Em Portugal, só algumas empresas investem financeiramente para compensar as emissões na sua cadeia de valor, revela relatório
Redirecionar os negócios e a economia para um futuro sem emissões e positivo para a natureza é um desafio a longo prazo e, para alcançar as metas do Acordo de Paris, será necessário um investimento de 75 biliões de dólares e uma grande dedicação das organizações a nível mundial. Esta é a conclusão do relatório “Para além das metas baseadas na ciência: um plano de ação corporativa para o clima e a natureza”, lançado pela Boston Consulting Group (BCG) e pela ANP|WWF, partilhado em comunicado pelas entidades.
Uma vez que a mitigação das alterações climáticas é uma prioridade global e as empresas estão cada vez mais comprometidas com as mudanças necessárias, investindo na descarbonização, a BCG e a ANP|WWF propõem uma abordagem eficaz no “Plano Corporativo de Mitigação Climática”, que consta neste relatório. “O plano de ações foi desenhado para apoiar as empresas na criação de uma estratégia que maximize o seu impacto climático e responda ao problema do desfasamento entre o conjunto de soluções atualmente disponíveis e a escala dos problemas que este procura resolver”, explicam as entidades responsáveis pelo relatório.
[blockquote style=”2″]Neutralidade carbónica em Portugal[/blockquote]
Apesar das suas restrições estruturais, estas entidades constatam que Portugal tem progredido no caminho para a neutralidade carbónica. Exemplo disso é que, “em 2019, foram emitidas menos 30% de toneladas de equivalentes de CO2 (CO2e) per capita do que a média da União Europeia, e Portugal está no top 10 dos países com maior utilização de energias renováveis a nível mundial”. Ainda assim, continuam a ser necessários “investimentos relevantes”, em especial no “setor da energia, que representa cerca de 23% das emissões totais de gases de efeito de estufa (GEE) no país, e nas indústrias cimenteira e química”, atentam as promotoras do relatório.
Apesar do relatório apontar a descarbonização (net-zero) como o caminho a seguir, são identificados desafios em termos de “ineficiência de resposta e custos”, quer por “não existir escala suficiente”, quer por ser necessário o “desenvolvimento de tecnologias adjacentes”. Salienta-se ainda a “dificuldade em contabilizar e reduzir o impacto de algumas cadeias de valor” como uma barreira à descarbonização das empresas. Se, por um lado, “as empresas portuguesas trabalham diretamente na descarbonização da sua atividade”, por outro, “ainda são raros os casos em que estas investem financeiramente para compensar as emissões que não lhes é ainda possível reduzir”, alerta o relatório.
Entre outras ações propostas no plano, como a “compra de créditos de carbono”, ou “investimentos diretos em projetos que mitiguem o impacto da atividade na natureza” e que acabem por reverter as suas emissões, alavancar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que prevê “715 milhões de euros para apoiar a descarbonização da indústria”, é destacado como uma das “prioridades para as empresas portuguesas com vista ao objetivo nacional de alcançar a neutralidade carbónica em 2050”, lê-se no comunicado.
Para Ângela Morgado, diretora Executiva da ANP|WWF, “não chega plantar árvores. Se queremos reverter a perda de natureza e travar as alterações climáticas, é urgente ter compromissos sérios de todos que efetivem uma mudança de fundo ao longo da cadeia de valor”. E, atenta a responsável, “as empresas e fundos de investimento devem iniciar processos transformadores focados no bem-estar da comunidade, apoiando projetos e soluções baseadas na natureza, como o restauro ecológico ou a gestão ativa do território e oceano. Mas tal como na sociedade civil, não basta o esforço individual – a verdadeira transformação vem do esforço conjunto”.
Por seu turno, Carlos Elavai, managing director e partner da BCG, constata que, apesar de se observar cada vez mais empresas a anunciarem planos de descarbonização, “a maioria ainda não conseguiu concretizar uma estratégia que responda ao desafio climático e, ao mesmo tempo, que permita capturar benefícios relevantes, quer na redução de custos, no crescimento de novos negócios ou na aplicação de preços premiu”. Em Portugal, continua o responsável, esta dificuldade é ainda maior pela grande “representatividade das pequenas e médias empresas no tecido empresarial”, que têm menores recursos para estas iniciativas: “É urgente que as empresas possam implementar mecanismos para contabilizar a sua pegada carbónica, entendendo melhor “onde”, “como” e “quando” a minimizar e que, ao mesmo tempo, repensem o seu modelo de negócio para um novo contexto socioeconómico dominado pela temática da sustentabilidade”.
Quando as empresas investem em soluções climáticas ou financiam créditos de carbono, podem ter um impacto na natureza e na sociedade, algo que prevê uma “estratégia climática corporativa holística e significativa” que inclua ações internas, mas também foco na capacitação da sociedade para o combate às alterações climáticas. Neste sentido, o Plano Corporativo de Mitigação Climática, abordado no realtório, identifica também “três passos estratégicos” para que as organizações atinjam os seus objetivos climáticos, nomeadamente a “promoção de uma política climática, definindo preços para o carbono e incentivos específicos para cada setor”, a “colaboração com pares para um progresso duradouro” e uma “maior resiliência da empresa e do ecossistema face às alterações climáticas”.
As empresas demonstram cada vez maior determinação para contribuir para o fim das alterações climáticas a nível global, bem como pela compreensão das vantagens competitivas a obter neste campo. No entanto, tal como indica o relatório, enfrentam “impedimentos consideráveis” na “definição de metas”, na “elaboração de estratégias” e na sua “comunicação ao público”. Por outro lado, “também os investidores valorizam, cada vez mais, medidas claras para reduzir as alterações climáticas”, assenta o estudo.
O relatório está disponível na íntegra aqui e a análise da realidade portuguesa aqui.