Em entrevista à Lusa, António Bento Gonçalves, investigador do Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território da academia minhota, apontou que uma das medidas “mais simples e eficazes” que pode ser tomada é espalhar palha nas áreas afetadas e lamentou que em Portugal não haja “tradição” de intervir nos solos afetados por incêndios.
Segundo explicou o investigador, o “grande problema” é a “hidrofobia dos solos” causada pela erosão causada pelo fogo mas também pelos trabalhos de limpeza de árvores queimadas e do entulho resultante de um incêndio que “prejudica mas tem que ser feito” para evitar pragas. “É expectável que tenhamos torrentes lamacentas, alguns problemas a jusante das áreas que foram queimadas por causa da chuva porque uma das consequências imediatas que as altas temperaturas têm nos solos é a hidrofobicidade, ou seja, a partir de uma certa temperatura o solo torna-se tal e qual como a água e o azeite, a água deixa de penetrar no solo mesmo que o solo esteja particularmente seco”, explicou.
Bento Gonçalves explanou que os solos tornam-se “hidrofóbicos” e repelem a água, pelo que a chuva tão aguardada e desejada pode agora ter consequências negativas. “As chuvadas que aí vêm – e estamos a entrar no outono e vamos ter chuvas e algumas com intensidade – não vão poder penetrar, não se vai infiltrar no solo. A escorrência vai ser muito superior e é de esperar um aumento substancial da erosão nessas áreas, sobretudo depois da intervenção dos proprietários para cortar madeira que ainda é possível salvar, retirar as árvores carbonizadas ou para evitar que os troncos mortos possam propagar pragas”, apontou.
A solução, apontou, pode estar na palha: “A medida mais prática, simples e rápida de combate àquela hidrofobia é até bastante simples, espalhar palha”, disse. “Num mundo perfeito, intervir-se-ia, com uma coisa tão simples mas que é cara, que é espalhar palha em toda a área queimada porque isso vai impedir o efeito salpico, as gotas mais grossas baterem diretamente no solo, impedir a diminuição da escorrência das águas, permitir uma maior infiltração, aumentar a matéria orgânica no solo e reduz substancialmente a erosão e os problemas a jusante dessas áreas”, salientou.
Mas apesar de “simples e prática”, não é uma medida fácil de aplicar porque, apontou Bento Gonçalves, “muitas das áreas são privadas, é preciso saber quem intervêm, se é o Estado, a autarquia, os privados, com que dinheiros” ou seja, continuou, “são questões complicadas de gerir sobretudo porque são medidas de emergência, que deviam ser aplicadas no espaço de 15 dias após os incêndios”.
E aqui levanta-se outro problema: “Neste caso, em particular, não há esse espaço temporal, as chuvas já estão aí. São medidas que ficam comprometidas até porque, primeiro, não temos tradição de intervir nas áreas queimadas, em Portugal não há essa tradição; segundo, isso implica ter dinheiro para o fazer porque em termos técnicos é simples: é pegar em fardos de palha, separá-los e espalhar”, disse.
António Bento Gonçalves deixou ainda um lamento em jeito de aviso. “Pensa-se muito no combate e depois, aparentemente, os problemas esgotam-se nestes dramas como os do fim de semana. Mas os dramas continuam e certamente nestes sítios vamos ter problemas de erosão, cheias rápidas, problemas sérios e vai ser sempre assim até se mudar a lógica de intervenção”, referiu.
*Foto de Reuters