E-REDES: O conhecimento e a informação em prol da Avifauna
“20 anos de muita informação e conhecimento adquirido”. É assim que Filipa Capela, representante da E-REDES, se pronuncia para falar dos 20 anos da Proteção da Avifauna na Rede de Distribuição, uma atividade que junta a E-REDES e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), a Quercus, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e a Liga para a Proteção da Natureza (LPN). Subordinado ao tema “Penas em Ação”, o primeiro painel do evento que assinalou estes 20 anos juntou Domingos Leitão, em representação da SPEA, Maria Alexandra Santos Azevedo, da Quercus, e Jorge Palmeirim, em nome da LPN, para testemunharem em primeira mão o sucesso de uma “parceria invulgar” com duas décadas. Coube a Filipa Capela a moderação da conversa.
Foi precisamente em torno deste conceito de “parceria invulgar” que Jorge Palmeirim destacou a “confiança mútua” que foi possível assegurar entre a E-REDES, o Estado e as Associações ambientais: “Tratam-se de instituições com objetivos distintos, mas que se conseguiram unir em prol da minimização dos impactes das linhas na avifauna”.
À questão sobre o tipo de “boas práticas” que devem ser aplicadas no âmbito desta atividade e que podem servir para “ampliar” os objetivos de conservação dos habitats, Jorge Palmeirim entende que há ainda “muitas oportunidades” para serem exploradas: “Aliás, a E-REDES já começou a explorar, mas podem ser aprofundadas ou podem ser mais bem focadas em questões específicas de conservação para obter melhores resultados”. É o exemplo dos “ninhos artificiais” em zonas agrícolas e florestais mais intensivas, onde as aves não têm possibilidade de encontrar habitat de nidificação: “A E-REDES é uma empresa com dimensão para tirar partido das estruturas que tem para ter impacto real ao nível da disponibilização de novos locais de nidificação nessas zonas que são deficientes”. Uma outra área tem que ver com as “faixas de gestão combustível”, onde a E-REDES já está a trabalhar numa perspetiva de, não só proteger as linhas elétricas, mas também de compreender as possíveis ocupações compatíveis que podem contribuir para proteger a biodiversidade: “Estas linhas podem ser utilizadas para aumentar a conectividade do nosso território, ou seja, ligar os habitats”. Trata-se de um “processo importante” para aumentar a disponibilidade de certos habitats que foram degradados em zonas de plantações intensivas, exemplifica.
Olhando para o sul do país, Jorge Palmeirim atenta ainda num “desafio particular” que consiste em problemas de conectividade ecológica, dificultando a manutenção e sobrevivência do Lince Ibérico em Portugal: “Temos de tentar tirar partido destas faixas para promover linhas de matos autóctones e resilientes ao fogo, e a existência das interfaces dessas linhas com os habitats circundantes”, algo que “permitirá aumentar muito as populações de coelhos que já são uma espécie ameaçada em Portugal”. Portanto, ao promover essas linhas de matos, “aumentamos as populações de coelhos, linces e outras espécies ameaçadas”, sendo que a proteção dessas zonas acaba por servir para “proteger habitats de plantas e animais que estão igualmente ameaçados e que nos fogem a atenção”, indica. Este processo de criação de conectividade através da conservação de corredores de matos, de acordo com o responsável, teria um “tremendo impacto na conservação da biodiversidade” na região: “É um grande desafio e a E-REDES pode agarrar este desafio com sucesso, tornando-se uma empresa com um impacto social ainda maior”.
