Há mais de 25 anos que atua numa área equivalente a 60% do território português, servindo aproximadamente dois terços população, cerca de seis milhões de pessoas. A EGF – Empresa Geral do Fomento, assegura o tratamento de 3,3 milhões de toneladas de resíduos urbanos e afirma-se como líder de mercado no tratamento e valorização de resíduos em Portugal. Foi em 2015, através de um processo de privatização, que a EGF passou a integrar o Grupo Mota-Engil/Urbaser. O “estado da arte” do setor dos resíduos em Portugal serviu de mote para a Ambiente Magazine desafiar Emídio Pinheiro, Presidente do Conselho de Administração e CEO da EGF, para mais uma Grande Entrevista.
Que avaliação faz do Plano Nacional de Gestão de Resíduos?
O Plano Nacional de Gestão de Resíduos é um chapéu que, para nós, tem uma importância muito grande, precisamente porque delimita a nossa ação. Mas, o que nos interessa, o que nos impacta e onde estamos concentrados é no PERSU 2030. No que diz respeito aos resíduos urbanos, a componente que nos diz respeito, estão incluídos no PERSU e é esse que nos interessa.
O Plano Nacional de Gestão de Resíduos 2030 (PNGR2030) e o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU2030) foram publicados em Diário da República a 24 de março. O que significa esta publicação? Qual a relevância para o setor?
Em primeiro, é de congratular por ter sido publicado. Estes planos, tipicamente, têm um horizonte a 10 anos e, portanto, estamos já com um atraso de quatro. E se chegaram atrasados, vamos ter menos tempo para executar os mesmos objetivos: vamos ter de acelerar e muito. Na EGF temos uma palavra de ordem: o PERSU é para ser executado. Não podemos, a seis anos da verificação de metas e com impacto europeu, voltar a discutir o PERSU: temos de o executar. Temos de juntar as forças, as nossas capacidades empresariais, organizacionais e financeiras no sentido de executar. O momento é mesmo de execução, não é de discussão. O momento é de cooperação e de entendimento. O PERSU já dá linhas muito claras a todos os participantes sobre o que têm de fazer, quais as metas e ambições em termos quantitativos e qualitativos. Está tudo escrito e nós não podemos agora começar a reinventar este plano, nem o discutir, sob pena de não fazermos nada e ficarmos no mesmo sítio. Esta é uma parte do problema. A segunda parte é que, a par de ter um plano, tem de vir a componente do financiamento. E neste domínio, ainda temos só algumas ideias sobre o que possa vir a ser. Mas, agora, temos de conhecer em concreto com o que contamos: entre desenvolver projetos, aprová-los, executá-los e colocá-los em funcionamento, … isso não se faz de um dia para o outro. Nenhuma empresa pode iniciar um processo desta natureza sem saber com o que conta. Portanto, temos de nos juntar para termos a certeza de que vamos implementar devidamente o que está previsto, ou seja, transformar o PERSU em planos de ação consistentes, onde cada município vai aprovar o seu plano, tal como cada sistema de gestão de resíduos o irá também aprovar: é um trabalho que tem de ser feito e bem feito, pois tem datas precisas para ser apresentado. Entretanto, vão aparecer os Avisos para o financiamento e isso será já meio caminho andado para podermos apresentar as nossas candidaturas. Este é o processo que vai decorrer. Há novos desafios neste PERSU, dos quais sublinho a valorização da partilha de instalações. O Governo, valoriza a capacidade que os sistemas demonstrarem para se juntar e, em conjunto, desenvolverem instalações e investimentos que possam ser partilhados por ambos e, em média, serem mais eficientes. Estes processos de cooperação em que todos ganham têm de ser desenvolvidos e, desde já, porque, para nós, o PERSU é para cumprir e não há margem para falhar.
Como é a infraestruturação do setor dos resíduos? E como pode evoluir?
Há coisas que correm bem e há coisas que poderiam correr melhor. Há sistemas mais bem preparados e mais bem organizados, há municípios mais bem preparados e mais bem organizados e há entidades gestoras do SIGRE mais bem preparadas e organizadas. Há ainda organizações do Estado, sejam comissões de coordenação ou as comissões intermunicipais, que estão mais bem organizadas e preparadas do que outras. Hoje, nada é homogéneo e, portanto, neste preciso momento de concretização, temos de perceber que, se isto é para cumprir, quem marca o ritmo é quem está mais mal preparado: é a esses que nós temos de dedicar mais atenção, porque, se esses falharem, possivelmente todos falhamos. Há muitas coisas que vão ter de evoluir. Por exemplo, as entidades gestoras do SIGRE estão a trabalhar pelo terceiro ano consecutivo num regime de prorrogação das licenças. O cumprimento do PERSU não é compatível com prorrogações de licenças.
