No âmbito do Dia Mundial da Água que se comemora, esta quarta-feira, 22 de março, a Ambiente Magazine foi ao encontro de Miguel Lemos, Presidente Conselho de Administração da Águas de Gaia, para perceber qual é, verdadeiramente, o valor que damos a este recurso que se tem revelado cada vez mais escasso.
Apesar de se sentir tendencialmente uma “enorme evolução comportamental”, nomeadamente no valor que é dado atualmente à água enquanto “recurso escasso, essencial à vida e fundamental preservar”, a verdade é que, “ainda há quem julgue que a água ‘cai do céu’ e que não deve ser paga, quando apenas podemos ter água de qualidade e segura com sistemas que assegurem a sua captação, tratamento e distribuição”. Aliás, “até há muito pouco tempo, a água potável não era encarada como um recurso finito, nem tão pouco se percebia a complexidade de todo o processo por detrás dos sistemas de distribuição para que seja possível o simples gesto de abrir a torneira e termos acesso a água própria para consumo humano e de qualidade”, sucinta.
Para que o recurso seja realmente valorizado, Miguel Lemos considera que é muito importante dar a conhecer o valor real e multidimensional da água: “É fundamental falar de forma transparente e sem populismos sobre estas temáticas. Temos de continuar a apostar na educação ambiental e contribuir para essa mudança de comportamentos e de mentalidades: é fundamental que a população perceba o verdadeiro valor da água e perceba o processo que está por detrás de todas as nossas operações”, considera
Assim, assinalar o Dia Mundial da Água reveste-se de extrema importância para destacar a “vitalidade do recurso”, bem como para “consciencializar e incentivar a adoção de medidas que visem prevenir e enfrentar uma crise mundial”, assente na escassez da água: “O mundo enfrenta muitos desafios relacionados com a disponibilidade e a qualidade da água”. E, apesar do progresso nos últimos anos, o acesso à água ainda não é uma realidade universal: “De acordo com as Nações Unidas, três em cada dez pessoas no mundo ainda não têm acesso a água potável e seis em dez não têm acesso a instalações sanitárias seguras, por isso muito mais que uma efeméride, o Dia Mundial da Água é uma forma de alerta, de chamar a atenção de forma global e consertada para esta problemática”.
“Somos um setor no qual mais existe consciência ambiental e julgo não estar errado que estamos unidos nesta missão”
Sobre o tema das alterações climáticas e dando o exemplo do verão extremamente seco, o presidente da Administração da Águas de Gaia atenta na necessidade de “estarmos cada vez mais preparados para os eventos extremos”, associados à abundância ou escassez de água: “Parece contraditório, mas atualmente assistimos a um fenómeno que, num curto espaço de tempo e na mesma área geográfica, podemos estar a falar de seca e pouco tempo depois de inundações!”. E se, no verão passado, se assistiu a uma “enorme pressão sobre a disponibilidade da água em Portugal”, a grande lição a reter é da necessidade de “termos comportamentos de uso racional, aumentar o eficiência da gestão dos recursos hídricos, promover (as entidades gestoras) afincadamente a redução das perdas de água e a redução da água não faturada”, bem como “promover, com racionalidade e em locais onde haja racional económico e ambiental, as novas fontes de água”, isto é, “a água residual tratada e a dessalinização”.
Miguel Lemos reconhece que o setor tem dado respostas positivas, sendo já “muitos os bons exemplos de melhoria da eficiência”, havendo “um leque grande de entidades gestoras que contribuem para a redução da média nacional de perdas de água”, bem como “vários projetos em curso, nomeadamente da reutilização”. O setor tem também “debatido muito em conjunto”, sendo muito importante “haver esta vontade conjunta de gerir cada vez melhor os recursos hídricos” e também de “mitigação das alterações climáticas”, onde “somos um setor onde mais existe consciência ambiental e julgo não estar errado que estamos unidos nesta missão”.
Algo que pode dificultar o setor a ser mais eficaz nas respostas e desafios tem que ver com a “falta de recursos financeiros”, havendo realidades muito diferentes no país: “Há uns anos, foram efetuados grandes investimentos, a maior parte deles financiados por fundos comunitários, na criação de infraestruturas. Foi o início do chamado “milagre português”, mas hoje o país está perante a necessidade de substituição de muitas dessas infraestruturas”, alerta, acrescentando que “ainda há sistemas ineficientes” e, por isso, “assistimos a enormes disparidades no país”, desde “ao nível das perdas até enormes diferenças tarifárias”, sendo fundamental “apostar-se na eficiência, na redução da água não faturadas e na cobertura de custos”, sintetiza.
“Portugal é um exemplo de enorme competência no setor da água e no que diz respeito a políticas ambientais em sentido mais lato”
Sobre a guerra na Ucrânia e o seu impacto negativo no setor, o presidente da Administração da Águas de Gaia destaca desde logo o “aumento dos preços da energia”, sendo que, na “atividade das entidades gestoras, os custos energéticos têm um enorme impacto nos custos operacionais”. Por outro lado, Miguel Lemos deixa bem claro que é “um defensor que devemos apoiar dentro das possibilidades, com know-how e apoio técnico, as entidades gestoras congéneres da Ucrânia, na tentativa de fornecer água potável às populações e, no futuro, na reconstrução das infraestruturas públicas de água e saneamento”, uma posição reiterada na AquaPublicaEuropeia, enquanto membro da Direção da Associação.
Este é, aliás, um cargo que representa na AquaPublicaEuropeia que Miguel Lemos considera ser muito gratificante: “É um enorme orgulho, mas é também a oportunidade de Portugal estar representado num grupo cuja missão é de trazer a voz dos operadores públicos de água para a União Europeia e para a formulação de políticas internacionais”. E Portugal é visto com “muita seriedade e respeito em termos internacionais” neste capítulo: “Ser português e fazer parte da direção da APE é também levar o nosso país, a nossa realidade, a nossa competência além-fronteiras, é mostrar, e faço isso muitas vezes nos vários fóruns onde estamos presentes, que Portugal é um exemplo de enorme competência no setor da água e no que diz respeito a políticas ambientais em sentido mais lato, como o nosso compromisso enquanto país no combate às alterações climáticas”.
A AquaPublicaEuropea (APE) representa vários operadores públicos europeus que, no seu conjunto, servem mais de 70 milhões de cidadãos.
Que mensagem pode partilhar com os portugueses no Dia Mundial da Água?
“Não posso deixar de destacar a importância da água, enquanto recurso, bem como com o objetivo de consciencializar e incentivar a adoção de medidas que visem prevenir e enfrentar uma crise mundial assente na escassez da água e sublinhar a importância da universalidade do acesso à água e, portanto, a reforçar o cumprimento da Sexta Meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS): “água e saneamento para todos até 2030”.
Valorizemos a água, em conjunto, enquanto comunidade e enquanto país, e claro, se estamos a pedir um esforço coletivo à população para poupar água, acho que é absolutamente contraditório que as empresas de água depois não caminhem para uma maior eficiência. Na Águas de Gaia, em dois anos já conseguimos poupar mais de 2 milhões de metros cúbicos de água; o que representa um ganho de eficiência muito grande. Conseguimos atingir uma maior eficiência ao nível do nosso balanço hídrico com a implementação do nosso Programa de Redução Global de Perdas e Gestão de Eficiência Hídrica, vamos continuar a seguir este caminho em prol de uma maior e mais eficiente gestão no setor da água”.