“Os desafios ambientais são mais do que conhecidos. Inquérito atrás de inquérito mostra que a população está preocupada com as alterações climáticas, com a poluição causada pela atividade humana e quer ver a mudança a acontecer”. A declaração é de Inês dos Santos Costa, secretária de Estado do Ambiente, que participou esta quinta-feira, 27 de setembro, na sessão plenária “Resiliência e Sustentabilidade”, integrada no XXII Congresso da Ordem dos Engenheiros.
Sob o tema “Desafios ambientais para uma nova economia”, a governante considera que a questão principal prende-se com “aquilo que estamos dispostos a fazer ou prescindir para que a mudança aconteça de forma justa”. E, sendo este o momento dos engenheiros, Inês Costa acredita que “virtudes na prática de engenharia” que podem ajudar na mudança: “É a capacidade que os engenheiros têm de encarar o problema de forma sistémica e procurar a melhor solução possível para problemas complexos que têm múltiplas vertentes e facetas”. E num mundo que “hoje já está em mudança”, os engenheiros têm de “mudar de lentes”, de abordagem e de pensamento: “A engenharia é parte da solução, mas durante muito tempo foi parte do problema”. E um bom exemplo disso é o betão na construção: “Para um engenheiro civil, não há material – depois da água – mais maravilhoso que o betão: é o material mais utilizado em todo o mundo”. É certo que “a biosfera nos dá os materiais” e “o betão dá as infraestruturas e tudo aquilo sobre o qual assenta a saúde, a educação, a habitação, os transporte, a energia, as empresas”. No entanto, este material “também tira muita coisa, como o solo, o espaço, os sedimentos ou a água”. Aliás, se a “indústria do cimento” se concentrasse como se fosse um país, seria o terceiro maior emissor de CO2 a nível mundial, ultrapassado, neste momento, pela China e pelos Estados Unidos da América. Mas, o betão está lá para “empurrar” o PIB (Produto Interno Bruto) das Nações e, segundo a governante, houve momentos na história em que economistas diziam aos Governos que “a melhor forma de estimular o crescimento da riqueza de um país era cavar um buraco no chão e encher de betão e, quanto maior o buraco, melhor”. Neste contexto, Portugal não fugiu muito à regra: “O nosso consumo interno de materiais é dominado pela extração doméstica de minerais não metálicos, com a agravante de que a nossa indústria de construção é das menos produtivas do ponto de vista material e os menos competitivos”. E a prova é que, “em 2017, produzimos cerca de 75 euros de valor acrescentado bruto por tonelada de materiais consumidos, quando em Espanha o valor estava nos 380 euros por tonelada”, atenta. Portanto, na visão de Inês Costa, os engenheiros têm a capacidade de fazer melhor e não é só na construção, mas também na mecânica, floresta, agricultura ou informática: “Temos de saber colaborar entre todos porque os desafios são transversais”.
Para a secretaria de Estado do Ambiente, há uma “tentação recorrente” entre engenheiros e cientistas de que se conseguirá desenvolver soluções de base tecnológica para cada um dos desafios decorrentes das alterações climáticas e todos os seus efeitos adversos: “Não cedemos totalmente a este entendimento porque, se pensarmos na tecnologia como o hardware do nosso sistema socioeconómico, então para que tenhamos resultados duradouros, precisamos de mudar também de software”. Isto significa que “temos de transformar e mudar a arquitetura social económica e aqui é que entra a inovação organizacional, a organização nos instrumentos de política pública e, sobretudo, nos pressupostos que orientam as missões de um setor ou de um país rumo a uma economia mais circular, descarbonizada e que valorize o território”. Por isso, “não podemos ver na mobilidade elétrica, no hidrogénio e nas energias renováveis o fim último daquilo que devemos fazer: isso é uma muleta para que possamos fazer mais com menos, mas cada vez mais e mais e isso não é sustentável”.
No caminho para a COP26 (Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas), os dados são claros: “Temos um país – Gâmbia – que cumpre os objetivos do Acordo de Paris. Se o business as usual continuar, chegamos ao aumento de 2.7 graus até ao final do século”. Perante uma “crise energética” que o país defronta, Inês Costa alerta que esta será apenas uma “demonstração” daquilo que irá acontecer com cada vez maior frequência.
“É a hora dos engenheiros se chegarem à frente e demonstrarem que há beleza na suficiência”, declara a governante, referindo-se a um modelo capaz de “desenvolver soluções” que promovam ativamente a “redução da extração de matéria-primas e de consumo de energia”, que “consigam prolongar os produtos e materiais na economia”, que “redesenham todo os processo de desenho, produção”, e que “permita que todas possam aceder a soluções sustentáveis e não só aqueles que as podem pagar”.
A “Engenharia e os Desafios do Futuro” é o tema do XXII Congresso Nacional da Ordem dos Engenheiros, que decorre nos dias 27 e 28 de outubro.