Reabilitação de edifícios deve tirar proveito do clima para reduzir consumos
Portugal está a caminhar rumo à neutralidade carbónica. Até 2050, o país terá de ser neutro em emissões de gases de efeito estufa e, para isso acontecer, são necessárias várias mudanças em todos os setores, com a mobilidade e a construção a serem, talvez, dos que terão de enfrentar mais e maiores desafios. A Ambiente Magazine esteve à conversa com Aline Guerreiro, CEO do Portal da Construção Sustentável, para saber quais os desafios que o setor enfrenta e que papel pode desempenhar neste caminho rumo à descarbonização.
De acordo com Aline Guerreiro, os edifícios, assim como o setor da construção civil, são responsáveis por “39% de todas as emissões de carbono no mundo”, segundo o Global Status Report 2017, sendo que, “a fase de utilização dos edifícios, responsável por 28% dessas emissões, relacionadas sobretudo com a energia consumida para aquecimento e arrefecimento correspondendo a 40% se estivermos a falar apenas do contexto europeu)”. Ainda assim, as emissões associadas ao setor da construção, não dizem apenas respeito à energia consumida durante o processo construtivo e a utilização do edifício: “Mas, também às emissões incorporadas nos materiais utilizados e necessidades de manutenção dos edifícios ao longo do seu ciclo de vida”. Assim, na visão do Portal da Construção Sustentável, descarbonizar totalmente o setor requer a “eliminação tanto das emissões de carbono operacionais, diminuindo sobretudo o consumo de energia proveniente de fontes não renováveis”, como das “emissões de carbono incorporadas nos materiais de construção”. E sendo os edifícios “indispensáveis à vida humana e onde o homem passa cerca de 90% do seu tempo de vida”, Aline Guerreiro é perentória: “O papel dos edifícios rumo à descarbonização tem uma importância acrescida”.
Questionada sobre o edificado em Portugal, a CEO do Portal da Construção Sustentável constata que os edifícios são desconfortáveis termicamente: “Não somos nós que o dizemos. São resultados de um inquérito feito à população portuguesa”. Isto significa que: “Se não houver disponibilidade financeira para pagar uma fatura de energia que permita, através de equipamentos colmatar as necessidades de aquecimento e arrefecimento, os nossos edifícios são frios no inverno e quentes no verão”, declara. Face a esta realidade, Aline Guerreiro defende que a aposta dever assentar na “reabilitação energética”, melhorando a “envolvente dos edifícios, através de soluções de isolamento, para que não haja necessidades de aquecimento e arrefecimento exageradas”, mas, também, na “reabilitação sustentável, tendo em conta os materiais a utilizar, que sejam duráveis, de baixa manutenção, naturais e sobretudo com um mínimo de carbono incorporado, de forma a que sejam edifícios amigos do ambiente”.
[blockquote style=”2″]É o cúmulo dizer-se que um edifício verde é elétrico, quando temos um clima fantástico e podemos dele tirar partido para reduzir esses consumos[/blockquote]
Se uma década é suficiente para que Portugal cumpra com as metas às quais está comprometido, Aline Guerreiro diz que sim. Mas, para isso, o país teria que estar “disposto” a “eletrificar os edifícios, consumindo energia e climatizando-os através de equipamentos elétricos”, algo que não seria possível realizar só com recurso a energia renovável: “Seria sempre necessário um consumo acrescido de energia”. Pelo que, “necessitamos de mais algum tempo, para assegurar como prioridade a reabilitação dos edifícios, através do seu isolamento correto, de forma a que estes sejam de facto verdes, e sem necessidades em termos de consumo de eletricidade”, declara. Havendo esta necessidade, “se for mínima”, poder-se-á recorrer a fontes de energia renováveis: “É o cúmulo dizer-se que um edifício verde é elétrico, quando temos um clima fantástico e podemos dele tirar partido para reduzir esses consumos!”, atenta.
Mas, como é que uma construção pode ser sustentável? Aline Guerreio lembra que o foco no setor da construção, para a tornar mais sustentável, tem sido a “redução da procura de energia”. No entanto, a sustentabilidade não passa só por reduzir os consumos de energia nos edifícios: “Isso não é de todo suficiente se quisermos cumprir os ambiciosos objetivos do Acordo de Paris”. Aliás, “quase um terço das emissões de CO2 dos edifícios provém do carbono incorporado nos materiais e no processo de construção”, refere, defendendo que “um edifício sustentável terá de ter necessidades de climatização mínimas”, mas também é necessário que “os projetistas criem consciência e ajudem os proprietários e construtores dos edifícios, a optar por materiais menos poluentes, de forma a minimizar a pegada de carbono durante toda a vida útil dos edifícios”.
No que diz respeito aos incentivos para combater a pobreza energética, a CEO do Portal da Construção Sustentável defende a priorização da “reabilitação de edifícios” através de medidas adequadas de reabilitação sustentável: “É o mais urgente para que os edifícios passem a beneficiar do clima que temos em Portugal para se climatizarem, sem necessidade de recorrer a equipamentos”. Ora, se a pobreza energética se traduz na “incapacidade de manter a habitação com um nível adequado de serviços energéticos essenciais, devido a uma combinação de baixos rendimentos, baixo desempenho energético da habitação e custos com energia”, não será com “recurso a mais equipamentos que esta incapacidade se irá superar”, atenta.
Quais as perspetivas para o futuro?
Na visão do Portal da Construção Sustentável, onde trabalham sobretudo arquitetos, a prioridade será sempre reabilitar, reabilitar e reabilitar… temos um parque habitacional sobrelotado e um número significativo de famílias cheias de carências habitacionais… a necessidade não está em construir novos edifícios que serão, na sua maioria inacessíveis a todos. Mas sim, é necessário que o Governo crie planos e financiamentos que ajudem as classes mais desfavorecidas e que todo parque habitacional passe a estar construído convenientemente rumo à verdadeira descarbonização do setor.
*Foto: Reuters