Uma equipa da Universidade de Évora alertou hoje que o desassoreamento do rio Mondego, em Coimbra, e a construção de um açude no Vouga, em Aveiro, ameaçam os peixes migradores e os investimentos na sua conservação. “Há formas de compatibilizar as coisas”, minimizando o impacto das intervenções, disse à agência Lusa o investigador Pedro Raposo de Almeida, estimando que “quase 10 milhões de euros”, aplicados nos últimos anos em projetos de conservação da fauna piscícola dos dois rios “estarão perdidos” se não forem adotadas medidas preventivas.
O desassoreamento da albufeira de Coimbra, no Mondego, “potencia um conjunto de impactos negativos sobre as espécies migradoras”, como o sável, a enguia e a lampreia-marinha, “pondo em causa o trabalho de reabilitação” do habitat, sublinhou. A equipa científica de Pedro Raposo de Almeida tem realizado esse trabalho nas bacias hidrográficas da região Centro, com ações nos rios Mondego, Vouga e afluentes.
Em Coimbra, a intervenção a montante do açude-ponte, da responsabilidade da Câmara de Coimbra, “implica a remoção de 700 mil metros cúbicos de areia” nos próximos dois anos.
Este professor tem coordenado projetos de reabilitação de habitats e monitorização das populações de lampreias e outros migradores, no âmbito do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, que reúne seis universidades.
No caso do Mondego, a ação, que deverá começar ainda este ano, “é particularmente nefasta para as larvas de lampreia, pondo em risco a recuperação muito significativa dos efetivos populacionais registada ao longo dos últimos seis anos”, advertiu. “Caso não sejam tomadas medidas de mitigação adequadas, associadas a um rigoroso plano de monitorização, a eliminação das larvas de lampreia poderá refletir-se no rendimento da pesca profissional do Baixo Mondego e da zona estuarina junto à Figueira da Foz”, alertou. Estando previsto que o depósito do material dragado será feito a jusante do açude-ponte, este trabalho “provocará uma perturbação muito significativa no habitat” das larvas de lampreia neste troço do Mondego.
No caso do Vouga, na zona de Aveiro, “a ameaça sobre estas espécies agudiza-se, tendo em conta que foi construída uma barragem (…) que obstrui quase totalmente” o denominado Rio Novo do Príncipe, a jusante da ponte de Vilarinho. “Este açude é propriedade da Navigator Pulp Cacia e tem por objetivo melhorar as condições de operação da estação de bombagem de água que a empresa tem junto à unidade industrial em Cacia”, refere Pedro Raposo de Almeida numa nota enviada à Lusa.
Definido como “Sistema de tapamento temporário no rio Vouga”, o dique de madeira e inertes “está localizado em plena Rede Natura 2000 e na zona de influência das marés”. No documento, Pedro Raposo de Almeida alerta que o sistema “provoca impactos negativos muito significativos sobre a fauna piscícola do ecossistema fluvial e da própria ria de Aveiro, sendo particularmente gravoso para os peixes migradores diádromos”, se não for assegurada a sua livre circulação.
Os peixes diádromos são aqueles que “migram entre ambientes com características distintas, designadamente a água doce dos rios e a água salgada do mar”, de acordo com a definição do MARE.
A intervenção para “tapamento temporário no rio Vouga” está a ser realizada, num momento em que decorre o projeto Life Águeda, que inclui “ações de conservação e gestão para peixes migradores na bacia hidrográfica do Vouga, coordenado pelo MARE e pela Universidade de Évora, cujo orçamento ronda os 3,3 milhões de euros. O projeto, financiado pela União Europeia, visa recuperar o habitat destas espécies a montante da intervenção nos rios Águeda e Alfusqueiro, afluentes do Vouga.
A degradação e redução do habitat “provocará também uma perda de rendimento da pesca comercial”, sobretudo do sável e da lampreia, adverte o investigador. “A presença de mais este obstáculo, logo no início do percurso migratório, pode sentenciar as populações de peixes migradores do Vouga e, consequentemente, acabar com a sua exploração comercial”, neste rio e na ria de Aveiro, acentua.