ELPRE: Um documento estruturante para os próximos 30 anos no âmbito da reabilitação de edifício
A VIII Semana da Reabilitação Urbana (RU) de Lisboa juntou durante três dias vários oradores que debateram, entre muitos outros temas, os desafios e as oportunidades do setor da fileira do imobiliário e do setor da construção. Com os desafios que Portugal tem pela frente, é vital alinhar estratégias e reunir esforços num rumo à descarbonização. “A ELPRE (Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios) como desafio de uma geração à reabilitação urbana” foi mais um tema que esteve em destaque durante estes dias.
“Um documento estruturante para os próximos 30 anos no âmbito da reabilitação de edifícios”, começou por dizer Rui Fragoso, diretor de Projetos Técnicos da ADENE (Agência para a Energia), destacando tratar-se de um documento que servirá de base para os próximos anos: “Quando escrito pela Comissão Europeia pretende-se transformar todo o parque imobiliário da União Europeia num parque descarbonizado e de elevada eficiência”. A ELPRE, alinhada com o PNEC (Plano Nacional de Energia e Clima), com o Roteiro para a Neutralidade Carbónica e outros planos, pretende ser assim uma “base” para a criação de políticas e ações que incentivem “renovações profundas” com especial foco nos “edifícios menos eficientes” e, assim, na “redução da pobreza energética”. São três os objetivos que a ELPRE assenta: “melhoria de condições de vida dos ocupantes numa perspetiva de reduzir a pobreza energética, aumentar o conforto térmico, melhorar a qualidade do ar interior ou bem-estar e saúde; crescimento económico por via do aumento da produtividade dos trabalhadores dentro do edifícios, da redução dos custos com a saúde ou a valorização do património da construção; cumprimento de metas ambientais e energéticas”. E no contexto atual, marcado pela pandemia, a ELPRE é também uma “oportunidade” no sentido de “dinamizar a economia” de Portugal no pós-Covid-19, destaca.
De acordo com os dados da ADENE, Rui Fragoso constata que Portugal tem um parque muito vasto, antigo e ineficiente do ponto de vista energético: “Os indicadores de pobreza energética têm vindo a evoluir favoravelmente, mas ainda temos um número considerável de pessoas que sofrem com as questões climáticas dentro dos edifícios. E a atual crise pandémica leva a uma reflexão maior sobre a relação da sociedade com os edifícios”.
Olhando para o contexto europeu e tendo em conta a iniciativa do “Green Deal”, o diretor de Projetos Técnicos da ADENE não tem dúvidas de que o “momento ideal” para Portugal aproveitar é agora: “Aproveitar esta década e acelerar os compromisso que tem para 2050 e poder recolher fundos como se prevê e então fazer esta aceleração da renovação energética”.
Há pelo menos três motivos que provam a ambição da ELPRE. O primeiro tem que ver com o facto de o universo de edifícios ser grande. Depois, o horizonte temporal não é eterno. E, por fim, é importante acelerar as intervenções ao nível da renovação. Ainda assim, a perspetiva não passa por fazer tudo ao mesmo tempo: “Quando olhamos para os edifícios de habitação e vemos um horizonte temporal de 10 anos para nos focarmos em edifícios 65% do stock anterior a 1990, a verdade é que esse stock não deverá ser todo reabilitado de forma profunda”. Aliás, “aquilo que está por detrás de todo o modelo de concessão e de simulação é a constituição de que, desse stock antigo, há stock que poderá estar numa primeira linha e um outro numa segunda linha”, refere, acrescentando que “os edifícios anteriores a 90, têm hoje pelo menos 40 anos”, sendo “natural que tenham necessidade de reabilitação e essas intervenções terão que ser sempre ser vistas caso a caso”.
