Deve-se “apostar em políticas públicas que potenciem uma melhor recolha, triagem e reciclagem” dos plásticos
A Ambiente Magazine conversou com Patrícia Carvalho, coordenadora do Pacto Português para os Plásticos, para fazer um balanço do progresso desta iniciativa, liderada pela Associação Smart Waste Portugal e integrada na Plastics Pact Network, organizada pela Fundação Ellen MacArthur e pela WRAP.
Que medida devem ser tomadas para cumprir as metas do Pacto Português para os Plásticos?
Relativamente à Meta 1: Em 2020, resultado de um trabalho colaborativo entre a cadeia de valor, no PPP, foi lançada uma lista com 19 itens de plásticos de uso único considerados problemáticos e/ou desnecessários. Dessa lista, 10 itens já foram eliminados, varas para chupa-chupas, cotonetes, copos de EPS ou XPS, varas para balões, mesas pizzas, produtos em plástico Oxodegradável em 2020 e 2021 e em 2022 foram eliminados pratos, palhinhas, agitadores de bebidas e Embalagens Alimentares de EPS e XPS. Dos 2% que ainda estão presentes nos portefólios dos Membros que colocam embalagens no mercado, precisamos apontar baterias ao mais representados: as embalagens não detetáveis nos sistemas automáticos de triagem, os sacos plásticos muito leves e as tampas e aberturas das embalagens de líquidos compósitas (ex. pacotes de leite). É necessário minimizar as embalagens mais escuras, mudando a sua cor para tonalidades mais claras (assim já são identificadas). Utilizar pigmentos que sejam detetáveis pelos equipamentos automáticos e desenvolver a tecnologia de identificação nas Unidades de Triagem de resíduos de embalagem. Para os sacos muito leves é preciso questionar a necessidade de utilização destes sacos em todas as ocasiões; é necessário continuar e reforçar a promoção da utilização sacos reutilizáveis. O desenvolvimento de sacos compostáveis compatíveis com as unidades de compostagem e digestão anaeróbio e também relevante. Para as tampas e aberturas das embalagens de líquidos compósitas é necessário garantir a acoplação das tampas à embalagem, de forma que estas não se percam para a natureza e que sejam também recicladas. Desenvolver também o eco designe das embalagens é importante.
O PPP tem um papel fundamental ao promover as parcerias entre empresas e academia (lançamento do Programa Match4 – Programa de aproximação da Academia às Empresas); em promover e divulgar a investigação de novos materiais e novos modelos (nos seus Grupos de Trabalho e através das sessões de informação que promove); apostar no eco design e analise das embalagens (nos seus Grupos de Trabalho e através das sessões de informação que promove); e promovendo a reutilização (como por exemplo a utilização de copos reutilizáveis em eventos). O Grupo de Trabalho Plásticos de Uso Único vai continuar a acompanhar a evolução dos itens constantes na lista, acompanhar os novos desafios trazidos pelo Regulamento Europeu Embalagens e Resíduos de Embalagem e pela temática dos aditivos e segurança das embalagens.
Relativamente à Meta 2, e no caso da Reutilização das embalagens: A reutilização, deve ser vista como uma vantagem, com vários benefícios: pode reduzir custos (custos de embalagem e transporte podem ser reduzidos fornecendo recargas em formato compacto, como produtos concentrados ou sólidos, por exemplo); otimizar operações (conseguindo economias de escala para distribuição e logística, compartilhando embalagens reutilizáveis entre, marcas, setores ou até redes mais amplas); melhorando a experiencia do consumidor (com o reforço do qualidade, imagem e funcionalidade das embalagem reutilizáveis); juntando inteligência aos sistemas de reutilização e embalagens reutilizáveis, é possível conhecer as preferências dos consumidores e o desempenho do sistema, incorporando tecnologias digitais como etiquetas RFID, sensores, QR Codes, entre outras. Sem nunca esquecer a redução de consumo de matéria-prima virgem de plástico.
