#EconomiaCircular: SmartText quer capturar e revalorizar óleos e gorduras
A Economia Circular está, hoje, subjacente em muitas empresas. Produtos sustentáveis, amigos do ambiente e com um ciclo de vida longo são, cada vez mais, uma opção. Há também quem ponha em prática estes conceitos e desenvolva os seus próprios produtos. Com o objetivo de dar “voz” a projetos de cariz sustentável, a Ambiente Magazine irá, todas as semanas, apresentar algumas iniciativas aos nossos leitores e dar a conhecer o que se faz em Portugal nesta área. Esta semana, partilhamos o projeto “SmartText”.
Trata-se de um projeto que surgiu de uma necessidade comum: “Todos nós queremos evoluir e ter melhores condições de vida, mas se fizermos o que sempre fizemos, o Planeta não tem capacidade de se manter saudável”. Catarina Trindade, uma das promotoras do SmarText, não tem dúvidas de que a “sustentabilidade do planeta” é o maior desafio que a humanidade enfrenta, sendo que a “poluição das águas pelos óleos e gorduras” e a “poluição do ar pelas emissões de carbono”, são dos problemas mais prementes. Por isso, o SmartText pretende capturar e revalorizar os óleos e gorduras (que hoje são considerados um resíduo), através da afinação de efluentes domésticos e industriais: “Estamos a falar das gorduras que deitamos no lava louça ou que são enviadas para os esgotos quando se lavam os pratos e as panelas, até aos óleos utilizados na indústria transformadora e de serviços”.
Catarina Trindade dá nota que, atualmente, os sistemas de remoção existentes em ETARs e ETARIs retiram, no máximo, 20% dos óleos e gorduras, o que significa que 80% destes resíduos são enviados para os rios e para os oceanos: “Sabe-se que 1 litro de óleo de cozinha deitado no ralo de um lava-louça, contamina de uma só vez, um milhão de litros de água, o suficiente para a sobrevivência de uma pessoa até aos 40 anos”. E, explica a responsável, uma das “causas raiz” pelo qual as estações de tratamento de águas residuais não conseguem remover os óleos e gorduras dos efluentes, deve-se à “ação mecânica dos sistemas das ETARs que partem os óleos e gorduras em microgotas”, e que até ao momento, “não existe tecnologia para as capturar, mesmo com todos os produtos químicos utilizados”. Desta forma, o objetivo do SmartText é “capturar os resíduos de óleos e gorduras que hoje em dia seguem com os efluentes para os rios e oceanos”, através de “filtros inteligentes com a integração de nanopartículas”. Os filtros, tal como explica a responsável, são feitos à base dos dois materiais mais abundantes no planeta Terra – a celulose e a argila – provenientes de fontes renováveis e de baixo custo: “Estes filtros têm capacidade de capturar entre 85% a 95% das micro gotas de óleos e gorduras dos efluentes, o que reduz drasticamente a poluição por hidrocarbonetos”. Uma grande vantagem associada, segundo Catarina Trindade, é que “os filtros, após colmatados com os resíduos oleosos”, podem ser enviados para “compostagem” e para a “valorização energética”; e os “óleos e as gorduras capturados”, podem ser “utilizados para minimizar a poluição atmosférica”. Acresce que os óleos podem ainda ser vendidos para o fabrico de biodiesel: “Sabemos que 1000 litros de óleo alimentar usado permite a produção de 920 a 980 litros de biodiesel e que o biodiesel emite menos 80% de carbono para a atmosfera que o diesel”. Aliás, as empresas que produzem biodiesel conhecem o “potencial da utilização dos óleos usados”, contudo falta-lhes matéria prima: “Atualmente as ETARs não têm capacidade de fornecer óleos e gorduras limpos e de qualidade”. Por outro lado,” a água, o grande bem essencial”, será revalorizada e pode ser reutilizada: “Retiramos um resíduo de valor e tornamos a água mais limpa”, sucinta.
[blockquote style=”2″]Estamos a proteger os mares e o ar através da redução do carbono[/blockquote]
Sobre balanços, o SmartText já começa a dar frutos: “Neste momento, os filtros inteligente já foram produzidos e testados laboratorialmente, onde apresentaram uma boa resistência mecânica, mostrando-se aptos para utilização em ambiente aquático, tendo capturado cerca de 90% de micro gotas de óleo e gorduras”. Desta forma, a ideia deste projeto é assim “otimizar estes filtros de forma a poderem ser utilizados à escala real”, explicita. O projeto foi também um dos vencedores do BfK Ideas, uma iniciativa da Agência Nacional de Inovação (ANI): “Representa o reconhecimento do potencial da ideia e mais um passo para a credibilização do seu valor, muito importante para a obtenção do financiamento de que precisamos”.