[blockquote style=”2″]As cidades têm um papel importante na utilização deste dinheiro e na concretização daquilo que são os reais objetivos da ELPRE[/blockquote]
Relativamente à cidade de Lisboa, Maria Rodrigues, diretora técnica e financeira da Agência E-Nova, assegura que a capital portuguesa tem uma Estratégia de Ação Climática que está focada em dois grandes subsetores: “transportes e mobilidade”; “edifícios de serviços e edifícios de habitação”. Para a responsável, uma estratégia com um horizonte de 10 anos (2030), terá que passar, acima de tudo, por uma “intervenção clara dos edifícios” e, tão importante, é “a forma como estes planos são construídos e são feitos em articulação com as políticas e objetivos nacionais”. Olhando para o edificado da cidade, Maria Rodrigues destaca que uma grande percentagem dos alojamentos foram construídos antes de 1990, sendo que uma parte tem “necessidade médias a elevadas de reparação”, devendo, por isso, configurar-se “situações de pobreza energética”. Por isso, a cidade foca-se, inicialmente, nesse grupo de edifícios, estimando “400 a 500 milhões de euros” só para esse universo de edifícios: “A cidade terá que ter meios e mecanismos de intervir”, refere. Nestas matérias, a diretora técnica e financeira da Agência E-Nova defende a necessidade de haver uma “muito boa articulação” entre municípios e cidadãos: “São figuras que estão muito mais próximas do cidadão do que os instrumentos que são colocados a nível nacional”. Apesar de Lisboa já ter alguns mecanismos em curso, Maria Rodrigues diz que é fundamental ir muito além do alojamento: “Ou seja, tem que se ir ao nível dos edifícios, do bairro ou do quarteirão. Têm que ser intervenções integradas”. Por outro lado, defende a responsável, “os municípios podem vir a gerir diretamente os fundos que complementam lacunas que a nível nacional existam”, permitindo, assim, uma “maior permeabilidade no território”. Ao nível local, deve ser feita uma “apropriação” daquilo que são “incentivos e benefícios” dados a nível nacional: “Aqui, as cidades têm um papel importante na utilização deste dinheiro e na concretização daquilo que são os reais objetivos da ELPRE”, sustenta.
[blockquote style=”2″]Roteiro verde para o setor imobiliário[/blockquote]
Para Hugo Santos Ferreira, vice-presidente executivo da APPII (Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários), a Europa e, em especial, Portugal, assim com as entidades públicas e privadas e os promotores imobiliários, estão verdadeiramente comprometidos com os desígnios: “São metas ambiciosas que vão exigir o melhor de todos”. Para tal, os requisitos são igualmente ambiciosos: “Terá que haver uma articulação entre público e privado, as estratégias terão que ser implementadas de forma rápida no setor da construção (industrialização) e, acima de tudo, as estratégias e os mecanismos terão que ser muito eficazes no alcance desses objetivos”, refere.
Das medidas que a ELPRE integra, Hugo Santos Ferreira acredita que há “oportunidades únicas” no setor do imobiliário, destacando que “os parceiros privados querem mesmo fazer da mudança de paradigma”. E da parte de quem gere este programa, o vice-presidente executivo da APPII deixa um apelo: “Que olhemos para estas medidas e para os eixos de atuação e apostemos em criar um roteiro verde para o setor imobiliário”. E neste roteiro, assegura o responsável, “as entidades privadas estão dispostas a entrar com linhas bonificadas de financiamento verde” que promovam a “renovação de projetos de edifícios” com vista à sua “reabilitação” e “recuperação energética”. No que à iniciativa privada diz respeito, Hugo Santos Ferreira declara que o grande compromisso assenta na “criação de edifícios energeticamente sustentáveis, amigos do ambiente e com responsabilidade social”. E nesta “equação” deve-se juntar o “Pacto Ecológico Europeu” e um “eixo de atuação” que assenta na “criação de linhas de financiamento” adequadas: “Uma das medidas que a ELPRE poderá criar são as linhas de financiamento bonificado”, defende.