Há muitos modelos/vias de reutilização, que podem ser adaptadas a tipos de produtos, consumidores e regiões. De acordo com a Fundação Ellen Macarthur temos: Refill on the go – Modelos de Refill na loja, onde o consumidor utiliza uma embalagem reutilizável, que leva de casa, num dispensador existente na loja; Refill at home – Modelos de REFILL em casa, em que o consumidor tem a embalagem reutilizável em casa e adquire as recargas através de um sistema de subscrição de serviços (entrega concentrados de detergentes em casa); Return from home– Modelo devolução em casa, em que a embalagem reutilizável é recolhida em casa; e Retur on the go – Modelo devolução em loja ou pontos de recolha, em que a embalagem é devolvida pelo consumidor na loja ou em pontos específicos de devolução.
Resumindo, a reutilização pode recorrer ao Refill (exemplos dispensadores de detergentes, de águas, etc na loja), às embalagens que circulam muitas vezes entre consumidores e lojas, em modelos dirigidos ao B2B (exemplos das paletes, caixas de fruta, caixas de peixe, etc nos retalhistas) e modelos B2C (exemplo embalagens de Take Away reutilizáveis).
Os Membros do PPP comunicaram mais de 20 projetos de reutilização, que abrangem os modelos referidos. É necessário que muitos destes projetos ganhem escala, sejam mais divulgados e visíveis aos consumidores. Têm também de ser trabalhados de forma a serem convenientes e de tornarem mais apetecíveis de utilizar do que as embalagens de uso único. E o consumidor mais uma vez tem de passar das boas intenções ambientais para a ação. A componente legislativa tem também aqui um forte papel impulsionador, tanto no sentido de criar a obrigação de existência de alternativas reutilizáveis, como na restrição da utilização de embalagens de uso único em determinadas situações e atividades.
O Pacto Português para os Plásticos encontra-se a trabalhar, de forma colaborativa, num projeto piloto de reutilização no takeaway, na zona do Porto, que tem como objetivo criar um sistema de embalagens retornáveis que seja economicamente viável, ambientalmente sustentável e que seja conveniente para o consumidor, demonstrando claras e mensuráveis vantagens quando comparado com o uso único.
Ainda dentro da Meta 2, no que diz respeito à Reciclabilidade: Reciclagem em upcycling é o processo de transformação de materiais que são reincorporados num produto ou embalagem de maior ou igual valor acrescentado. Exclui o fluxo de plásticos mistos. Como exemplo temos a reciclagem de garrafas de água PET das quais resultam novas garrafas de água PET recicladas.
É necessário melhorar a informação recolhida juntos dos Membros do PPP, de forma a quantificar exatamente quais são os materiais constituintes das embalagens colocadas no mercado, pois só conhecendo bem que materiais temos, podemos encontra melhores soluções para a reciclabilidade embalagens.
Os plásticos flexíveis multimatérias não são possíveis de reciclar em upcycling, estando a ser encaminhado para Plásticos Mistos, é importante analisar dentro destes materiais, quais podem passar a feitos em monomaterial (em especial PE). Nos tubos de PEAD é necessário verificar a sua reciclabilidade, visto que já há exemplos de tubos (pastas de dentes) apenas de PEAD e por isso recicláveis em upcycling. Promover e divulgar boas práticas de Ecodesign, como as Golden Design Rules, é essencial para dar a conhecer orientações técnicas para a melhoria e inovação de novas embalagens. Nos Grupos de Trabalho do PPP “Reciclagem e 100% Reciclado” e “Plásticos Flexíveis” vão continuar a ser discutidas estas temáticas, procurando de forma colaborativa encontrar soluções para estes plásticos.
Relativamente à Meta 3: A sensibilização das pessoas, dos mais novos aos mais velhos, é fundamental para se conseguir que as embalagens de plásticos vão para o contentor amarelo. Mas não basta sensibilizar, é também necessário explicar como se faz bem, o que se deve colocar e o que não deve ser colocado neste contentor. O PPP, com a sua Campanhã de Comunicação de âmbito nacional “Recicla o Plástico”, lançada em 2022 e a decorrer, tem como objetivo promover uma maior e melhor reciclagem do plástico dando resposta às dúvidas existentes. É necessário que a reciclagem deixe de ser uma boa intenção de todos nós, mas passe a ser uma ação concreta de todos os cidadãos.
