Economia Azul: O uso sustentável dos recursos aquáticos sem comprometer a saúde do oceano
O desenvolvimento económico associado às nossas águas tem merecido cada vez mais destaque. Com a missão de tirar o melhor proveito dos recursos oceânicos, sem colocar em causa a qualidade e saúde do oceano e do planeta, este conceito de Economia Azul tem sido explorado em diversas vertentes.
De acordo com o Banco Mundial, a Economia Azul é o “uso sustentável dos recursos oceânicos para o crescimento económico, a melhoria dos meios de subsistência e do emprego, preservando a saúde do ecossistema”. Este conceito é também descrito pela Comissão Europeia como “todas as atividades económicas relacionadas aos oceanos, mares e costas. Abrange uma ampla gama de setores estabelecidos e emergentes interligados”.
Em muitos casos, a Economia Azul é recorrentemente designada também por Economia do Mar. Todavia, há quem defenda que este segundo termo representa um “significado limitado” e uma “visão desatualizada”.
Quem o afirma é Álvaro Sardinha, consultor especializado em Economia Azul e Desenvolvimento Sustentável e Regenerativo. À Ambiente Magazine explica que a Economia do Mar “considera um conjunto de atividades económicas que se realizam no mar e de outras que, não se realizando no mar, dependem desse meio”.
Deste modo, o termo “encontra-se atualmente obsoleto e em desuso de forma generalizada”, revelando-se desenquadrado da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos em 2015 pelas Nações Unidas (ONU). “Revela-se igualmente desalinhado das diretrizes do Pacto Ecológico Europeu”, estratégia de desenvolvimento lançada pela União Europeia em 2019, completa o consultor.
A Economia do Mar diz respeito a uma “exploração sem limites dos recursos naturais, centrada no crescimento económico medido pelo PIB e na maximização de lucro”. Esta “relega para plano secundário, a salvaguarda da biodiversidade, o equilíbrio da natureza e a saúde dos ecossistemas. De igual forma, despreza os impactos sociais e a própria sustentabilidade do planeta, assumindo os danos e prejuízos como efeitos colaterais toleráveis”.
E é por isto mesmo que o termo mais correto e que responde às preocupações da sustentabilidade e da conservação é a Economia Azul. Esta abrange todos os espaços aquáticos, incluindo o oceano, os mares, as costas, os lagos, os rios e as águas subterrâneas. Além disso, é “inclusiva e distribuída”, uma vez que as atividades económicas relacionadas podem ser feitas em qualquer local, incluindo em regiões/países sem acesso ao mar.
Isto confirma Maria Feio, Project Manager da área de Bioeconomia na Fundação Oceano Azul. “Este modelo tem um potencial imenso na dinamização da economia global e no desenvolvimento do tecido empresarial em diferentes setores”, como os transportes, a alimentação, a energia, o turismo e a biotecnologia, enquanto “coexiste com um sistema oceânico saudável”.
é “importante apostar num modelo que funcione de forma circular, onde é possível gerar valor económico através de soluções inovadoras e com impacto positivo em diferentes setores, que dependem de um oceano saudável para prosperar”
A própria Fundação Oceano Azul tem apostado no desenvolvimento de um dos eixos da economia azul, a bioeconomia, como foco na biotecnologia, que contribui para a construção de soluções inovadoras em setores como a alimentação, o têxtil, o farmacêutico e o de novos materiais. Alguns exemplos de biorrecursos que têm vindo a ser explorados neste sentido são as esponjas, as algas e coprodutos tipo cascas de bivalves ou de camarão.
Assim, é “importante apostar num modelo que funcione de forma circular, onde é possível gerar valor económico através de soluções inovadoras e com impacto positivo em diferentes setores, que dependem de um oceano saudável para prosperar”.
