No passado dia 16 de maio, o Banco Alimentar do Porto (BA Porto) completou 27 anos. Desde 1994, esta IPSS tem como missão o não Desperdício Alimentar e o combate à fome no distrito do Porto. Atualmente, o BA Porto apoia cerca de 300 instituições, espalhadas pelos 18 concelhos do distrito. Entre as entidades, estão lares de idosos, creches e jardins de infância, casas de acolhimento para crianças em risco, mães adolescentes ou vítimas de violência doméstica e equipas de apoio domiciliário. Ao todo, o BA Porto apoia, indiretamente e por mês, cerca de 62 mil pessoas no distrito. Em 2020, doaram 5.854 toneladas de alimentos.
À Ambiente Magazine, António Cândido da Silva, presidente do Banco Alimentar do Porto, deixou claro o “orgulho” pelo trabalho feito ao longo destes 27 anos: “É extremamente gratificante ver que, atualmente, o Banco Alimentar do Porto é sinónimo indiscutível de humanidade e solidariedade”. Ao longo de quase três décadas, “criamos uma muito vincada ligação emocional com a sociedade”, envolvendo e incentivando os cidadãos a ajudar quem mais precisa: “As amplamente reconhecidas Campanhas de Recolha de Alimentos, que ocorrem duas vezes por ano em maio e novembro nos mais de 290 supermercados do distrito, além de conferirem visibilidade aos Bancos Alimentares, possibilitam que mais pessoas possam ajudar o próximo e envolver-se em causas sociais que, de outra forma, não teriam disponibilidade e iniciativa para o fazer”. E um outro sinal do apreço que os portugueses demonstraram foi o facto de, durante a pandemia, que obrigou muitos cidadãos a parar e a procurar outras formas de se manterem ativos, o número de pessoas que se voluntariaram para ajudar o Banco Alimentar do Porto subiu de 100 para 700: “Este é um reconhecimento que nos enche de gratidão e de certeza de que estamos no bom caminho e que temos despertado o sentido de solidariedade social de muitas pessoas da nossa sociedade”, declara. Foi precisamente sobre os desafios que a pandemia deixou na vertente social, nomeadamente a suspensão das campanhas e outras iniciativas de sensibilização e angariação de alimentos, que a responsável lamenta o aumento considerável do volume de pedidos de ajuda individual, acabando por aumentar, invariavelmente, a pressão na estrutura. “Para dar resposta a esta situação, temos mantido o foco na disponibilidade ao outro e na humanidade. A melhoria contínua está na implementação de todos os procedimentos que nos permitem ser mais eficientes, ao mesmo tempo que nos reinventamos para melhor responder às necessidades das instituições”.
[blockquote style=”2″]Trabalhar desde a forma como se consome até à compra[/blockquote]
Avaliando o desperdício alimentar em Portugal, António Cândido da Silva, não tem dúvidas de que a “educação cívica” e a “gestão doméstica” são duas ferramentas muito importantes na luta contra a problemática, que devem estar acompanhadas de uma “melhor leitura de rótulos e prazos de validade”. Estas são “áreas críticas de intervenção” e que, segundo a responsável, “exigem o acompanhamento, principalmente das crianças e das famílias que recebem apoios alimentares”. Nestas matérias, o BA Porto criou um grupo de Nutrição que está a trabalhar nas áreas relacionadas com a “educação para a correta leitura dos rótulos”, para o “desenvolvimento de receitas económicas”, e que permitam evitar o desperdício alimentar, através do “aproveitamento de talos e cascas de alimentos”, refere. A realização de um workshop “padrão” que também promovem nas instituições que recebem e cozinham os produtos é uma das ações que o BA Porto tem levado a cabo: “Pretendemos que (as instituições) percebam como podem criar receitas rápidas e saudáveis com os produtos doados pelo BA Porto”. Criaram também um “grupo de triagem” que previne a “contaminação dos frescos em bom estado: este grupo é responsável por separar ou eliminar produtos que não podem ser aproveitados”, explica. Paralelamente, “estamos a criar uma newsletter para permitir que todas as pessoas tenham acesso a informação importante e sejam sensibilizadas na luta contra o desperdício alimentar”, sucinta.
