Faz já um mês que foi decretado pelo Governo Português o Estado de Emergência por um período de 15 dias, como medida essencial à mitigação dos efeitos nefastos da pandemia Covid-19. Dada a evolução da pandemia, essa decisão foi renovada até dia 2 de maio. Neste sentido, tal medida levou a que grande parte das atividades com peso substancial na geração de valor acrescentado bruto do País fossem interrompidas, à parte da indústria, que continua ativa, mas com quebras substanciais na produção devido à paragem da maioria das atividades e livre circulação das pessoas, tendo muitas acabado por adotar o regime de lay-off. As fronteiras estão também encerradas, exceto para o transporte de mercadorias e circulação individual por motivos laborais. Esta situação está a ter e terá significativos impactos em todo o tecido empresarial, não apenas a uma escala nacional, mas também europeia e mundial.
Não obstante, o setor da eletricidade renovável permanece em contínua atividade, pois é responsável pela prestação de um serviço essencial ao funcionamento do país. Contudo, grande parte das atividades administrativas de desenvolvimento de novos projetos, fundamentais ao seu crescimento, foram suspensas. Neste âmbito, foi determinada, por Despacho da Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG), a suspensão de todos os prazos e procedimentos regulamentados pela legislação do setor elétrico e pelo Código de Procedimento Administrativo. Esta decisão teve ação imediata, suspendendo ainda os prazos processuais que expirariam durante o período de paralisação e qualquer apresentação de novos pedidos de licenciamento de projetos de centrais renováveis.
Estamos numa situação absolutamente extraordinária e incomparável, pelo que a prioridade deve ser a preservação da saúde das pessoas através do combate à pandemia em todas as frentes e de todas as formas que reduzam ao máximo o contágio. No entanto, é já real o cenário de crise económica e financeira global, sendo ainda prematuro avaliar o grau de severidade do impacto em termos de redução do PIB, desemprego e crise de liquidez. A maioria dos cenários aponta para que esta crise seja mais severa que a de 2008 e com consequências mais nefastas que a de 1929.
O setor renovável não é exceção. Esta situação de paralisação das atividades administrativas sem previsão de retoma, agravada pelo impacto nas cadeias de valor e futuramente na liquidez do mercado financeiro, irá comprometer seriamente os projetos de eletricidade renovável em pipeline. As negociações de financiamento podem sofrer alterações aos acordos inicialmente alcançados, principalmente no que respeita os projetos do leilão solar de 2019.
O desenvolvimento destes projetos e licitação dos mesmos em sede de procedimento concorrencial foram feitos num determinado contexto de estabilidade económica, social e financeira, sendo hoje impossível avaliar quando serão restabelecidas. Assim, os projetos que já se encontravam numa fase mais avançada de negociação, com os acordos de supply, construção e de financiamento já fechados e assinados, estarão provavelmente mais protegidos. Por sua vez, os projetos em que tal não se verifique irão provavelmente enfrentar sérias dificuldades, pois a liquidez do mercado financeiro pode reduzir-se abruptamente e as cadeias de valor serão obrigatoriamente afetadas. Todavia, esperamos que a tutela seja sensível a estas situações e se estabeleçam prazos que se coadunem com a atual situação económica.
Aliás, sinais positivos surgiram já com o desbloqueamento dos projetos de pequena dimensão por parte do Ministério do Ambiente e Ação Climática que, através de despacho, veio permitir a emissão de um certificado provisório em vez do certificado de operação, para pequenas unidades de produção, durante o estado de emergência. Essa decisão alavanca um total de 220 projetos de pequenas unidades de produção renovável, que perfazem 30 MW.
A um nível mais técnico e imediato, algumas das repercussões desta paralisação no setor eletroprodutor e no mercado de eletricidade são já identificáveis, nomeadamente no que se refere ao consumo de eletricidade, preço da eletricidade no mercado grossista MIBEL e preço das licenças de emissão de CO2 no Centro Europeu de Licenças de Emissão (CELE), das quais a APREN salienta:
– Redução do consumo de eletricidade (normalizado com a temperatura e número de dias úteis) em 1,7% em relação a março de 2019, especialmente notório a partir da 4ª semana de março, especialmente em períodos de ponta;
– Significativa redução do preço das licenças de emissão de CO2em 24% desde o início de março, tendo atingido, a 23 de março, um preço mínimo diário de 15,2 €/tCO2, como resultado da baixa procura do mercado;
– Significativa redução do preço do mercado grossista de eletricidade (MIBEL) em Portugal, de 32 % em relação ao início do ano.
Como resposta à situação de emergência nacional e à consequente queda do consumo e preço da eletricidade em mercado grossista, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) aprovou uma redução do preço da tarifa a ser aplicada ao mercado regulado de eletricidade em 5 €/MWh, o que se repercute numa redução de 3 % na fatura da eletricidade para os consumidores.
Há que louvar todas as medidas de apoio às empresas e manutenção dos postos de trabalho que o nosso Governo está a implementar. No entanto, será crucial procurar encontrar o equilíbrio entre o fim da crise sanitária e as medidas que minimizem o efeito de uma provável recessão económica. Neste ponto, é determinante uma intervenção concertada a nível europeu, uma política progressista de relançamento da economia, linhas de liquidez e uma atenuação da carga fiscal para as empresas e cidadãos.
É ao mesmo tempo crucial manter os desígnios da descarbonização da sociedade, que deverão acautelar o efeito nefasto da crise no que concerne ao ponto de partida do PNEC 2030 e, por sua vez, às futuras trajetórias a adotar. A emergência climática vai continuar a ser uma prioridade social, económica e ambiental a que se tem de dar resposta e, por outro lado, neste contexto, todas as áreas setoriais com maturidade e know-how serão uma importante mais-valia para o crescimento e desenvolvimento da economia.
Esta estratégia ganha acrescida relevância, podendo ser um dos mais importantes motores para a retoma económica do ponto de grave recessão em que a grande maioria dos Estados Membros se encontra, bem como um vetor de geração de riqueza diferenciador a nível mundial, que poderá trazer importantes e diferenciadoras vantagens competitivas, tornando a Europa líder no mercado internacional. A eletricidade de fonte renovável tem um papel central na descarbonização e na retoma da economia com a atração de investimento, geração de emprego e receita fiscal acrescida e contribuição relevante para a segurança social.
Neste sentido, é fundamental criar alguma flexibilidade para o setor poder avançar, mantendo ao mesmo tempo inalterada a ambição climática nacional e europeia no que toca às metas de 2030. Esta visão é imprescindível, de forma a minimizarmos os efeitos nefastos desta crise sanitária e económica mundial na indústria, e podermos usar o Green Deal europeu como rampa de lançamento para tornar a Indústria Europeia mais competitiva e líder mundial.