“A flexibilidade: a emergência dos mercados locais de energia” serviu de mote para Rui Miguel Gonçalves, da E-Redes, destacar aquele que tem sido o contributo da distribuidora: “É um caminho (flexibilização) que estamos a começar e onde temos mais dúvidas do que certezas”. Ainda assim, “há muitas ideias que terão de evoluir” e, nesta incerteza, há uma certeza: “O que não muda com esta concretização da flexibilidade é que é necessário um reforço muito substancial de investimento nas redes, não só de distribuição, mas também de transporte”, isto “se queremos garantir que as redes não vão condicionar o ritmo e as metas que temos para a concretização da transição energética”, atenta o responsável.
Focando-se na realidade portuguesa, Rui Miguel Gonçalves dá nota que, no país, existe atualmente 6.5G de produção distribuída ligada a rede de distribuição, considerando tratar-se de um valor “alto” em termos relativos, “quando comparado com a ponta de consumo e […] com outros países”. Aliás, Portugal foi pioneiro neste processo: “É algo que nos orgulha o facto de ser possível integrar toda esta produção e garantir o correto funcionamento do sistema”. Contudo, quando se perspetiva o futuro, o responsável alerta para um “desafio muito significativo”, havendo um aprofundamento muito grande desta realidade: “Neste momento, só com base naquilo que temos comprometido em termos de ligações atribuídas em pipeline, vemos que, ao longo do próximos 3 anos, vamos ter um aumento de 50% da potência instalada e, se consideramos as metas do PNEC (Plano Nacional de Energia e Clima), o valor será de cerca de três vezes superior àquele que tínhamos no início da década: é um valor muito elevado”. Com isto, surgirão impactos naquilo que são os “trânsitos de energia na rede”, bem como na “dinâmica de funcionamento da rede”, algo que, hoje, já são visíveis: “Temos grandes zonas do país – no Interior Norte – em que o predominante é um trânsito de energia da rede de distribuição para a rede de transporte”. Segundo o responsável, até 2025, esta vai ser a realidade em todo o país: “É uma grande mudança de paradigma no funcionamento da rede e, naturalmente, que vamos precisar de investimentos significativos para preparar as redes para esta realidade e que têm de ser feitos no ritmo certo e com antecedência certa para não condicionarmos as metas e a velocidade que desejamos para a concretização da transição energética”. Realizar estes investimentos significa ainda a “disponibilidade dos operadores de rede” e a “aprovação dos planos de investimento”. Sobre este último aspeto, Rui Miguel Gonçalves reconhece que há “preocupações (normais) sobre o impacto do tarifário”, sendo algo que se deve pôr em perspetiva: “Se analisarmos qual é o peso do custo da infraestrutura das redes em Portugal nos preços médios finais de venda de energia, [isso] representa menos de 10%”. Portanto, “acho que fica facilmente visível que, mesmo para um aumento substancial de investimento, os impactos tarifários são muito moderados e, certamente, que não deve ser por isso que devemos condicionar o ritmo de concretização da transição energética”, sustenta.
“A flexibilidade nas redes de distribuição tem que ser utilizada de forma muito planeada”
Uma outra dimensão da transição energética, assenta na vertente da procura, em particular na “eletrificação” e na “mobilidade elétrica”, sendo esta última um fator que tende a “surpreender numa dinâmica de aceleração forte”, em contraste com a “dinâmica que temos para produção. É algo que não é planeado, em que as solicitações sobre a rede vão aparecer de acordo com a dinâmica do mercado”, destaca. E, segundo as previsões para os veículos elétricos, haverá mais de dois milhões até final de 2030, um número que “não soa assim tão surpreendente, se tivermos em conta a dinâmica da indústria automóvel nestes últimos tempos e aquilo que têm sido as decisões recentes”, como a aprovação por parte do Parlamento Europeu de proibir a comercialização de veículos ligeiros de combustão em 2035. Ainda assim, estes números devem servir de alerta: “Vemos que, em 2030, poderemos ter só em infraestrutura de carregamento de acesso público cerca de 1.5G e, facilmente, em carregamento doméstico outro tanto ou mais. Estamos a falar de 3 a 4G até 2030 que vão ter de ser integrados na rede de distribuição”.
Esta é uma realidade que, apesar de depender da “evolução do mercado”, pode mesmo levar a uma aceleração rápida e não controlada: “A capacidade dos operadores de rede para ajustar investimento é limitada, pois, para investir, é preciso financiamento, mão-de-obra e materiais e, portanto, o ritmo de ajuste da capacidade de resposta do investimento às solicitações é limitado”. Desta forma, a “flexibilidade local” pode-se tornar essencial: “É um mecanismo que nos vai permitir funcionar como amortecedor e aliviar estas pressões e linearizar as pressões sobre o investimento, na medida em que nos permite diferir temporariamente alguns investimentos”, ganhando “tempo precioso, manter o ritmo de resposta à transição energética e dar uma resposta mais rápida aos clientes”, sucinta. Esta flexibilidade pode ser aplicada através da “contratação de serviços de flexibilidade em mercados e das ligações flexíveis”. E, de acordo com Rui Miguel Gonçalves, a característica definidora da flexibilidade na rede de distribuição é que “estes serviços de flexibilidade se destinam a dar resposta a constrangimentos e oportunidade de melhorias locais em pontos específicos da rede”, estando “localizados nesses pontos”. Isso pode restringir muito a oferta e criar “incerteza sobre a existência ou não de recursos disponíveis e a que preço estarão disponíveis para prestar esse serviço”. Por isso, a flexibilidade nas redes de distribuição tem que ser utilizada de forma muito planeada: “Na fase em que estamos a planear o investimento, que identificamos possíveis alternativas de flexibilidade, que comunicamos ao mercado a existência dessas necessidades e, depois lançamos consultas ao mercado – leilão aberto – em que ficamos a saber se existem recursos para prestar os serviços nas condições necessárias nas localizações específicas e a que preço, em função dessa informação, toma-se decisão se é preferível investir ou contratar esses serviços”.
Como mensagem final, Rui Miguel Gonçalves destaca que, no âmbito da flexibilidade, a distribuidora está a preparar-se para a nova realidade para utilizar a flexibilidade de forma eficaz, havendo uma série de requisitos tecnológicos de base, que vão desde a “digitalização” e a “observabilidade” até à “controlabilidade das redes”: “São tudo vertentes que, do lado distribuição, temos vindo a investir. Mas, para utilizar este conceito em pleno, é preciso uma afinação e fazer alterações a processos e sistemas”. Neste âmbito, foi lançado o FIRMe, um projeto-piloto para contratação destes serviços: “O objetivo é estar em contacto com o mercado e conseguir uma melhor interação e uma maior proximidade com a população”, remata.
Rui Miguel Gonçalves falou esta quinta-feira, 13 de abril, na sessão ConvERSE, sobre os “Mercados Locais de Energia: Complemento redes de distribuição”, promovida pela ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos.