A Economia Circular está, hoje, subjacente em muitas empresas. Produtos sustentáveis, amigos do ambiente e com um ciclo de vida longo são, cada vez mais, uma opção. Há também quem ponha em prática estes conceitos e desenvolva os seus próprios produtos. Com o objetivo de dar “voz” a projetos de cariz sustentável, a Ambiente Magazine irá, todas as semanas, apresentar algumas iniciativas aos nossos leitores e dar a conhecer o que se faz em Portugal nesta área. Esta semana, partilhamos o “Zero Waste Lab”.
Fundada em 2017, a organização sem fins lucrativos de ambiente Zero Waste Lab tem a missão de promover o conceito “Lixo Zero” e contribuir construtivamente na transição para um futuro sem lixo. Ana Salcedo, fundadora da Zero Waste Lab, afirma que a organização nasceu a partir de um desafio da Câmara Municipal de Lisboa (CML), lançado no âmbito do curso de Liderança Criativa da THNK Lisbon (agora Rebundance) para apresentação de propostas que “reduzissem em 10% a quantidade de lixo produzido na cidade”. Foi da “proposta deste grupo e de novas pessoas que a ele se juntaram” que nasceu a associação sem fins lucrativos que, atualmente, tem uma “ação que abraça muitos mais membros e extravasa em muito a escala geográfica de Lisboa”, acrescenta. A Zero Waste Lab assume o “lixo zero” como “filosofia” e isso significa “ir além de minimizar o impacto negativo”, procurando uma “participação regenerativa e de legado positivo”. Assim, o foco não passa só pela “mitigação da produção de resíduos” mas também na “qualidade das relações humanas e no poder de influência que cada um e que cada entidade tem no seu circuito e relações, como exemplo mobilizador dos seus pares e clientes: movimento gera movimento”.
Ambientalmente, o Zero Waste Lab pega nos “temas dos resíduos e do desperdício”, com o “objetivo macro da sua diminuição e consequente eliminação” mas como “ponto de partida para as conversas mais profundas sobre o que é ser humano e qual o nosso papel no ciclo maior de vida no planeta”. Estes são temas que, do ponto de vista da responsável, são muito pertinentes: “São completamente transversais à nossa sociedade, não deixando nenhuma pessoa nem nenhum setor de fora, ou seja, é um forte elemento de união, um ponto de convergência bastante tangível que nos permite repensar a fundo, individualmente, a consequência dos nossos atos e atuar colaborativamente na implementação de melhores sistemas que permitam, por sua vez, agir com coerência e responsabilidade desse lugar de maior consciência ambiental e humana”. Desta forma, este é um grupo que se assume como “Lab”, isto é, “laboratório de experimentação”, não só no “design” e na “implementação de projetos” que visem a “prevenção e gestão adequada de resíduos e recursos” mas também como “plataforma para testarmos metodologias de interação comunitária e participativa, narrativas de ativismo positivo, cadeias multiplicadoras de impacto ou formatos de interação que nos tornem melhores seres humanos no processo individual e coletivo”. Como “pilar-base”, acreditam que a “transição” e a “mudança” acontecem na relação e na compreensão: “Não se pode defender o que não se conhece e não se pode mudar sem experienciar e ir construindo e ganhando novas rotinas”.
Entre 2018 e 2020, a associação contabilizou 43 ações educativas e de sensibilização ambiental para 6622 pessoas; 14 ações de sensibilização recorrendo a tecnologia, via projetos “plastic0circular” e “BoomKaruna”, para 2913 pessoas; 35 palestras para 2367 pessoas; 5 projetos Lixo Zero Comunitário, de proximidade e continuidade com as comunidades (“Boom Karuna Project”, “Mouraria Lixo Zero”, “Academia Lixo Zero”, “Beata É Plástico”, “Movimento de Impacto em Cadeia”); e a integração de 6 grupos de trabalho sobre temas como Alimentação, Água, Plásticos, Redes, Inovação. Ainda assim, Ana Salcedo chama a atenção para a importância do impacto qualitativo: “É o mais importante, especialmente quando falamos de mudanças de comportamento e construção de visão, seja a nível individual seja ao nível dos parceiros pela influência positiva nos seus discursos e ações que tem crescido consideravelmente”.
Quanto ao futuro, é objetivo da Zero Wast Lab gerar “discussão pública e política” sobre estes temas e “alavancar projetos com redes colaborativas mais fortes e de maior alcance que testem não só novos sistemas” mas que possam também “ajudar a melhor compreensão pelas pessoas”, a “definir melhores leis”, a “orientar melhor fiscalização”, a “promover mais incentivos” e a “fazer melhor”. Para a fundadora da associação, é sempre preferível “um incentivo a uma penalização”, apesar de “ambas serem necessárias”.
[blockquote style=”2″]Precisamos acelerar muito mais os prazos, a qualidade da execução e a integração bem articulada de todo este motor de transformação[/blockquote]
Sobre as temáticas da economia circular, Ana Salcedo considera que se trata de um “tema amplo que não tem uma resposta simples” e a “perspetiva de comparação” depende muito de qual país está do outro lado: “No cenário Europeu, estamos bastante atrasados em várias frentes e inclusive penalizados pela União Europeia pelo não cumprimento de metas, uma vez que a nossa taxa de reciclagem está em 29%, um valor vergonhoso tendo em conta décadas de sensibilização e ampliação de infraestruturas”. E a compostagem é bom exemplo disso, uma vez que é capaz de “transformar em solo fértil cerca de 40% dos resíduos que vão tendencialmente para aterro” (resíduos orgânicos) e que “só agora é que começa a ser implementada e falada”, quando em países como a Alemanha é prática há décadas: “Incomoda-me que, agora à pressa, já se fale em multas para quem não separar bem resíduos orgânicos quando não houve qualquer esforço de sensibilização nesse sentido, muito ao de leve”. Já no chamado “bom contraponto”, o movimento Lixo Zero “cresce a olhos vistos” com “milhares de pessoas a tentar uma vida com menos desperdício”, refere, dando como exemplo as “inúmeras lojas a granel e negócios conscientes” como a cosmética, a alimentação ou a moda.
