Digitalização: Uma oportunidade para o têxtil?
Numa altura em que a digitalização assume cada vez mais um lugar de destaque na agenda de prioridades e, ao mesmo tempo, se afirma como uma aliada na transição para um modelo mais eficiente ao nível ambiental e económico, juntamos os desafios do têxtil e as oportunidades que esta indústria pode aproveitar sendo tecnologicamente mais sustentável.
A verdade é que os temas da economia circular, da sustentabilidade e das boas práticas ambientais aceleraram e já assumem, um certo protagonismo, transformando-se numa “call to action”. É precisamente nas oportunidades que a sustentabilidade e a tecnologia podem dar a esta indústria que José Manuel Castro, Diretor do MODATEX Centro de Formação Profissional para a Indústria Têxtil, Vestuário, Confeção e Lanifícios, se centra: “É a oportunidade de se reinventar, de ser pioneira e marcar uma posição de vanguardismo no panorama internacional dos têxteis, sendo cada vez mais interpretada pelos consumidores, como uma referência”. Um exemplo demonstrativo da mudança que já se faz sentir na indústria têxtil portuguesa é, essencialmente, a adoção de um conjunto de “boas práticas e de inovação sustentável” que lhe tem permitido “mitigar parte do impacto da sua atividade” no planeta e ser mais amiga do ambiente: “A adoção de técnicas e medidas que promovem a redução do consumo de recursos naturais, como a água e as matérias-primas, a par da redução do consumo energético como o maior contribuinte nas emissões de carbono, tem-se refletido em práticas mais sustentáveis ao nível da utilização de materiais, dos processos de produção e numa aposta na economia circular, que permite a redução do desperdício têxtil, seja resíduo pré ou pós-consumo”, afirma. Contudo, aquele que parece ser o grande desafio é a “integração dos resíduos da própria indústria em novos processos de fabrico”, dando origem a “novas fibras, com design adequado à produção de produtos têxteis”, diminuindo-se o “impacto do aumento de consumo”. A digitalização aparece, assim, como uma “oportunidade única, fundamental” para uma indústria mais eficiente e eficaz: “Num ambiente cada vez mais especializado e hiperconectado, as indústrias do setor têxtil necessitam rapidamente de se digitalizar, por forma a se manterem competitivas, adaptando-se aos novos requisitos do setor, tais como rastreabilidade, sustentabilidade, sistemas 3D para a prototipagem, e-commerce, a customização do vestuário e a aproximação da indústria ao consumidor”. Reiterando a importância da tecnologia, José Manuel Castro lembra que há já largos anos que o setor entende que o “fator diferenciador não poderia ser o preço” e, como tal, o “valor acrescentado” naquilo que se faz é que vai demarcar o trabalho: “A rapidez de entrega e a versatilidade na produção são pontos fortes da nossa indústria têxtil”. Nos últimos anos, “temos assistido a muitos e bons exemplos de evolução tecnológica num setor que tem tido uma enorme capacidade de reinvenção, estando esta inovação integrada com a digitalização e a sustentabilidade”, precisa. Mesmo com as oportunidades que a tecnologia representa para esta indústria, o diretor da MODATEX atenta que o “investimento necessário” nem sempre está ao alcance de todas as indústrias do setor, dificultando o processo: “Aliás, as PME continuam a ser dominantes nesta indústria”. A isto soma-se a “escassa mão-de-obra qualificada” para esta nova indústria, sendo outro entrave que o têxtil enfrenta.
O digital trouxe a esta indústria mais e ciência
É na “otimização dos processos” que a digitalização se assume como uma aliada para indústria têxtil se tornar mais sustentável: “O digital trouxe a esta indústria mais eficiência e, consequentemente, mais sustentabilidade”, constata Fátima Campos, designer têxtil e fundadora da GreenKiss, dando como exemplo a “estampa digital, que usa cerca de 10 vezes menos água do que a estamparia convencional”. Apesar das evoluções serem imensas, como a preocupação com a sustentabilidade em todo o “processo de produção têxtil” e existirem cada vez mais marcas focadas na escolha de materiais “menos poluentes e mais duradouros”, há ainda um longo caminho a fazer: “A indústria têxtil, como sabemos, é uma das mais poluentes do mundo”. Ainda assim, “o caminho faz-se caminhando” e os largos anos de experiência fazem crer que “produzir em Portugal, de forma ética e responsável, é um dos maiores passos que podemos tomar no caminho da sustentabilidade”, considera a fundadora da marca 100% portuguesa e que prima pela escolha de matérias-primas nobres e com maior durabilidade. Para a designer têxtil, a digitalização pode ser uma aliada do setor, mas não se focará, apenas, na otimização: “Quando analisamos a produção a nível digital permite-nos rever processos e implementar melhorias contínuas em termos lucrativos e sustentáveis”. Assim, a tecnologia permite “perdermos menos tempo e, consequentemente, menos dinheiro na produção de uma peça”, sustenta. Dando como exemplo a GreenKiss, Fátima Campos recorda que tudo foi pensado para ser uma “marca sustentável”, sendo que o começo deve passar, primeiramente, por ser produzida em Portugal e em condições controladas e éticas: “Sei que quem está a trabalhar connosco recebe um salário justo e trabalha em condições dignas”, afirma. Mesmo com as “dificuldades e dos custos de produzir em Portugal”, Fátima Campos orgulha-se de “estar a ajudar a produção nacional e a dinamizar o país. Isto já é sermos sustentáveis”. A isto, acresce que o facto de se tratar de “peças com um preço mais elevado do que o fast fashion”, consegue-se uma “compra menos impulsiva e mais racional”, destaca a responsável, reforçando que a primazia por “peças intemporais e versáteis” permitem “reduzir o consumo desmesurado” e, ao mesmo tempo, “contribuir para a diminuição da nossa pegada ecológica”. Ainda assim, Fátima Campos não deixa de alertar para um dos entraves à aceleração da indústria digital, destacando a “mão de obra qualificada e especializada”, bem como os “custos de energia e de investimentos” associados.
*Este artigo foi incluído na edição 95 da Ambiente Magazine