“Fazer o esforço de integrar mais a natureza em tudo”
De forma a tornar uma resposta mais integrada e eficaz, Maria Alexandra Santos Azevedo refere a falta de uma “ecoliteracia” na sociedade, constatando que “estamos com o mesmo padrão de colapso de outras civilizações”. A diferença está mesmo na “globalização” e na “capacidade fantástica” de partilhar conhecimento: “Temos por um lado, o conhecimento científico e, por outro, a capacidade de olhar mais em perspetiva”. Tão importante é a “literacia que nos ajuda no uso das tecnologias”, mas que acaba por se traduzir no afastamento com a natureza: “Temos uma natureza cada vez mais humanizada e perdemos as coisas básicas de compreensão”, refere a responsável. Ainda assim, a representante da Quercus não deixa de sublinhar a eficácia das infraestruturas das E-REDES, nomeadamente na prevenção dos incêndios e em situações de escassez de água (seca): “Temos de olhar para aquilo que está mal na legislação e fazer o esforço de integrar mais a natureza em tudo”. E isto passa pelo “jardim da nossa casa ao recinto da escola, às empresas, ao desenho urbano, à agricultura ou às práticas da produção florestal”, atenta Maria Alexandra Santos Azevedo, rematando que, caso tal não aconteça, “estamos a aumentar a nossa dívida ambiental”.
“Uma parceria não se mede pela quantidade de momentos complicados, mas sim pela longevidade e pelos resultados apresentados”
Numa realidade que tende a ser cada vez mais desafiante, Domingos Leitão alerta para o estado das aves a nível global: “50% das espécies estão em declínio e uma em cada oito (+12%) tem estatuto de conservação desfavorável”. E esta realidade agrava-se quando “as aves são o espelho de toda a outra biodiversidade e ecossistemas”. Neste âmbito, acrescem dois desafios que, no entender do responsável da SPEA, podem estar em aparente conflito e que passam pelo “restauro do funcionamento dos ecossistemas para o bem da humanidade” e pela “transição para a produção de energia livre de carbono, numa tentativa de limitar as alterações climáticas”. A questão é se “estamos em condições e preparados para fazer a transição energética, causando ou evitando danos na biodiversidade e contribuindo, se possível, para o restauro dos ecossistemas?”. Para Domingos Leitão, é possível, se houver união: “Temos de trabalhar em conjunto”.
E a união destes 20 anos da Proteção da Avifauna na Rede de Distribuição são a prova disso mesmo: “Dá-nos a indicação de que, pelo menos em Portugal, esta parceria está mais bem preparada do que muitas outras, pois temos informação, trabalho desenvolvido e inter-relações que nos permitem encarar estes desafios com outro ânimo”. Em 20 anos de trabalho “nem sempre fáceis”, os resultados são hoje “positivos e permitem encarar o futuro com otimismo”, precisa o responsável, lembrando “momentos de discussão complicados”, mas que uma parceria que juntou instituições soube dar respostas: “Uma parceria não se mede pela quantidade de momentos complicados, mas sim pela longevidade e pelos resultados apresentados”.
Nestes 20 anos de experiência e conhecimento, Domingos Leitão considera que cabe a esta parceria a “obrigação de maximizar a utilização desta informação e conhecimento para o bem da biodiversidade” em Portugal: “Podemos fazê-lo e há novos projetos a serem feitos: não vai haver falta de oportunidade ou dinheiro para podermos, em conjunto, investir os recursos onde são necessários ou mesmo alargar o âmbito da nossa intervenção a outras espécies”. Um exemplo disso são os projetos LIFE LxAquila e LIFE SafeLines4Birds, mostrando já orientações nesse sentido. A inovação também deve fazer parte das prioridades desta parceria, nomeadamente com o “enterramento das linhas”, mostrando ser uma “solução altamente eficaz” e para a qual é possível avançar, numa perspetiva de avaliação integrada dos riscos: “Temos de usar este know-how e ferramentas para expandir para outros territórios”. Até porque, “as espécies de aves não estão limitadas a Portugal nem à Península Ibérica: No Norte de África muitas espécies de aves continuam a morrer em linhas elétricas de tipologias obsoletas. É verdade que mesmo esses governos e entidades não estejam despertos para o problema, compete-nos tentar trabalhar, usar o conhecimento e aplicar alguma das nossas metodologias, beneficiando o nosso trabalho”, remata.
A cobertura jornalística do evento marcou os 20 anos do Programa Avifauna encontra-se disponível no site da Ambiente Magazine.