No caso da biotecnologia azul, Maria Feio apresenta duas grandes vantagens: primeiro, “permite replicar em laboratório as aplicações com base nos recursos marinhos, evitando o atual modelo linear extrativo, que depende da extração contínua dos recursos”. Depois, é um setor que ainda está no início do seu desenvolvimento, “havendo um vasto potencial de inovação com base em biorrecursos marinhos que ainda nos são desconhecidos”. “Conhece-se muito pouco do mar, e aquilo que conhecemos já permite comprovar as aplicações de elevado potencial que tem, nomeadamente na área da saúde”, com o desenvolvimento de vários medicamentos.
de acordo com a Mission Starfish 2030, o desenvolvimento da biotecnologia pode atingir um valor de 200 mil milhões de euros a nível global até esse ano, “contribuindo para a competitividade nacional, assentando em mão de obra altamente qualificada”
O nosso país tem, por isso, uma vantagem competitiva de ser muito rico em capital natural, “não a nível da quantidade de biodiversidade, mas na qualidade”. Posto isto em cima da mesa, de acordo com a Mission Starfish 2030, o desenvolvimento da biotecnologia pode atingir um valor de 200 mil milhões de euros a nível global até esse ano, “contribuindo para a competitividade nacional, assentando em mão de obra altamente qualificada”, explica ainda a responsável da Fundação Oceano Azul.
Inércia e falta de ambição: os desafios da Economia Azul
Álvaro Sardinha considera que o principal desafio da Economia Azul é a “hipocrisia dos agentes tradicionais da economia clássica, que mascaram as suas atividades como economia azul, quando na realidade procuram apenas mais negócio” – um fenómeno que se tem vindo a designar de greenwashing ou bluewashing.
“A inércia e a falta de ambição por parte de entidades públicas e privadas revelam-se também inibidores da Economia Azul”, acusa. “Demasiadas instituições esperam para ver, assumindo-se como seguidores, quando a Economia Azul exige visão, liderança e empreendedorismo”.
Noutro ponto, o consultor revela a ausência de reconhecimento do valor do talento jovem, focando que não tem havido capacidade de identificar as competências necessárias em pessoas mais novas, deixando assim os projetos para mãos ditas mais experientes.
A inércia e a falta de ambição por parte de entidades públicas e privadas revelam-se também inibidores da Economia Azul”
Por outro lado, Maria Feio aponta a falta de alinhamento dos vários países na criação de políticas que incentivem o desenvolvimento da uma Economia Azul sustentável. “O oceano não tem fronteiras e é importante que este trabalho seja feito de uma forma global, que promova a proteção e recuperação dos ecossistemas marinhos, e incentive à inovação de soluções”. Mesmo assim, a responsável reconhece alguns avanços, como foi o caso europeu, depois de Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, ter-se comprometido com um “European Oceano Pact” no passado dia 18 de julho.
Mas o financiamento também tem de ser melhorado, acredita Maria Feio, a par de uma maior sensibilização para o desenvolvimento da biotecnologia azul, tanto a nível da indústria, como a nível da investigação, e para a resposta da mesma às necessidades do mercado.
Em Portugal, a Economia Azul já tem muitos casos de sucesso e Álvaro Sardinha reforça também o trabalho da academia, pela vasta oferta de programas de ensino e de formação de qualidade, assim como pelas iniciativas de pesquisa e investigação azul
Em Portugal, a Economia Azul já tem muitos casos de sucesso e Álvaro Sardinha reforça também o trabalho da academia, pela vasta oferta de programas de ensino e de formação de qualidade, assim como pelas iniciativas de pesquisa e investigação azul.
Entre algumas iniciativas, o consultor destaca a Feira de Emprego e Carreiras Azuis, realizada duas vezes por ano, em Lisboa e no Porto, e que promove soluções efetivas de Economia Azul, e o Programa de Especialização e Liderança em Economia Azul (PLEA), uma iniciativa de literacia azul para adultos e para organizações públicas e privadas, desenvolvida pelo Centro de Competência em Economia Azul (CCEA).
Por sua vez, a project manager da Fundação Oceano Azul exemplifica o bom trabalho português com o exemplo do primeiro parque eólico marítimo flutuante semi-submersível do mundo, a Windfloat Atlantic, em Viana do Castelo, que está operacional desde 2020.
“O mar em Portugal tem bastante profundidade, o que impede que consigamos produzir energia eólica como no Reino Unido ou na Alemanha através de turbinas fixas”, explica a responsável. “É importante analisar-se de forma profunda quais são as características do mar português e como podemos tirar maior partido do mesmo”.
a Fundação Oceano Azul promove desde 2018 o Blue Bio Value, um programa de aceleração de startups em bioeconomia azul, com aplicações em biotecnologia, que já acelerou mais de 120 startups e projetos de 31 países
Em julho deste ano, o Governo português apresentou medidas para acelerar a economia, que incluem no eixo de sustentabilidade o incentivo às startups na área da biotecnologia azul.