No que à “carência habitacional” diz respeito, o vice-presidente executivo da APPI é perentório: “A reabilitação urbana por limitação de espaço é escassa e, portanto, não, é a reabilitação urbana que vai dar resposta ao problema da habitação. Só a construção é capaz de dar uma resposta cabal e suficiente a essa grande necessidade”.
[blockquote style=”2″]Têm que abraçar novas formas de construir para abraçar[/blockquote]
João Gomes, presidente da ANFAJE (Associação Nacional dos Fabricantes de Janelas Eficientes), avalia a ELPRE como sendo uma “estratégia extremamente importante” para Portugal, destacando também tudo aquilo que servirá de base ao desenvolvimento do Plano de Recuperação e Resiliência do país: “A indústria e a fileira dos materiais de construção estão preparadas para este enorme desafio que temos pela frente”. Para o responsável, esses mesmos desafios vão traduzir-se em “imensas oportunidades” para a indústria portuguesa que tem vindo a modernizar-se nos últimos anos, dando destaque à importância de articulação entre Governo, atores públicos e privado e indústria da construção: “Trata-se da possibilidade que todos temos de com as verbas disponíveis e outras que possam ser alocadas de podermos fazer uma alteração muito grande daquilo que são as condições de confronto dos edifícios em Portugal”.
Relativamente à indústria dos materiais de construção e às janelas eficientes, é com “muito agrado” que se assiste a tudo aquilo que tem vindo a ser feito ao nível dos avisos do Fundo Ambiental: “Esperamos que este ano haja uma novo aviso que possa reforçar os aviso de 2020 em que a verba esgotou em dois meses”. Outro desejo é que, até 206, todas as ações previstas no PRR sejam muito bem operacionalizadas: “Estamos muito abertos a colaborar com todas entidades públicas para que se possa aproveitar da melhor maneira todos os euros que vão estar disponíveis para o nosso país”. A questão da formação profissional é também uma prioridade para este setor: “Sabemos que para abraçar todo este desafio, vamos ter uma componente de falta de mão-de-obra que vamos ter que suprir”. Por isso, é fundamental a “formação profissional” para os trabalhadores que estão no setor da construção: “Têm que abraçar novas formas de construir para abraçar este enorme desafio de transformar os edifícios portugueses confortáveis”, defende.
[blockquote style=”2″]Devemos pensar menos numa lógica de construção nova e mais na lógica de construção de densificação[/blockquote]
No que à intervenção do edificado diz respeito, Ricardo Guimarães, diretor da Confidencial Imobiliário, afirma que a mesma se tem baseado na dicotomia “construção nova” e “reabilitação”, reconhecendo que há uma “intervenção relevante” em termos de parque e uma “remuneração desta intervenção” do ponto de vista de preço: “Esta estratégia é fundamental no ciclo longo, mas também neste contexto de pandemia,e naquilo que é uma visão de sustentabilidade”. Acompanhando o que é a dinâmica de mercado mais recente, e tendo em conta o impacto da pandemia, Ricardo Guimarães destaca um “padrão novo” que deixa alguma base para reflexão: “Houve uma queda na procura pelas cidades e um aumento na procura pelas periferias”. A “digitalização” e o “teletrabalho” podem também provocar alterações na forma com se olha para o território: “São novos desafios que não devem ser tidos como definitivos nem como irrelevantes”, refere. Na visão da sustentabilidade, o diretor da Confidencial Imobiliário destaca a importância de se refletir os conceitos “cidade dispersa” e “cidade mais concentrada”: “Devemos pensar menos numa lógica de construção nova e mais na lógica de construção de densificação vs construção de dispersão urbana e o impacto que isso tem em termos de valor e de preço”.
A VIII Semana da Reabilitação Urbana (RU) de Lisboa começou na terça-feira, dia 11 de maio e terminou esta quinta-feira, dia 13 de maio. O evento decorreu em formato híbrido e foi organizada pela publicação Vida Imobiliária, com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa e da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, contando, este ano, com o Portal da Construção Sustentável como parceiro estratégico.