A grande ambição é que a solução técnica do SmartText seja utilizada em“todas as ETAR e ETARI”, em Portugal e “nos países que assinaram o acordo de Paris” bem como as que são “geridas pelas entidades públicas” e as que “estão instaladas à saída das indústrias produtoras deste resíduo”. Com esta visão, “vamos utilizar uma grande quantidade de hidrocarbonetos que são atualmente enviados para os rios em matéria prima para produzir biodiesel”, diz Catarina Trindade, reforçando tratar-se de “matéria-prima que é escassa: estamos a proteger os mares e o ar através da redução do carbono e contribuindo para a redução do aquecimento global”.
[blockquote style=”2″]Se as pessoas não derem valor à sustentabilidade, tudo será mais difícil[/blockquote]
Quando se fala em Economia Circular e sustentabilidade é claro, para Catarina Trindade, que uma não vive sem a outra: “A Economia Circular é um conceito estratégico que assenta na redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e energia. E a sustentabilidade é a permanência de uma característica ou condição de um processo ou de um sistema por um determinado prazo”. Na prática, precisa a responsável, ambos os conceitos estão relacionados e ambos são processos dinâmicos, que exigem “compatibilidade técnica e económica” e, por isso, necessitam de um “enquadramento social” (compreensão e valorização dada pela sociedade) e de um “enquadramento institucional” (incentivos e valores), Mas, a verdade é que: “Em termos sociais, ainda não estamos preparados para esta mudança cultural e termos institucionais, ainda há um longo caminho a percorrer”. Ainda assim, Portugal tem uma vantagem: “Vivemos numa Europa onde, a este nível, somos “puxados”. A União Europeia (UE) está a planear o seu desenvolvimento económico na proteção do meio ambiente e isso está espelhado no Pacto Ecológico Europeu como a nova estratégia europeia para o crescimento económico”. Além disso, a UE tem vindo a “definir planos e políticas que levam à transição para uma economia mais circular”, sobretudo em “plena pandemia Covid-19” e com “os desastres naturais atribuídos às alterações climáticas”, onde Portugal segue alinhado com essa estratégia: “Ainda há muito trabalho a fazer, mas considero que estamos no bom caminho”.
Para Catarina Trindade, os desastres atribuídos às alterações climáticas e a pandemia por Covid-19 vieram reforçar a necessidade de sustentabilidade e de uma economia circular, acreditando que, tal deverá ser atingido através da promoção da utilização e gestão eficientes dos recursos naturais: “Este é um tema que tem atraído a atenção dos governos, das entidades e empresas há já vários anos”. E, em Portugal, verifica-se “evoluções positivas”, nomeadamente, ao “nível do tecido produtivo nacional”, com cada vez mais empresas e organizações com preocupações de “desenvolvimento de processos e práticas de gestão tendo em vista a circularidade e um melhor aproveitamento dos recursos”. Neste processo de transição, a promotora do SmartText acredita que a “aceleração de incentivos” e a “garantia do cumprimento da legislação ambiental” pode ser uma ajuda crucial, bem como a “criação e organização de polos onde o conhecimento académico se possa cruzar com a experiência empresarial de forma a que as ideias possam ganhar vida”. E um outro ponto a ter em consideração é passar a mensagem da necessidade de proteção ambiental para a população: “O comportamento do consumidor final é o motor de toda a estratégia e ação política e empresarial. Se as pessoas não derem valor à sustentabilidade, tudo será mais difícil”, sucinta.
Quais as perspetivas para o futuro sobre estas matérias?
O único futuro possível é colocar o meio ambiente no centro de todo o desenvolvimento industrial e tecnológico. É impossível continuarmos a ver a população global aumentar, querer que a economia cresça e garantir trabalho para todos continuando, para isso, a sacrificar o Planeta. Se continuarmos no caminho que temos vindo a percorrer, as coisas não vão correr bem e as catástrofes irão suceder-se, sejam elas naturais ou através da guerra. E como escreveu Fernando Pessoa: “quando a história se repete, é em forma de comédia ou de tragédia”. E o temos presenciado neste verão, fogos, inundações e temperaturas extremas, não provocam gargalhadas…