada para rega de jardins públicos. E no IKEA de Loures há um outro projeto de climatização de toda a superfície, acresce.
Apesar da indústria do saneamento ser algo de “muito estimulante” em termos de transformação e inovação para a década, Alexandra Serra atenta que esta mudança de paradigma exige também mudança de atitude e de comportamento induzida pela indústria em si, mas também pelo regulador, municípios e pela sociedade. E aqui, são vários os entraves: “Se queremos esta transformação para a economia circular nos serviços de saneamento, é preciso mais agilidade nos processos de licenciamento, mais inovação nos modelos de negócios, mais incentivos regulatórios e trabalhar projetos demonstrativos e colaborativos”.
Olhando para a região algarvia, Alexandra Serra acredita que o Plano de Eficiência Hídrica para o Algarve é uma oportunidade em termos de gestão: “A região pode ser um exemplo inspirador de sustentabilidade ambiental e pode ser um polo de conhecimento e investigação que se pode escalar para outras regiões”. Estão previstos 140 milhões de euros em investimento nos próximos anos para a região mas que é também um “desafio para o país, no sentido em que este investimento seja feito com as melhores práticas e soluções de sustentabilidade e descarbonização”. A presidente da Águas do Tejo Atlântico destaca ainda os “exemplos inspiradores” que existem pelo mundo, no sentido em que podem ser um contributo para a “construção e operacionalização” da dessalinizadora prevista para a região, havendo “menos custos de energia, mais energia verde e que acrescente valor”.
Em matérias de descarbonização, a Águas do Tejo Atlântico está comprometida com o processo evolutivo no ciclo urbano da água, estando ainda inserida no programa da Águas de Portugal para atingir a neutralidade energética em 2030. Mas a descarbonização deve ser coletiva: “Não é um objetivo das entidades gestoras ou dos operadores: é um objetivo do país, do setor e tem de envolver necessariamente os municípios, a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) e a ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos). Também o novo Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais (PENSAARP 2030) deve dar “sinais claros” da prioridade que é este processo de descarbonização no ciclo urbano da água e da economia circular, refere a responsável, acrescentado, da mesma forma, que os “planos de gestão de bacia” devem ser encarados como um “instrumento de planeamento” que deve refletir, de forma clara, estes objetivos de descarbonização. Outra área que mereceu a atenção da presidente da Águas do Tejo Atlântico é a “regulamentação e as normas que devem ser customizadas em função dos contextos regionais” e das tendências do setor: “Somos um país pequeno mas muito diversificado e temos condições hidroclimáticas distintas”. Por isso, “devemos refletir e debater sobre a relevância para acelerar este processo de haver alguma adaptação de regulamentação e de normas e contextos regionais”.
Por fim, Alexandra Serra não deixou de falar da pandemia da Covid-19 para se referir às oportunidades que devem ser agarradas: “Tem de ser aproveitar o sair da zona de conforto e dar espaço para a mudança de atitude para acelerar o processo de transição”.
[blockquote style=”2″]Se não tivéssemos o Covid-19, não tínhamos estes milhões[/blockquote]
Já António Pina, presidente da AMAL (Comunidade Intermunicipal do Algarve), mostrou-se muito satisfeito com o caminho trilhado com o cumprimento de “objetivos de há 20 anos” como “chegar a níveis de serviço de abastecimento superiores a 95%. Há 30 anos, a água não tinha preço nas nossas torneiras”, lembra. Ao longo desse período, foram feitos “investimentos de milhões” para a transformação da rede de saneamento, mantendo-se um “equilíbrio financeiro” entre o financiamento europeu e a “tarifa que paga todo este sistema em Alta e Baixa”, ao mesmo tempo que se fizeram reabilitações de ETAR.
O processo de descarbonização do setor já tem algumas experiências em curso em Loulé, usando dos novos modelos de Comunidade de Energia Renovável: “A AMAL está a preparar um desenho para que os municípios consigam produzir toda a sua energia” sustenta, acrescentando que “é um desafio tremendo, mas é possível”. Para tal, espera-se que as autarquias estejam todas mobilizadas até 2027 e, dessa forma, “todo o consumo público seja proveniente de fontes livres de carbono”. A região do Algarve está também envolvida neste processo de circularidade e de descarbonização, procurando ser mais eficiente. É certo que há verbas e uma oportunidade: “Se não tivéssemos o Covid-19, não tínhamos estes milhões”, constata, acrescentando que os apoios vão permitir que o setor se torne mais “robusto: vamos controlar muito mais a água”.
[blockquote style=”2″]Estão criadas as condições para se fazer um bom trabalho[/blockquote]
Começando pelas matérias de incentivos, José Pimenta Machado, vice-presidente da APA, deixou a certeza que estão a ser feitos todos os esforços para que os projetos e planos em marcha sejam um contributo para o setor. Aliás, o PENSAARP é visto como uma “excelente oportunidade” para descarbonizar todos os sistemas. Além disso, o Portugal 2030 também engloba vários incentivos do ponto de vista de financiamento na eficiência energética e renovável. Um dos projetos que está a ser desenhado é “usar as albufeiras para instalar placas fotovoltaicas e produzir energia”, adianta.
No que ao futuro diz respeito, José Pimenta Machado partilha uma reflexão otimista: “Estão criadas as condições para se fazer um bom trabalho na descarbonização e na circularidade”. Do lado da Águas de Portugal, há uma “enorme vontade”, sendo um “player fundamental” na área da inovação, bem como na área da circularidade e de descarbonização: “O caminho está a ser feito e no sentido certo”. Também a APA está a fazer o seu papel, nomeadamente o de “articulação entre as entidades gestoras”. A contribuir para as áreas da circularidade e da descarbonização está o futuro quadro comunitário de apoio: “Estão reunidas boas condições” para o futuro, assegura. Como notas conclusivas, José Pimenta Machado revelou que, em breve, será apresentado um “grande estudo sobre as disponibilidades da água” em Portugal: “Será divulgada um conjunto de informações daquilo que se espera no futuro da gestão da água e o que vai impactar as entidades gestoras”.
Organizado bienalmente pela APDA (Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas), o ENEG decorre até sexta-feira, 26 de novembro, no Tivoli Marina Vilamoura – Centro de Congressos do Algarve.