Até 20 de novembro, a Les Roches está a realizar o ShiftIn ‘2020, um conjunto de sessões em formato online e que têm como foco debater o futuro e como as empresas estão a conjugar inovação com sustentabilidade. “Riscos climáticos: uma oportunidade climática” foi uma dessas sessões, que contou com Veronique Bugnion, cofundadora e CEO da ClearlyEnergy da Johns Hopkins University. Esta sessão centrou-se nos “principais riscos climáticos” e onde estes podem oferecer oportunidades de negócio.
Quando se fala em “risco climático” ou “eventos climáticos”, que são cada vez mais uma realidade, não há nenhum setor que esteja preparado para responder de forma eficaz à situação. No caso do setor hoteleiro, Veronique Bugnion defende que a aposta se centre, essencialmente, na diversidade de atividade. A título de exemplo, nos Estados Unidos da América, a época de neve “recuou mais de um mês ao longo dos últimos 40 anos”. O mesmo acontece na Europa: “A tendência é de cerca de 11 a 12% menos neve por década”. Face a esta evidência, não restam dúvidas de que os “investimentos imobiliários na montanha” estão a tornar-se cada vez mais arriscados, afirma, sendo que uma das soluções pode passar por “diversificar atividades”, permitindo “prolongar a época”.
Do ponto de vista da responsável, a atividade em qualquer ramo corre o risco de se tornar um “bem encalhado: É algo a que atribuímos valor hoje e que pode não ter qualquer valor amanhã ou daqui a 10 ou 30 anos”. Veronique Bugnion deu o exemplo dos carros a gasolina ou gasóleo: “Se houver uma mudança dramática para veículos eléctricos e se tiver um carro a gasolina ou a gasóleo e não tiver onde o abastecer, torna-se um bem irrecuperável por muito que se adore, porque ninguém vai querer utilizá-lo”.
[blockquote style=”2″]Caberá as empresas se adaptarem prontamente a um novo panorama político vindouro[/blockquote]
A responsável relembrou o ano de 2015 quando o mundo acordou em limitar o “aquecimento global” a dois graus Celsius: “Para se cumprir os objetivos climáticos do Acordo de Paris, cerca de dois terços das reservas petrolíferas têm de permanecer no solo”. No entanto, desde há cerca de um ano que “as dez maiores empresas energéticas anunciaram investimentos de cerca de um bilião de dólares”. Do ponto de vista de negócio, não restam dúvidas de que se trata de um “bom investimento” que, certamente, empregará muitas pessoas mas do ponto de vista climático “temos um problema”, alerta a responsável. Assim, Veronique Bugnion considera que caberá às “empresas” se adaptarem prontamente a um novo panorama político vindouro pois, caso contrário, assumem um grande risco: “Obviamente que os biliões devem ser investidos numa nova economia energética”.
Relativamente aos incêndios, a responsável diz é que difícil de determinar esse risco como sendo climático: “É claro que temperaturas mais elevadas, combinadas com condições de seca, ventos fortes e baixa humidade aumenta drasticamente o risco de incêndio”. Mas o que para a responsável parece ser mais difícil é “saber qual teria sido o risco de incêndio na ausência do aquecimento global”: é que “há uma série de interações entre os incêndios que vemos e a forma como as florestas estão a ser geridas e que podem causar incêndios”. Ainda assim, Veronique Bugnion diz que um “incêndio” é um “risco real e tem um impacto tremendo na saúde e na economia”.
[blockquote style=”2″]Prevê-se que 140 milhões de pessoas se desloquem em larga escala devido às alterações climáticas[/blockquote]
Outro risco relevado pela oradora centrou-se na responsabilidade climática. Segundo Veronique Bugnion, “cidades, indivíduos, organizações estão a processar grandes empresas petrolíferas por danos climáticos”. E de acordo com várias análises, desde 1965, as “empresas petrolíferas têm responsabilidade numa grande fração do fluxo global de gases de efeito estufa”. A alegação, segundo a responsável, é também que, pelo menos, desde 1980 que “estas empresas sabiam dos riscos climáticos”. Aliás, “tinham uma análise interna muito boa dos riscos climáticos”, sustenta. No entanto, estas empresas defendem uma espécie de “anti-ciência, anti-regulamentação e não procuram alternativas”. Portanto, as denúncias não são ambientais: “Enquadram-se no tipo de lei que diz que estas empresas estão a causar um incómodo público”, sublinha.
Já as migrações, segundo o Banco Mundial, em 2050, prevê-se que 140 milhões de pessoas se desloquem em larga escala devido às alterações climáticas. E as causas apontadas, segundo a responsável, tem que ver com as “inundações”, onde, por exemplo, “nações de baixa altitude podem ser inundadas”. Ou, então, pessoas que “vivem de uma agricultura de subsistência bastante marginal”, sendo que esta, “simplesmente, já não é viável”, refere. Quando há um número extenso de pessoas que se deslocam, na maioria, fazem-no para as cidades, colocando-a em stress infraestrutural: “No Sudeste Asiático, o problema é que a maioria das cidades de destino para estes migrantes estão elas próprias em risco climático muito elevado”. E, assim, “não são apenas 140 milhões de pessoas que são realmente deslocadas, mas depois tornam-se mais como 800 milhões de pessoas que se esperam que tenham condições de vida mais baixas devido à deterioração das condições nas zonas urbanas em áreas urbanas”, destaca.
[blockquote style=”2″]A Europa tem sido mais séria[/blockquote]
Em questões políticas, Veronique Bugnion refere a “falta de previsibilidade e não saber qual o melhor caminho de adaptação” para empresas ou indivíduos podem ser um problema: “Se tomarmos o panorama político ao mais alto nível, temos o Acordo de Paris que tenta manter as temperaturas entre o um e meio e os dois graus”. Mas, diz a responsável, o modo como o acordo funciona “não é o de um polícia global a dizer aos países o que deve fazer” ou seja, “permite a cada país que vem a debate trazer os seus próprios objetivos de mitigação do clima”. Nos últimos meses, tem havido um novo nível de ambição para algumas destes objetivos: “A Europa tem sido mais séria. Ainda não tem regras em vigor mas tem o objetivo declarado”. A responsável reconhece que a União Europeia está a trabalhar num bom sentido: “Coloca em prática políticas para chegar àquilo a que se chama “net zero” até 2050”.
Já a subida do nível do mar, para a gestora, “o número um de riscos climáticos”. De acordo com Veronique Bugnion, “há cerca de 2,5 mil milhões de pessoas que vivem a menos de 100 quilómetros da costa e existem cerca de 600 milhões que vivem a menos de 10 metros de altitude”. O alerta está dado: “Há muita gente em perigo”. Neste panorama “crítico”, há muitas cidades que não vão conseguir “sobreviver” ao risco. No entanto, a responsável acredita que, se o aquecimento global for tido mais em conta nas agendas, muitos eventos climáticos irão estabilizar, algo que não acontecerá com o “nível do mar”, diz. Exemplo disso é a Groenlândia que já está a dar indícios de degelo: “Isso será como um grande comboio que será extremamente difícil abrandar e parar. Demorará um século para travar o aumento do nível da água do mar, mesmo que paremos o aquecimento amanhã. Por isso, a única hipótese é algum tipo de abrandamento”, afirma.
Em notas finais, a responsável alertou para o facto da situação climática ser mesmo urgente: “Não vamos resolver o problema já amanhã mas fizemos grandes progressos. O meu desejo é que (esta geração) abrace a mudança”. E essa mudança urge: “A mudança para estarmos em 2050 a zero emissões precisa realmente de acontecer nos próximos 10 ou 15 anos”, remata.