A Economia Circular está, hoje, subjacente em muitas empresas. Produtos sustentáveis, amigos do ambiente e com um ciclo de vida longo são, cada vez mais, uma opção. Há também quem ponha em prática estes conceitos e desenvolva os seus próprios produtos. Com o objetivo de dar “voz” a projetos de cariz sustentável, a Ambiente Magazine irá, todas as semanas, apresentar algumas iniciativas aos nossos leitores e dar a conhecer o que se faz em Portugal nesta área. Esta semana partilhamos o projeto “PAPEL D´OURO”.
Sofia Gomes, fundadora e gerente da PAPEL D´OURO, começa por dizer que a empresa apostou desde o início num “projeto único” em Portugal, dedicando-se ao “fabrico de papel 100% algodão” a partir da “maceração de desperdícios têxteis” apenas pela “adição de água”, bem como objetos de “ecodesign seus derivados”. E algo que parece dar ainda mais reconhecimento ao projeto é o facto de todo o papel da marca “PAPEL D´OURO” ser feito “folha-a-folha” através de “quadros em rede”, acrescenta. É assim um conceito “totalmente amigo do ambiente”, afirma a gerente, justificando com o facto de, ao longo dos anos de “laboração”, terem desenvolvido propostas numa lógica de “desperdício zero” e “promoção de uma economia sustentável”. A estas valias “verdes, junta-se a “criatividade”, um campo onde onde a empresa se destaca, principalmente no âmbito das artes: “pintura e gravura, papelaria e estacionário, gift, merchandising, branding, packaging, décor e realização de eventos”.
Para além do “rótulo verde”, a gestora refere que a marca diferencia-se por conseguir aliar a “autenticidade, qualidade e intemporalidade”, à “inovação”, onde se inclui a “introdução de elementos eminentemente naturais (sisal, flores, ervas aromáticas, etc) na pasta de papel”, primeiramente com um “fim apenas estético” e atualmente também com a “função do nosso papel 100% algodão poder ser plantado e dele germinarem sementes diversas”. A estas valias, a responsável acrescenta também a possibilidade de “reprodução de relevos e texturas” e a “plasticidade que carateriza igualmente a nossa oferta”, uma vez que, “o papel-tecido é passível de diversas utilizações”.
“Totalmente sustentável” o projeto, segundo Sofia Gomes, visa “diminuir o impacto ambiental” por três vias. A primeira porque recorre à “utilização de celulose não-madeireira para fabricar papel”; a segunda pela prática da “economia circular”, ao darem uma “segunda vida aos desperdícios têxteis e, no caso do papel plantável, até permitimos o início de outra”; a terceira pela “gestão otimizada dos recursos produtivos almejando o desperdício zero”, visto que todas as “sobras” resultantes da produção de objetos são “reutilizadas”, através de “reintrodução na cadeia aquando da produção de nova pasta”.
[blockquote style=”2″] 73% dos têxteis produzidos acabam em aterros ou incinerados [/blockquote]
Relativamente à temática da economia circular, a gestora da “PAPEL D´OURO” considera que Portugal está num bom caminho: “Estamos acima da média, nomeadamente, ao nível de várias iniciativas que trabalham diariamente para construir um futuro mais sustentável”. E um bom exemplo disso, afirma a responsável, é nas áreas da “alimentação, energia ou educação”. Já no que diz respeito à indústria têxtil, há ainda um longo caminho a percorrer, quer ao “nível do consumo”, quer ao nível de uma “produção mais sustentável”. No primeiro caso, segundo a Sofia Gomes, o “consumidor final é maioritariamente passivo”, isto é “não questiona em que condições foram produzidos os bens que está a comprar” ou “se existe uma alternativa mais sustentável” e “concebida para durar mais tempo”. Já no segundo caso – do lado da oferta – dados recentes indicam que “nos primeiros 15 anos deste século a produção de roupa duplicou a nível mundial” com as “respetivas implicações sobre o consumo dos recursos naturais que isso acarreta”. Mas e mais preocupante é o facto de “73% dos têxteis produzidos acabam em aterros ou incinerados”, alerta.
[blockquote style=”2″] Frequente centralismo na tomada de decisão [/blockquote]
É precisamente nesta realidade que a gestora chama a atenção para o facto de existirem “muitos resíduos que não estão cobertos por um sistema de tratamento” e para os quais “não está prevista (e, consequentemente, legislada) sequer qualquer tipo de solução estruturada”. No caso da “PAPEL D´OURO” que “reutiliza desperdícios”, a responsável considera que o ideal seria a existência de uma “plataforma Marketplace” que “facilitasse a partilha de informação” e “promovesse simbioses industriais”. E se o setor empresarial assume um “papel importante” em matéria de gestão de resíduos, a gestora constata que “na nossa atividade diária não é dado o devido reconhecimento” ou até “incentivo aos fornecedores ´sustentáveis` por parte do Estado e entidades públicas”, quando “estes deveriam ser os primeiros a fazê-lo”. Depois há ainda um outro entrave: “O frequente centralismo na tomada de decisão e a visão limitada quando se trata de olhar para o país como um todo, negligenciando o interior em detrimento dos grandes centros urbanos”, declara.
[blockquote style=”2″] Estratégia comum de recuperação económica e social [/blockquote]
Quando o objetivo passa pela “progressiva eliminação” do plástico, a pandemia da Covid-19 parece ter contribuído para o uso recorrente desse material. Sofia Gomes não tem dúvidas de que deve ser encarado como “desafio premente” a “substituição de plástico” por “outros materiais igualmente eficientes” na “adequação aos fins a que se destinam”, principalmente na “área da saúde”. Ao uso excessivo do plástico soma-se a concentração de materiais descartáveis no chão: “Teria sido assim tão complicado incluir na reestruturação dos espaços (por forma a obedecerem às normas de distanciamento social e higienização) um recipiente próprio para depósito de máscaras e luvas, devido às dúvidas que se colocam quanto à possível contaminação destas e consequente colocação junto aos demais plásticos?”, questiona a responsável. É precisamente na “tomada de decisão” que Sofia Gomes nota que há muito para se fazer: “Questiono-me se, a cada momento de mudança, a tomada de decisão não poderia ser mais rápida ou, pelo menos, a gestão de resíduos ser contemplada na mesma”.
Por outro lado, a responsável destaca aquela que pode ser a “grande oportunidade” que passa, essencialmente, pela “desejada definição de uma estratégia comum de recuperação económica e social” pós-pandemia e a “possibilidade de criação de um referencial para esta matéria em termos de orientação de investimento”.
O setor dos Resíduos daqui a 30 anos…
Esta questão é praticamente impossível de responder! Aliás, a forma como o mundo mudou em tantos aspetos no espaço de três meses com o surgimento da Covid-19 é a prova disso. Seja a nível comportamental, de responsabilidade partilhada ou hábitos de consumo, a consciencialização para a importância deste setor (pois a pandemia veio evidenciar a importância de soluções imediatas e sustentáveis) sofreu uma aceleração considerável; ponto que considero fulcral. E só lamento que esta mudança de mentalidades tenha surgido à custa da interiorização de uma necessidade advinda da situação pandémica, para que deixássemos definitivamente de encarar as preocupações ambientais como uma “moda” ou “mania de alguns”!
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