Covid-19 não pode justificar uma agricultura mais destrutiva para a Natureza
As associações da plataforma C6 (FAPAS, GEOTA, LPN, Quercus, SPEA e ANP-WWF) vêm expressar o seu desacordo absoluto com a decisão da ministra da Agricultura de “flexibilizar” a obrigação de práticas agrícolas benéficas para o clima e para o ambiente (Greening). A crise criada pela pandemia COVID-19 não pode justificar a destruição da Natureza. Pelo contrário, esta crise só poderá ser ultrapassada com soluções que garantam a sustentabilidade ambiental da agricultura, dizem as organizações da C6.
Segundo a decisão do Ministério da Agricultura, os produtores podem agora praticar o pastoreio nas áreas de pousio e não são obrigados à diversificação de culturas nas explorações cerealíferas. Esta proposta de intensificação da agricultura vem no sentido oposto às orientações da própria Comissão Europeia no novo Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal), para uma maior diversificação do mosaico agrícola, aumento da qualidade da produção, e redução dos impactos da agricultura intensiva no ambiente e recursos naturais. Aliás, o ministro do Ambiente e Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, já assinou duas declarações a nível europeu de apoio ao Pacto Ecológico Europeu como saída para a crise.
Esta medida não beneficia todos os agricultores, e nem sequer a maior parte. Não beneficia as pequenas explorações até 10ha, nem as explorações em modo de produção biológico, porque a estas já não eram exigidas medidas especiais para aceder aos pagamentos adicionais do Greening. Também não beneficia as explorações mistas, com vários tipos de cultivos, e as explorações extensivas, porque estes agricultores não têm qualquer dificuldade em satisfazer os compromissos para obter os subsídios do Greening.
Esta medida só vem beneficiar as grandes explorações de agricultura intensiva, com base nas monoculturas e no regadio. Ou seja, aqueles que mais têm beneficiado dos subsídios da União Europeia, que se localizam nos melhores solos e possuem acesso facilitado à água. Esta agricultura intensiva irá agora receber um subsídio (Greening) a que não têm direito por ser dedicado à proteção do solo, da água e da biodiversidade. Para as organizações da C6 esta medida excecional não é justa para os agricultores, nem para os contribuintes, e é uma aberração em termos ambientais.
A pandemia de Covid-19 resulta de uma profunda falta de respeito pela natureza e pelo funcionamento dos ecossistemas. A reação do Ministério da Agricultura não pode ser cancelar o cumprimento de uma medida de proteção do ambiente e da biodiversidade, permitindo que a agricultura intensiva continue a receber esses apoios sem fazer os mínimos pela proteção do meio rural. Pelo contrário, este é o momento para acelerar a mudança para uma economia climaticamente neutra, que protege e restaura a natureza, a saúde e o bem-estar, sem gerar desperdício, de um modo justo e que não deixe ninguém para trás. Para evitar repetir os erros do passado, os dinheiros públicos deverão ser investidos em benefícios públicos, de forma transparente e eficaz.
As orientações da Comissão Europeia sobre o apoio ao sector agrícola nos Estados Membros em resposta à Covid-19 são de agilizar datas e procedimentos administrativos/burocráticos bem como facilitar o pagamento das ajudas, o que apoiamos, e não de aliviar o cumprimento de obrigações de carácter ambiental.
“Todos estamos cientes das dificuldades que já existem, e que se vão agravar, em vários setores da sociedade. Mas, tal como recomenda a OCDE, a solução não pode ser cancelar medidas importantes para a sustentabilidade ambiental e proteção da natureza. Tem de ser precisamente o contrário: a forma de ultrapassar a crise que estamos a atravessar é encontrar soluções para evitar a destruição de valores naturais e dos serviços dos ecossistemas”, refere Domingos Leitão, em nome da coligação C6.
No final do mês passado, a C6 enviou uma carta ao primeiro ministro e à ministra da Agricultura, entre outros ministros, em que apelava ao Governo português para demonstrar liderança e um horizonte alargado ao continuar e reforçar a trajetória para uma economia resiliente e sustentável, em linha com o Pacto Ecológico Europeu.