Apesar de não existir uma ferramenta que meça os números do desperdício alimentar em Portugal, António Cândido da Silva, refere que se trata de um desafio para o setor dos resíduos e agora, cada vez mais, na recolha dos biorresíduos, que será obrigatória em breve. Na luta contra este desígnio, a responsável aponta a necessidade de se trabalhar desde a forma como se consome até à compra (lista de ementas, constituição do prato): “Todos estes tópicos podem ajudar na luta contra o desperdício alimentar”.
E como é que se pode acabar com o desperdício alimentar no país? Para a responsável, é necessário reforçar a informação disponível, a educação, assim como promover uma mudança de hábitos (mais conscientes): “Precisamos, também, de mais projetos inovadores que nos façam aprender qual o papel de cada um de nós na eliminação do desperdício alimentar”. E o “consumo consciente e a economia circular” são, para António Cândido da Silva, dois conceitos de base para trabalhar, desde os mais novos até aos mais velhos: “Acredito que os idosos podem ter muito a ensinar às gerações mais novas”.
Relativamente ao papel dos líderes políticos, a responsável é perentória: “Devem ser “o exemplo” a seguir”. Além disso, cabe-lhes compreender que “só́ com investimento em projetos que meçam o seu impacto e que se prolonguem no tempo” é que “poderemos ter uma melhoria considerável dos comportamentos nesta área”. Também poderia ser criado um “Ministério Contra o Desperdício (alimentar e outros)” ou um “Ministério da Sustentabilidade” que promova o incentivo à “adoção de comportamentos pró-sustentabilidade e de luta contra o desperdício”, defende a responsável. Já a sociedade deve agir como “comunidade”, mantendo o foco no “impacto dos comportamentos individuais e como, somadas as ações de cada um podem ser decisivas para a mudança global”, declara. Citando Mahatma Gandhi, a responsável deixa uma mensagem: “Todos devemos ser a mudança que queremos ver no mundo e não só́ responsabilizar os outros pela forma como as coisas estão”.
O BA Porto é um dos 21 Bancos Alimentares que existem em Portugal (18 no continente e três nas ilhas), responsáveis por encaminhar alimentos, de forma gratuita, para instituições de apoio aos mais carenciados, estabelecidas na sua área geográfica. De acordo com António Cândido da Silva, os produtos são armazenados e distribuídos a partir do armazém da instituição em Perafita (Matosinhos), sendo que, atualmente, muitos dos produtos perecíveis são distribuídos diretamente para as instituições que apoiam, a partir de hortas que fornecem frutas e legumes. Neste momento, os frescos que, de outra forma, acabariam por ser desperdiçados já ocupam 23% da composição dos cabazes que o BA Porto entrega a cada instituição. Além das doações de particulares, o BA Porto conta com cerca de 50 produtores de hortícolas, nomeadamente do Mercado Abastecedor. O BA Porto conta, ainda, com uma equipa de nutrição e educação contra o desperdício alimentar. Enquanto entidade mediadora, o BA Porto encaminha o que angaria para doar a quem necessita, pretendendo que o produto alimentar chegue nas melhores condições possíveis às entidades, por forma a que o produto seja aproveitado pela entidade que o recebe, contribuindo efetivamente para a luta contra o desperdício alimentar e tendo em conta a segurança alimentar. A proximidade e a transparência, baseados no diálogo constante com todas as partes são, por isso, “ferramentas de trabalho essenciais para que possamos adaptarmo-nos mais rapidamente à realidade atual e construir soluções que nos permitam ultrapassar os desafios que temos em mão – por exemplo, a suspensão das Campanhas de Recolha de Alimentos em Supermercado”, afirma a responsável.
[blockquote style=”1″]Quais as expectativas para os próximos 10 anos?[/blockquote]
Com o forte caráter de humanidade que temos e os exemplos de generosidade a que assistimos todos os dias, só́ poderemos ter esperança num futuro melhor – uma maior consciência global e um maior conhecimento e informação sobre o impacto do nosso comportamento nos outros e no mundo permitirá criar uma teia com foco em comportamentos que visam um futuro que respeite mais o ambiente, a sociedade e os outros. Gostaríamos que, daqui a 10 anos, a procura dos Bancos Alimentares por parte de pessoas carenciadas, fosse reduzida ao mínimo possível. Temos todos um papel decisivo neste objetivo. É hora de nele trabalharmos para que ele não se torne uma utopia.