Mas a nível de projetos, Maria Feio conta que a Fundação Oceano Azul promove desde 2018 o Blue Bio Value, um programa de aceleração de startups em bioeconomia azul, com aplicações em biotecnologia, que já acelerou mais de 120 startups e projetos de 31 países.
Outro projeto a ter em conta é a INOVMAR, um consórcio que recebeu apoio financeiro do PRR (Programa de Recuperação e Resiliência), e que junta mais de 83 entidades em Portugal, desde grandes empresas, startups, a centros de investigação, com o compromisso de apresentar até 2025 mais de 50 soluções em bioeconomia azul. “O consórcio foi dividido em verticais que cobrem várias áreas, entre eles os têxteis, os bivalves e as algas, que são liderados por grandes grupos económicos”, completa a project manger.
A nível internacional, Álvaro Sardinha refere ainda o EU Blue Economy Observatory, um portal com informação atualizada sobre este modelo económico e conhecimento estratégico.
Governo tem de priorizar legislação e regulamentação adequada e transparente
Para Portugal continuar a caminhar e a inovar com bons exemplos ligados ao modelo da Economia Azul, é fundamental que o Governo priorize a publicação/atualização da legislação e regulamentação adequada e transparente, “estimulando a iniciativa e o investimento privado, num ambiente com regras claras e riscos minimizados”, afirma Álvaro Sardinha.
Para Portugal continuar a caminhar e a inovar com bons exemplos ligados ao modelo da Economia Azul, é fundamental que o Governo priorize a publicação/atualização da legislação e regulamentação adequada e transparente
“Deve igualmente promover a comunicação estratégica e a liderança eficaz, combatendo a burocracia e a complexidade processual”, continua. Para tal, deve “integrar e promover jovens qualificados, inquietos, curiosos e empreendedores, que estejam dispostos a mudar o que não funciona”.
Posto isto, a Economia Azul em Portugal, assim como no resto do mundo, “deve apostar no desenvolvimento de todas as atividades económicas que agrega, incluindo as tradicionais e as emergentes”.
No entanto, o setor da energia renovável no oceano (energia eólica offshore) merece algum destaque, dada a “urgência de resposta aos eventos extremos, provocados pelas emissões de gases de efeito de estufa e as consequentes alterações climáticas”, evidencia o consultor. “A transição energética, para energias verdes e limpas, é um imperativo. A energia verde permite descarbonizar os transportes, aquecer casas e edifícios, e reduzir a intensidade de carbono em materiais como o aço, o vidro, o plástico e o betão”.
Neste caso, o “investimento em projetos de energia eólica na costa nacional assume uma prioridade estratégica, revelando enorme potencial para desenvolver uma nova indústria no país, geradora de inovação, valor acrescentado, carreiras e emprego digno”, acredita ainda Álvaro Sardinha.
Sendo a Economia Azul um “pilar unificador e integrador de todas as economias saudáveis”, o consultor especializado crê no potencial deste modelo para “fazer frente aos desafios que o planeta e a sociedade atualmente enfrentam”.
Por seu turno, Maria Feio da Fundação Oceano Azul conclui que é “importante que Portugal invista numa mudança de paradigma económico, onde seja possível acrescentar valor, dando resposta aos grandes desafios mundiais, como a alimentação de um população em crescimento e o combate à poluição, mas que simultaneamente seja exemplo na proteção do planeta”.
Ao nível das pescas, refere a necessidade de um “sistema justo e regenerativo que respeite aos ecossistemas marinhos, com práticas de captura mais sustentáveis, mas que inclua os pescadores no processo de transição”, promovendo assim uma evolução positiva da profissão.
“as plataformas de energia offshore podem ter em torno das estruturas, sistemas de aquacultura de bivalves, sendo assim possível investir em duas áreas industriais com potencial futuro”
Não deixando de lado a aposta na bioeconomia azul através de aplicações da biotecnologia marinha, Marta Feio refere ainda, tal como Álvaro Sardinha, que a aposta na transição energética deve continuar: “as plataformas de energia offshore podem ter em torno das estruturas, sistemas de aquacultura de bivalves, sendo assim possível investir em duas áreas industriais com potencial futuro”.
Por fim, a project manager da Fundação Oceano Azul alerta para a descarbonização dos transportes marítimos, sendo um setor que deve caminhar para uma “evolução mais verde e inteligente”, com a transformação dos portos em polos de inovação.