Ao nível mais industrial, também “há muitos bons casos a ganhar relevância” e começa, igualmente, a existir “mais coragem” para o “trabalho em rede e mais transversal”, assente nos princípios da economia circular: “A Smart Waste Portugal tem vindo, por exemplo, a fazer um ótimo trabalho, nomeadamente através da iniciativa Pacto Português dos Plásticos, mas não só”. Nos últimos anos, a sustentabilidade ganhou terreno forte e isso é também visível nas “linhas de apoio a financiamento” que têm crescido substancialmente nesta área: “Vamos no bom caminho mas precisamos acelerar muito mais os prazos, a qualidade da execução e a integração bem articulada de todo este motor de transformação”.
[blockquote style=”2″]Portugal tem boas leis mas fraca implementação e accountability[/blockquote]
E a Covid-19? Ana Salcedo olha para a pandemia como um bom exemplo da dicotomia “Desafio-Oportunidade”. O impacto económico que as empresas e toda a sociedade estão a sentir traduzem-se em desafios enormes, o que “torna mais difícil, à partida, um realinhamento estratégico ou orientação para a inovação ambiental”. No entanto, é “neste timing que se torna mais urgente que nunca o repensar e o testar” em novos circuitos e sistemas: “O boom de delivery de comida e o impacto que isso está a ter no consumo de embalagens descartáveis: é o momento certo para se testarem sistemas de reutilização de embalagens mas que só poderão funcionar enquanto sistema integrado e altamente participativo entre design de produto (embalagens reutilizáveis), restaurantes, logística de transporte ou sistema de lavagem”, exemplifica.
Em simultâneo, atenta a responsável, o cidadão comum tem mesmo de se esforçar melhor com a qualidade da reciclagem: “Em geral, sinto um forte declínio que muito me entristece”. Com mais tempo em casa, também a “compostagem” poderia ser acelerada intensivamente: “Rapidamente, terá que haver pelo menos um compostor comunitário por bairro, enquanto não é ativada, de forma generalizada, a recolha porta-a-porta de orgânicos, o famoso caixote castanho que, até então, só é disponibilizado para restaurantes e caterings ou em pequenos circuitos de teste, como a Lipor conduz com sucesso no Porto”.
Ana Salcedo salienta também um tema que tem vindo muito a debate que passa pela transformação de resíduos, particularmente plástico, em fuel: “Ainda não tenho informação suficiente sobre impacto ambiental destes processos para opinar assertivamente. Poderia resolver temporariamente o acúmulo em aterro, mas não resolve de fundo a questão a necessária transformação do consumo”. Além disso, está a “libertação de tantas substâncias nocivas na queima do plástico, a par da incineração” que, aliás, é cada vez mais praticada em Portugal: “Queimar não é solução! É a deslocação de um problema para um plano mais invisível mas igualmente nocivo: da Terra e da Água para o Ar”. Não restam dúvidas que “o caminho melhor será o mais difícil: mudar a produção e o consumo e não o fim de linha”, sustenta.
A importância de fiscalização adequada é uma das questões mais centrais: “Portugal tem boas leis mas fraca implementação e accountability. Isto serve para resíduos e para outros setores: é bastante transversal”. Nestas matérias, o “papel maior de um governo é estabelecer metas” que podem ser “muito mais assertivas e concretas”, em vez de “tendencialmente sugestivas” ou “enquadramentos legais e fazê-los cumprir”. Outra questão centra-se na dedicação, isto é “promover incentivos fiscais para boas práticas ambientais”, refere.
Quais as perspetivas para o futuro sobre o setor dos resíduos?
De futuro mais imediato, a Zero Wast Lab está focada no novo projeto REPLAY, desenvolvido em parceria com a Precious Plastic Portugal: “Pretende abordar o universo dos Brinquedos, exemplo de objetos muito comuns nas nossas vidas sem destino de reciclagem e que acabam em aterro ou incinerados”. Será um projeto-piloto de âmbito nacional que conta com o apoio das “Contas Com Gestos que Contam” do Novo Banco, e vai convidar as famílias a desmontar brinquedos em fim de vida ou sem interesse e testar um sistema de recolha e reciclagem criativa de brinquedos em cinco municípios do país.
Por outro lado, a associação está também a dar continuidade ao trabalho desenvolvido na cidade de Lisboa, com o apoio do Programa BIPZIP/CML desde 2018: “Este trabalho pretende gerar um MOVIMENTO DE IMPACTO EM CADEIA (MIC). No próximo ano, será implementado este projeto-piloto na cidade, focado na capacitação de agentes multiplicadores em processos de transição e sensibilização para a otimização e melhoria da gestão de resíduos e diminuição de desperdício, contribuindo para um efetivo bem-estar das comunidades e poupança de recursos ambientais e económicos”. No final, pretende-se “devolver à cidade e a outras geografias, uma metodologia de implementação de planos Lixo Zero, criando para o efeito um Observatório Lixo Zero descentralizado, de utilidade próxima a diferentes comunidades”, refere.
“Um desafio de cada vez, cada vez mais juntos”.