É obvio que, para se que se recicle, têm de ter os meios à disposição, sendo necessárias boas soluções de recolha das Embalagens de Plástico. É cada vez mais necessário apostar nas recolhas de proximidade (porta-a-porta e ecopontos), muitas delas com capacidade de se individualizar a entrega das Embalagens e assim permitir o correto pagamento do cidadão pelos resíduos.
Sistemas responsabilização como o SDR – Sistema de Depósito e Retorno, são também importantes para se aumentarem as quantidades e a qualidade de alguns tipos de embalagens (exemplo a garrafas de PET).
O PPP tem entre os seus Membros, municípios e SGRUs que têm vindo a desenvolver a temática da recolha e triagem de resíduos de forma cada vez mais inovadora. A Indústria da Reciclagem, também representada entre os Membros do PPP, trabalha os desafios técnicos da reciclagem dos plásticos de forma que o esforço das pessoas a fornecerem a “matéria-prima” resulte numa reciclagem de elevada qualidade.
No que diz respeito à Meta 4: A incorporação do plástico reciclado em novas embalagens é o fecho do ciclo da economia circular. É preciso aqui distinguir entre embalagens para produtos alimentares e embalagens para outros tipos de produtos. Nas embalagens para produtos alimentares a exigência com a segurança alimentar é muito elevada, existindo regras muito apertadas para a utilização de plástico reciclado. A academia e a indústria estão a desenvolver estudos para que, de forma segura, se possam utilizar outros polímeros para além do PET reciclado, em contacto direto em embalagens alimentares. Nas embalagens de produtos não alimentares, por exemplo os detergentes, é mais simples a incorporação de material reciclado. Em 65% dos Membros do PPP, que colocam embalagens no mercado, já é uma prática, no entanto é necessário continuar a aumentar a incorporação de plástico reciclado.
Em suma, deverão ser tomadas diversas medidas que permitam que haja uma aproximação aos objetivos traçados, nomeadamente o desenvolvimento de planos de ação concretos que elenquem medidas para a eliminação dos plásticos de uso único considerados problemáticos e/ou desnecessários, o aumento da reciclabilidade das embalagens de plástico colocadas no mercado, o aumento da percentagem de embalagens reutilizáveis utilizadas em contexto Business-to-Business e Business-to-Consumer, bem como o aumento da percentagem de plástico reciclado incorporado nas novas embalagens de plástico. É essencial que a taxa de reciclagem das embalagens de plástico sofra igualmente um incremento, sendo necessário apostar em políticas públicas que potenciem uma melhor recolha, triagem e reciclagem das mesmas.
Nesse sentido, o Pacto Português para os Plásticos tem trabalhado para potenciar estes resultados, através de reuniões de Grupos de Trabalho focadas nos objetivos traçados e que reúnem a cadeia de valor nacional, transferência de conhecimento, através da dinamização de sessões de esclarecimento e de boas práticas aplicáveis em contexto nacional, campanhas de comunicação dirigidas ao consumidor, entre outras ações.
Em caso de incumprimento, qual deve ser o caminho a seguir?
Considera-se que ao longo dos anos tem havido um progresso rumo à visão de potenciar uma economia circular para os plásticos, no entanto é necessário continuar a trabalhar, essencialmente, de forma colaborativa, por forma a que seja possível uma aproximação às metas definidas, as quais são bastante ambiciosas.
É necessário continuar a procurar alternativas aos plásticos de uso único considerados problemáticos e/ou desnecessários, sempre que estas se justifiquem e continuar a trabalhar no sentido de potenciar a reutilização, alavancando e escalando os projetos piloto existentes. É, igualmente, necessário desenhar embalagens que sejam recicláveis, compatíveis com os sistemas de triagem e reciclagem existentes e promover a recuperação de todas as embalagens colocadas no mercado, as quais devem seguir para reciclagem.