Um segundo exemplo que, felizmente, está em curso de ser corrigido, é o valor das contrapartidas que estão a ser pagas pelas entidades do SIGRE pelos produtos recicláveis que entregamos. Já há um estudo, encomendado pela APA (Agência Portuguesa do Ambiente), que aponta um determinado caminho com impacto muito significativo em termos das tarifas. Portanto, são questões absolutamente estruturais na atividade de resíduos em Portugal que há que corrigir e resolver.
O setor tem sabido acompanhar as evoluções que se registam na tecnologia e na digitalização? Que passos ainda precisam de ser dados?
A tecnologia tem dados passos gigantes e nós também o poderemos fazer a todos os níveis: desde as nossas instalações, triagens até ao modo como nos relacionamos com os cidadãos. Há uma obrigação de retirar o financiamento individual do tratamento de resíduos da fatura da água para atribuir a cada família o valor do custo da gestão dos resíduos que gerou (obrigação que deriva do PERSU), algo que só será possível com aplicação de muita tecnologia, de tal maneira que haja uma ligação direta entre os cidadãos, municípios e os sistemas de gestão de resíduos. Vai ser uma autêntica revolução. Se a inteligência artificial consegue fazer as maravilhas que hoje se difundem por aí, seguramente, estará à nossa disposição para nos ajudar.
Igualmente tão importante é utilizar a tecnologia para tornar tudo mais sustentável: o tema da sustentabilidade tem de estar no centro das nossas preocupações e não pode ser um capítulo à parte ou um anexo do plano. Tem de ser absolutamente central. E as tecnologias que utilizamos serão absolutamente centrais para obtermos melhores resultados, seja para reduzir a emissão de gases com efeito de estufa, obter melhores níveis de reciclagem, de reutilização, etc. Enfim, a tecnologia e a inteligência artificial está neste momento no centro das oportunidades para transformamos o setor radicalmente. Na EGF, estamos a fazer muitos esforços e iniciativas. Criamos uma direção só para inovação para nos manter em alerta sobre o que há de novo mercado e, assim, podermos tomar as melhores decisões.
Depois desta visão geral do setor dos resíduos em Portugal, a questão que se segue é: Como é que se encontra o nosso país, quando comparado com outros países europeus? Estamos mesmo aquém das metas europeias?
Estamos mesmo aquém das metas europeias. E se outros sinais não existissem, a União Europeia iniciou um contencioso com Portugal e, recentemente, emitiu uns avisos prévios relativamente a algumas metas e objetivos que não estão a ser cumpridos. Portanto, a Europa vê com alguma preocupação a nossa situação. No nosso caso, EGF, a Europa tem dado uma ajuda tremenda através de financiamento aos nossos investimentos. Recentemente, assinamos um acordo com o BEI – Banco Europeu de Investimento, através de um financiamento de 100 milhões de euros para o nosso plano de investimento, que é de 202 Milhões de Euros, a serem executados entre 2022 e 2024: é uma ajuda que muito nos orgulha e tenho a certeza que outras oportunidades irão surgir. Mas, sim, Portugal precisa de se aproximar da Europa também nesta matéria e o PERSU 2030 mais não visa do que dar o salto gigante para lá chegarmos.
Se conseguisse avançar até 2050, como gostaria que estivesse o setor dos resíduos em Portugal?
O setor dos resíduos vai transformar-se completamente. Costumamos falar que resíduos é algo que, devidamente identificado e transportado, irá ser um recurso para integrar um processo produtivo. Portanto, aquilo que retiramos à terra, irá diminuir substancialmente pela utilização crescente da reciclagem e, depois, pela reutilização. O setor dos resíduos tenderá mesmo a desaparecer: esta é uma antevisão excessivamente otimista, mas é o caminho que as coisas levam, seja por indução e obrigações regulamentar e legislativas, seja porque todos nós queremos um mundo mais sustentável. Vamos ser mais exigentes com os outros, mas comecemos por ser mais exigentes connosco próprios. Antevejo mesmo que o volume de resíduos tratados seja reduzido brutalmente no prazo que refere.
*Esta é a segunda parte da Grande Entrevista incluída na edição 99 da Ambiente Magazine
Fotos: Raquel Wise