Assim sendo, é fundamental encontramos novas soluções, implementarmos novos projetos e novos modelos de negócio que deem resposta a todos os desafios levantados rumo à circularidade dos plásticos.
A aproximação das empresas e da academia/centros de investigação torna-se essencial para que seja possível acelerar o atingimento dos objetivos traçados, tomando as melhores decisões, com base na legislação e na ciência.
Como descreve o cenário atual da reciclagem e uso de plásticos em Portugal?
Em 2021 (último ano com dados oficiais disponíveis), foram recicladas 38% das embalagens de plástico colocadas no mercado português (SIGRE e não SIGRE). Este valor teve uma ligeira subida, como seria de esperar, pois, em 2020, a pandemia Covid 19 teve um forte impacto nos números da reciclagem, uma vez que durante esse período a recolha seletiva de embalagens foi suprimida em muitos locais e onde se manteve, teve muitos constrangimentos (como quarentena dos resíduos e reduções dos turnos de operação).
No entanto, continuamos ainda bastante longe da meta definida – 70%. Para chegarmos a este valor, é necessário que cada pessoa em Portugal recicle pelo menos 28kg de embalagens de plástico por ano. Ora ainda estamos com cerca de 16kg.
Ter uma consciência ambiental não basta, temos todos, todos os dias de colocar nos equipamentos de recolha seletiva (ecopontos, recolha porta-a-porta, entre outros) os materiais para reciclar, e, neste caso específico, as embalagens de plástico.
A sensibilização de todos cidadãos, dos mais novos aos mais velhos, é fundamental para que se consiga que as embalagens de plástico terminem o seu percurso no contentor amarelo. Apesar disso, não basta sensibilizar, é também necessário educar e capacitar para que se faça a correta devolução dos plásticos (neste caso), explicando o que se deve colocar e o que não deve ser colocado no contentor amarelo. Desta forma, o Pacto Português para os Plásticos, com a sua Campanha de Comunicação de âmbito nacional “Recicla o Plástico”, dinamizada desde 2022, tem como objetivo promover uma maior e melhor reciclagem do plástico, dando resposta às dúvidas existentes.
Mais ações de sensibilização, educação e capacitação são necessárias para que a reciclagem seja uma atitude normal e que colocar as embalagens de plástico no contentor amarelo seja um hábito natural e praticado por todos.
Para se reciclar mais é preciso ter os meios à disposição, sendo essencial existirem boas soluções de recolha das embalagens de plástico. É cada vez mais necessário apostar nas recolhas de proximidade (porta-a-porta e ecopontos), muitas delas com capacidade de individualizar a entrega das embalagens e de outros resíduos e, assim, permitir o correto pagamento do cidadão pelos resíduos que produz.
É preciso mais legislação (e mais restrita) no que diz respeito ao uso reciclagem de plásticos?
A Comissão Europeia encontra-se particularmente atenta às temáticas da economia circular, tendo lançado, no âmbito do “Pacote de Economia Circular II”, uma proposta de Regulamento relativo às embalagens e resíduos de embalagens. Assim sendo, haverá bastantes desafios trazidos pela nova legislação, a qual ainda aguarda publicação, nas mais diversas áreas relativas às embalagens de plástico.
Também a legislação nacional, nomeadamente o Regime Unificado dos Fluxos Específicos de Resíduos, contribuirá positivamente para o alcance das metas de reciclagem, incluindo as metas de reciclagem das embalagens de plástico.
Assim sendo, a cadeia de valor deverá trabalhar de forma cooperante, para que seja possível ultrapassar os desafios impostos, adaptando-se às mudanças necessárias, e, contribuindo para uma economia mais circular para o plástico.
Leia aqui a 1.ª parte…
“Pacto Português para os Plásticos é um local seguro para discutir circularidade”